A poluição por plásticos já é reconhecida como uma crise global. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), atrás apenas da emergência climática, ela é hoje a segunda maior ameaça ambiental ao planeta, com impactos devastadores sobre todos os ecossistemas, incluindo a biodiversidade marinha. No Brasil, esse cenário é alarmante, como revela o relatório Fragmentos da Destruição: impactos do plástico à biodiversidade marinha brasileira.
Fruto de uma colaboração com cientistas brasileiros, o estudo oferece um panorama de como o plástico afeta diversas espécies da fauna marinha, de moluscos, aves, peixes, tartarugas a mamíferos. Com ampla referência bibliográfica, a publicação atualiza dados do relatório Um Oceano Livre de Plástico – desafios para reduzir a poluição marinha no Brasil, publicado em 2020.
“Além deste estudo nos ajudar a dimensionar melhor o tamanho e a dinâmica do problema, é fundamental também entender que o plástico que polui nossos mares chega lá por conta de um modelo de produção e descarte que precisa ser urgentemente substituído”, afirma o oceanólogo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana.
O relatório revela também a responsabilidade do Brasil nessa crise plástica: nosso país despeja aproximadamente 1,3 milhão de toneladas desses resíduos no oceano anualmente (o que equivale ao peso de 1,3 milhão de carros pequenos), o que representa cerca de 8% de todo o plástico que chega aos mares globalmente. Isso nos coloca no vergonhoso ranking dos 10 maiores poluidores globais por plástico: somos o 8º no mundo, e o líder na América Latina.
O estudo alerta ainda que os microplásticos já fazem parte da dieta humana, sendo encontrados em 9 das 10 espécies de peixes mais consumidos globalmente.
No Brasil, essa contaminação foi detectada também em peixes de riachos da Amazônia, onde 98% dos peixes analisados continham plástico no intestino e nas brânquias. Tudo isso faz dessa contaminação uma questão de saúde pública.
Os pesquisadores demonstram também que o plástico, quando ingerido por animais marinhos, leva à desnutrição, diminuição da imunidade e até à morte, além de expor os organismos a compostos químicos nocivos. Entre as tartarugas-verdes, por exemplo, cada grama de plástico ingerido aumenta em 450% o risco de definhamento.
“Esperamos que os graves dados que essa publicação revela impulsionem políticas públicas para reduzir, urgentemente, o plástico em suas muitas formas no ambiente, e restaurar a saúde dos nossos oceanos e de toda a biodiversidade marinha. Para isso, é fundamental que o Congresso Nacional aprove o Projeto de Lei (PL) 2524/2022, estacionado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), no Senado, desde outubro do ano passado”, pontua Iran Magno, analista de campanhas da Oceana.
Apoiado por um conjunto de 80 organizações da sociedade civil, unidas em prol da campanha Pare o Tsunami de Plástico, esse PL propõe a implementação de uma Economia Circular do Plástico, por meio de medidas que reinserem o plástico no sistema de produção e consumo – seja pela reutilização e efetiva reciclagem ou pela compostagem, evitando que ele seja descartado na natureza. O conjunto de soluções viáveis trazidas no PL 2524/2022 se alinha às melhores práticas internacionais para enfrentar essa crise ambiental global.
Outros dados relevantes do relatório
- 85% das espécies marinhas que ingeriram plástico estão em risco de extinção.
- 1 em cada 10 animais marinhos que ingeriu plástico morreu.
- 200 espécies marinhas já foram registradas com ingestão de plástico no Brasil.
- 98% dos peixes amazônicos analisados continham plástico ou microplástico no intestino e nas brânquias.
- 70% das tartarugas verdes ingeriram plástico; em algumas regiões do Brasil, esse índice chega a 100%.
- Fragmentos de sacolas e embalagens flexíveis são os itens mais ingeridos por tartarugas.
- 77% dos estômagos analisados de aves, tartarugas e mamíferos tinham plástico.
- 49,5% das espécies de aves, répteis e mamíferos analisados pelo Projeto de Monitoramento de Praias continham plástico no estômago.
Necessidade urgente de ação
Apesar de liderar a produção de plástico na América Latina, o Brasil ainda não tem nenhuma legislação específica que regule essa produção, nem mesmo em relação aos problemáticos itens descartáveis – que se tornam lixo em poucos minutos após o uso, mas permanecem na natureza por séculos. Para além da urgente aprovação do Projeto de Lei 2524/2022, o relatório aponta outras duas recomendações ao Estado brasileiro e à indústria: promover alternativas ao plástico a preços acessíveis e investir em pesquisa e desenvolvimento, favorecendo alternativas reutilizáveis ou compostáveis.
“Esperamos que o Brasil assuma um papel de liderança na redução da poluição plástica. Há evidências científicas mais do que suficientes sobre a piora e a gravidade dessa crise. A indústria não pode continuar negando sua responsabilidade e o Poder Público precisa necessariamente liderar uma transição, já que esse é um desafio ambiental, econômico e social, que afeta não só os oceanos, mas toda a nossa sociedade. O Projeto de Lei 2524/2022 já traz em si as medidas necessárias para nosso país recuperar seu atraso diante de um mal que está à vista de todos e, mais que isso, se colocar entre os países que estão no campo da solução”, conclui Zamboni.
Fonte: EcoDebate