O Parc Naturel du Perche fica no sul da Normandia, na França. A paisagem local, pitoresca e bucólica, é bem diferente das savanas do Quênia, que conheço tão bem.
Ainda assim, aqui estou, no meio do parque, e a menos de dez metros está um leão adulto. Ele tem cerca de quatro anos, com uma juba loura, espessa, e um nariz de um tom rosado e juvenil. Está deitado como uma esfinge, com a cabeça erguida, me observando.
Quantas vezes já vi um leão deitado dessa forma, à sombra de uma árvore, preguiçoso, observando as planícies? Ou aguardando, com expectativa, que a leoa se aproxime para esfregar sua cara na dele, tipo de saudação tradicional entre leões? Ou fechando os olhos, indulgente, enquanto os filhotes se penduram em seu lombo e agarram sua cauda?
Passei anos trabalhando com equipes de filmagem, seguindo leões pela África para fazer filmes sobre o mundo animal. E aprendi a avaliar o estado de humor desses felinos a partir dos seus olhos. Já senti, ao cruzar o olhar com um leão, aquele aperto no estômago, aquela intuição que me diz que basta um passo em falso e eu já era.
Suas pupilas se dilatam e o olhar se torna 100% focado. De repente, eu consigo imaginar como se sente uma presa ao se deparar com seu predador.
Mas os olhos desse leão mal registram minha presença. Não há sinal de interesse. Normalmente, para qualquer tipo de felino, um alvo em movimento é sempre uma oportunidade para uma caçada divertida, mesmo que ela não termine em refeição.
Mas ele não está sequer atento à minha presença, como estaria, na África, qualquer leão de respeito ao ver um humano se aproximando a pé. Esse animal está cansado, desanimado e – algo que eu nunca tinha visto antes – entediado.
Encontro ao acaso
Eu estava na estrada, a caminho da cidade, quando notei o circo, ao lado de uma rua movimentada. Nas imediações, um McDonald’s, uma lavadora de carros e um supermercado abandonado. Os trailers estavam arranjados em forma de semicírculo no antigo estacionamento da loja.
Alguns continham jaulas e, por entre as barras, avistei um leão. Foi então que notei os cartazes espalhados na área.
Abaixo da frase “Visite o Zoológico”, tigres e leões saltavam por dentro de anéis de fogo ou posavam, majestosos, para uma foto. Os cartazes anunciavam que o circo estaria na cidade durante cinco dias. Estacionei meu carro e caminhei até o circo.
Depois de pedir permissão a um homem que trabalhava no local, fui dar uma volta pela área.
Dentro de um pedaço de asfalto cercado por uma corda, avistei seis camelos. Nenhuma grama, nenhuma árvore. Apenas as faixas brancas do antigo estacionamento e um único poste fazendo uma sombra estreita no chão. Nela, dignos de pena, os camelos estavam agrupados.
Mais além, um outro trailer com mais leões e tigres. O compartimento, medindo dois metros por 12 metros, abrigava ao menos seis felinos grandes. Alguns dormiam, outros estavam sentados ou em pé, olhando o tráfego e os pedestres, com o olhar vazio.
O governo da Grã-Bretanha anunciou, recentemente, uma proibição ao uso de animais selvagens em circos do país a partir de 2015.
Mas em partes da Europa e do mundo, a prática deve prosseguir.
Quantos leões, elefantes e outros animais continuarão a ver o mundo por entre as barras de jaulas, sem jamais conhecer a infinitude da vida ao ar livre, na natureza?
Conhecendo, em vez dela, a paisagem borrada das estradas de asfalto, que vislumbram enquanto viajam em procissões espalhafatosas, de cidade em cidade?
As assustadoras chamas dos anéis de fogo, o estalo dos chicotes e o clamor dos aplausos.
O tédio de suas horríveis prisões. E a monotonia sem saída do seu exílio interminável.
Natasha Breed trabalhou durante 20 anos, na África, como assistente de equipes de filmagem do Departamento de História Natural da BBC. Ela é autora do livro “From Ox Cart to Email, the story of Lewa Wildlife Conservancy in Kenya”.
Fonte: BBC