Segundo novo estudo, grandes aves frugívoras (que se alimentam de frutos) podem contribuir para o aumento do armazenamento de carbono em 38% nas florestas tropicais em regeneração.
Espécies como o tucano-toco, o jacu e a gralha-do-campo ajudam a transportar sementes de frutos para áreas degradadas; quanto maior a ave, maior a semente e, portanto, maior a biomassa da árvore que cresce dela – portanto, maior potencial de sequestro de carbono.
Para garantir a dispersão eficaz, porém, os fragmentos florestais não podem estar muito distantes uns dos outros, o que se torna mais difícil em áreas muito fragmentadas, como na Mata Atlântica e em trechos desmatados da Amazônia.
Maior representante da sua família, o tucano-toco (Ramphastos toco) pode apresentar uma envergadura das asas superior a 1 metro e percorrer voos de mais de 90 metros de distância. Nesses percursos, muitas vezes ele carrega algo preciosíssimo para a regeneração natural das florestas: sementes das frutas das quais ele se alimenta.
Assim como acontece com os tucanos, ao dispersarem sementes no solo, outras espécies de grandes aves frugívoras – jacus (Penelope obscura) ou gralhas-do-campo (Cyanocorax cristatellus), entre outras -, podem contribuir para o aumento do armazenamento de carbono em 38% nas florestas tropicais em regeneração.
O número acaba de ser revelado por uma análise publicada no jornal Nature Climate Change por um grupo de pesquisadores do Crowther Lab, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH), na Suíça.
“A redução do desmatamento e a restauração de florestas têm um papel fundamental na diminuição do carbono atmosférico e na mitigação das mudanças climáticas. Porém, existem muitas barreiras para restauração em grande escala, como altos custos, o nível de degradação do solo e a falta de banco de sementes”, diz a brasileira Danielle Leal Ramos, doutora em Ecologia e Biodiversidade da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e uma das coautoras do artigo.
Ela explica que em florestas tropicais, como a Amazônia ou a Mata Atlântica, a maior parte das espécies de plantas depende de animais para dispersar sementes – sendo assim, aves podem ajudar a romper essas barreiras, transportando e plantando as sementes em áreas degradadas.
“Nosso objetivo [com o estudo] foi quantificar a contribuição de aves que se alimentam de frutos para a regeneração natural e para o potencial acúmulo de carbono em áreas degradadas”, revela.
Os pesquisadores analisaram dados coletados na Mata Atlântica ao longo dos últimos anos por colegas, estudantes, voluntários, ornitólogos, técnicos de campo e a comunidade local.
Impacto da fragmentação sobre a movimentação das aves
Qualquer ave frugívora, ou seja, que se alimenta de frutos, tem um papel importante na regeneração das florestas. A diferença daquelas de grande porte e que, consequentemente, conseguem comer frutos maiores, entretanto, é que suas sementes darão origem a árvores com uma maior biomassa.
“Normalmente árvores com uma densidade de madeira maior produzem frutos maiores. E são elas que apresentam maior potencial de acúmulo de biomassa e sequestro de carbono. São árvores de grande porte, madeira densa e crescimento mais lento”, explica Danielle.
Todavia, o estudo indicou que em florestas degradadas a circulação das aves é restringida, levando a uma menor dispersão de sementes e captura de carbono.
Nesses locais, as áreas florestais são pequenas e estão localizadas longe umas das outras. Com isso, as aves precisam fazer voos mais longos e ficar mais expostas a predadores e condições climáticas extremas ao ir de um trecho a outro de mata – um problema para muitas espécies, habituadas à vegetação mais densa.
“Para garantir a dispersão eficaz de sementes mediada por pássaros é fundamental manter pelo menos 40% de cobertura florestal e manter os fragmentos florestais a uma distância não superior a 133 metros”, ressalta Carolina Bello, pesquisadora de pós-doutorado do Crowther Lab e principal autora do estudo.
A análise reforça a importância do equilíbrio entre fauna e flora para a preservação e restauração das florestas tropicais. Para que elas se mantenham diversas e eficientes, com seus serviços ecossistêmicos funcionando, é preciso levar em conta o papel dos animais nesse processo.
“A restauração passiva é mais econômica do que a restauração ativa (plantio de árvores), pois é mais barata e produz florestas mais diversificadas com maior potencial de armazenamento de carbono, mas, para que seja bem-sucedida, precisamos garantir que os animais contribuam para ela”, destaca Carolina.
Fenômeno é maior na Amazônia
Apesar de a Mata Atlântica ser considerado o mais devastado dos biomas brasileiros, restando pouco mais de 10% de suas florestas originais, estudos anteriores apontaram que a diminuição do armazenamento de carbono devido à perda de grandes espécies frugívoras é maior na Floresta Amazônica, sobretudo quando se leva em conta não apenas aves, mas também primatas e mamíferos, como a anta e a queixada.
“A Floresta Amazônica e a Mata Atlântica são florestas tropicais onde as espécies frugívoras são muito importantes”, diz a pesquisadora do ETH. Ela alerta que a região amazônica enfrenta um processo de desmatamento grave nos últimos anos, deixando paisagens altamente fragmentadas, onde o movimento das aves também será afetado.
“É de se esperar que os efeitos observados no presente trabalho para a Mata Atlântica também sejam observados na Amazônia, mas precisamos de uma avaliação mais precisa para entender a magnitude do efeito. Devido à maior proporção de árvores que requerem animais para a sua dispersão na Amazônia, podemos esperar que as aves sejam ainda mais indispensáveis para a restauração ali, porém ainda precisamos avaliar o efeito compensatório dos outros grupos de animais”, salienta.
A conservação e a restauração das grandes florestas são essenciais para o combate às mudanças climáticas. O gás carbônico (CO2), considerado um dos principais responsáveis pelo aquecimento global, é extraído naturalmente do ar pelas árvores, que o convertem em oxigênio e material vegetal por meio da fotossíntese. Com aves voando menos e dispersando um menor número de sementes, teremos menos árvores e mais carbono na atmosfera.
Fonte: ECOA