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RECUPERAÇÃO FLORESTAL

Como uma árvore em flor ajuda a recuperar a Mata Atlântica

Flores em tons de lilás e rosa de espécie pioneira encobrem regiões desmatadas da Serra do Mar. Conhecida como manacá da serra, ela prepara o solo para a chegada de outras espécies que irão restaurar a saúde da floresta.

26 de fevereiro de 2024
Nádia Pontes | DW
5 min. de leitura
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Foto: Mauro Halpern | Wikimedia Commons

As manchas de tom lilás na Serra do Mar garantem um espetáculo no período que antecede a Páscoa. A gradação das cores, com variações de rosa e branco, quebra a harmonia do verde no entorno das florestas sobre a cadeia de montanhas, que se estende do Rio de Janeiro a Santa Catarina.

A floração das árvores nativas da Mata Atlântica, habitual no período religioso da Quaresma, começou mais cedo este ano. O calor extremo pode ter adiantado a chegada das numerosas flores que surgem nos galhos da Pleroma mutabile, nome científico da espécie, segundo dados confirmados junto ao Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

A planta também é conhecida no meio como Tibouchina mutabilis. Popularmente, os nomes mais conhecidos são manacá da serra, jacatirão, quaresmeira, entre outros. Ela foi descrita em 1871 pelo brasileiro José Mariano da Conceição Velloso, ou Frei Velloso, religioso interessado em botânica que acompanhou expedições pelo Brasil colonial.

Além da beleza, a presença desta árvore revela muito sobre o ambiente. Ela só consegue se desenvolver onde surge um vazio na vegetação: suas sementes precisam do contato direto com o solo exposto para brotar.

“Ela aparece na clareira onde a floresta foi destruída pelo homem ou de forma natural, como a morte de uma grande árvore por raio. Ela faz com que o espaço seja rapidamente fechado”, explica João Paulo Villani, engenheiro ambiental.

Isso faz com que o manacá da serra seja um tipo de incubadora de futuras florestas saudáveis, vital para que a Mata Atlântica se recupere.

A cicatrizadora de florestas

No Núcleo Santa Virgínia, parte do Parque Estadual da Serra do Mar, Villani, que também é gestor do espaço, sabe exatamente onde avistar a florada. As árvores costumam marcar a divisa com áreas desmatadas, de pastagem, ou acompanhar a linha de rodovias.

“No passado, com o desmatamento para construção de estradas, a floresta original foi retirada e houve corte de talude [superfície inclinada de um maciço de solo]. As quaresmeiras se estabeleceram aí, foi uma sucessão da natureza, a semente encontrou o solo e germinou”, diz Villani à DW.

Quando as minúsculas sementes da Tibouchina mutabilis dispersadas pelo vento encontram o solo nu, elas germinam estimuladas pelos raios de sol e dão lugar à planta. A função desta pioneira é cobrir a terra o mais rápido possível. À medida que cresce, suas folhas vão morrendo e caindo, gerando matéria orgânica – o que permite a chegada de outras espécies.

“A partir dos 15, 20 anos de existência da quaresmeira, a fauna começa a transitar no meio dela, no sub-bosque que se forma. Chegam os morcegos, que trazem sementes de outros tipos para dentro da floresta. E como a árvore preparou o solo, as novas sementes encontram condição favorável para germinar”, explica o engenheiro florestal.

Vida florida e morte lenta

Com quatro metros de altura, o manacá da serra já faz sombra e atrai animais como porco do mato, tatu, macuco  ave que cisca o chão em busca de minhoca e, neste processo, “enterra” mais sementes.

As flores da quaresmeira, que aparecem em diferentes tonalidades de branco, rosa e lilás na mesma planta, também comunicam mensagens importantes aos animais, afirma André Ferretti, engenheiro florestal e gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

“O colorido sinaliza para os insetos e animais em que estágio a flor está. É um mecanismo natural que algumas espécies usam para controlar a abundância ou não de animais, como os polinizadores. Então o inseto que busca néctar, ou pólen, sabe em qual flor encontrar”, explica Ferretti ao detalhar a tática de coevolução desenvolvida pelas plantas e animais.

Depois de 50 anos de vida cicatrizando as marcas deixadas pelo corte da floresta primária, a quaresmeira começa a morrer sozinha. Quando isso acontece, a vida que surgiu debaixo dela, no sub-bosque, já está pronta para seguir sozinha. Começam a florescer então árvores maiores, extraídas no passado pelo valor de sua madeira, como canelas, grumixavas, guapeva e cedro.

“As pessoas olham para aquele mar de flores, rosa, branca e lilás, e nem imaginam como a quaresmeira é importante para tornar a floresta saudável de novo”, diz Villani.

Mas quando elas surgem no meio de uma mata densa, o sinal é de alerta. “Alguma coisa pode estar errada. Se aumenta demais as árvores em alguma região, pode ser um sinal de que espécies grandes estão morrendo, que há alguma praga, ou indicar que está havendo um corte de madeira seletivo”, exemplifica Ferretti.

Áreas protegidas

Quando Villani chegou ao Núcleo Santa Virgínia, em 1989, recém-formado, ele tinha a missão de cuidar de duas fazendas desapropriadas para a criação do parque estadual. A área protegida, que inicialmente tinha 5 mil hectares, atualmente conta com 17.513 hectares e abrange 5 municípios paulistas (São Luiz do Paraitinga, Cunha, Natividade, Ubatuba e Caraguatatuba).

“Dos 17 mil hectares, aproximadamente 1,5 mil são ainda cobertos por pasto. Mas nestes 35 anos de trabalho, vi 3,5 mil hectares se transformando em floresta”, diz o gestor.

Da área total do parque, cerca 70% são terras públicas devidamente desapropriadas. O restante são propriedades privadas que aguardam o fim do processo de regularização fundiária.

Segundo arquivos históricos, a ocupação pelos colonizadores no local começou em 1781 com a sesmaria Landim. O desmatamento chegou com a retirada de madeira, depois vieram a exploração do carvão, agricultura e a pecuária. Na década de 1960, com incentivos fiscais da ditadura, a Mata Atlântica foi substituída por plantações de eucalipto por empresas de papel e celulose. A área de proteção só foi criada em 1977.

“Um projeto de compensação ambiental, por exemplo, plantou 321 mil mudas onde era eucalipto. Agora já tem desde onça parda até o pequeno ratinho vivendo lá”, afirma Villani.

A expectativa é que, nos próximos 30 anos, as palmeiras juçara dominem o espaço. A espécie da Mata Atlântica é ameaçada de extinção por causa da extração do seu palmito.

“A criação das unidades de conservação foram fundamentais para manter o que sobrou da vegetação. São mais de 50 unidades na região do litoral norte de Santa Catarina e sul de São Paulo que protegem a região com atividades mais sustentáveis, como turismo de natureza e agroecologia”, comenta Ferretti.

Dos 1,3 milhão de quilômetros quadrados de Mata Atlântica que inicialmente cobriam 17 estados, restam 24% da floresta original. Apenas 12,4% estão em bom estado de conservação.

Fonte: DW

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