Em 2006 eu soube da incrível história de que havia apenas dois gorilas em todo o território somado das América Central e do Sul. Ofereci para a revista Playboy uma matéria sobre os dois pimatas mais solitários do mundo.
Um deles era o Virgulino, completamente neurotizado pela vida no zoo de São Paulo. Visitantes miravam raio laser nos seus olhos. Morreu logo depois, e minha sensação foi de que foi o fim de seu sofrimento.
E o outro era o Idi. Ele morava num recinto bem mais confortável no Zoo de Belo Horizonte, que se tornou todo seu universo conhecido. Rodava aquela “ilha” todos os dias, pois não havia mais a fazer. Mas Idi era capaz de parar numa planta qualquer e analisar cuidadosamente seus detalhes, cheirar suas folhas, provar seu gosto. Tinha a vida pobre de um animal de zoo. Mas tirava o máximo proveito dela.
Eu tive autorização para acompanhar a “tratadora” de Idi, Cynthia Cipreste nos aposentos particulares de Idi. Entrei agachado e de olhar baixo para deixar claro quem mandava no pedaço. Do seu “quarto”, separado pela grade, Idi me fuzilou com o olhar intimidador de um silverback por longos segundos. Se não fosse com minha cara, ia provocar um escândalo a la King Kong fazendo o chão de BH tremer. Mas fui aprovado. A partir daquele momento, quisesse ele ou não, passei a me considerar seu amigo.
No finzinho da tarde todos os visitantes já haviam se retirado. Eu passei preciosos minutos como observador solitário daquele magnífico gorila passeando pelos seus domínios. Idi subiu ao ponto mais alto da sua “ilha”. Sentou-se sob uma árvore e como um monge observou o sol se pondo. Foi quando eu tirei a foto lá em cima. Ele ainda lançou um rápido olhar para mim e sussurrou um “huhu” de satisfação.
Sei que o certo seria que ele não estivesse no zoo. Melhor se ele vivesse na planície do Congo, que nunca conheceu. Idi nasceu num zoológico francês e viveu toda sua vida em Belo Horizonte. Seu charme e boa vontade o transformaram num habitante amado pelos frequentadores mais assíduos do zoo e pelos funcionários que o protegiam atentamente dos inevitáveis idiotas. Um desses funcionários me contou emocionado do dia em que uma pequena ave caiu no recinto. Idi apanhou com a máxima delicadeza o pássaro com suas mãos capazes de esmagar um crânio. Momentos depois, abriu as mãos e a ave saiu voando.
Passei a torcer muito pela felicidade possível de Idi. Ele já tinha perdido suas companheiras Dada e Cleópatra na juventude naquele mesmo zoo. Passou 27 anos na solidão. Depois de muito esforço o Zoo conseguiu que duas mocinhas, Kifta e Imbi, viessem da Inglaterra para fazer companhia ao galã francês. Como era esperado, Idi conquistou as duas e foi conquistado por elas. Mas a vida sentimental de Idi estava marcada pela tragédia. Com apenas 5 meses de romance, o gigante gentil de BH morreu acompanhado até o fim por Kifta e Imbi.
Foi uma das melhores pessoas que eu conheci nessa minha vida.