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Testes em animais: ruins e desnecessários

8 de agosto de 2017
6 min. de leitura
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Acabo de ler o artigo parcial publicado no site da Veja “Testes com animais: ruim, mas necessário” . Infelizmente não pude ler a reportagem na integra porque não sou assinante do site, porém, já pelo título e chamada apresentados, percebemos a predominância do mal entendimento em relação à matéria, o que cabe esclarecer.

A chamada traz o seguinte texto: “A proibição do uso de cobaias em experiências acadêmicas, como propunha uma lei vetada pelo governo paulista, traria prejuízos a toda a sociedade”. Além disso, a chamada traz o texto final de que “Reportagem de VEJA debate a necessidade do uso de animais nos experimentos acadêmicos”.

A continuidade da reportagem afirma explicitamente que a lei vetada foi aquela apresentada pelo Deputado Feliciano Filho, o PL 706, então não resta duvida de que há uma confusão no entendimento em relação ao Projeto de lei. (Para aqueles que ainda não conhecem, o referido Projeto de lei pode ser acessado aqui )

A própria ementa do PL torna clara ao que ele se refere: “Restringe a utilização de animais em atividades de ensino no Estado de São Paulo, sem prejuízo de proibições e sanções previstas em outros dispositivos legais: Municipal, Estadual ou Federal, e dá outras providências”.

Em nenhum momento o projeto de lei ou sua justificativa se referem a “testes” ou “experimentos acadêmicos” realizados em animais, muito pelo contrário, em seu Artigo 1º o PL torna claro que “A presente lei não se aplica às atividades de pesquisa científica e tecnológica realizadas no âmbito de pós-graduação, aplicando-se, porém, às suas atividades de ensino e de formação profissional”.

Disto vemos que a reportagem da Veja em si, além de flagrantemente parcial e panfletária, peca em preceitos jornalísticos fundamentais, como a busca da verdade, a veracidade e a precisão das informações. A matéria trata de assunto distinto ao que o projeto de lei trata.

Resta saber se a insistência no erro conceitual é proposital, por se entender que quanto menos as pessoas entenderem sobre o assunto melhor será para a continuidade da utilização de animais, ou se realmente a matéria é assunto tão complicado que as pessoas seguem errando. Outros erros conceituais são amplamente praticados por jornalistas e mesmo acadêmicos, não distinguindo assuntos relacionados ao ensino e à pesquisa.

Tenho trabalhado contra o uso de animais no ensino e na pesquisa, e é flagrante que em momentos oportunos mesmo pesquisadores que tem suas atividades relacionadas à experimentação animal reconhecem que a utilização de animais no ensino já poderia ter sido abolida há muito tempo, restando, porém, a defesa da experimentação animal para a qual, segundo eles, ainda não há alternativas.

É irônico que tantas vezes tenhamos presenciado defensores das pesquisas com animais, na tentativa de vencerem em seus argumentos, reconhecerem a não necessidade de uso de animais no ensino, e que agora estes mesmos estejam dizendo não ser possível abolir o uso de animais também nesta categoria. E os argumentos são facilmente desconstruídos.

De reunião que tivemos com representantes da UNICAMP, o Deputado Feliciano e eu, escutamos que seria necessário validar cada método substitutivo no ensino no Brasil, comparando-os aos métodos que utilizam animais, antes de substituir a utilização de animais por completo, e que a academia estava sendo pega de surpresa por este PL, pois repentinamente eles estavam sendo forçados a substituir completamente animais no ensino.

Ora, em primeiro lugar o elemento surpresa não existe, há anos que existe o debate pela substituição de animais no ensino e na pesquisa, e pelo menos no que diz respeito ao uso de animais no ensino há anos que as listas de métodos substitutivos estão facilmente disponíveis. Há anos que a sociedade manifesta completo apoio ao fim do uso de animais no ensino e também nas pesquisas.

A este respeito escutei que se adotássemos estes métodos substitutos criados em outros países estaríamos sempre nos colocando na dependência da tecnologia estrangeira, pois a maior parte destes métodos não havia sido desenvolvida no Brasil. Ora, tampouco as metodologias que utilizam animais foram desenvolvidas no Brasil, e a maioria das linhagens de animais criadas nos biotérios provém de matrizes estrangeiras.

O argumento pela xenofobia, tipo “Policarpo Quaresma”, não se sustenta, pois ele não é aplicável a outros aspectos de nossas atividades de pesquisa e ensino. A ciência e a medicina praticadas no Brasil são a ciência e a medicina ocidentais, não a ciência e a medicina brasileiras. E a maioria de nossos pesquisadores, em algum momento, recorre às universidades estrangeiras para obterem títulos.Portanto, exemplos de outros países nos servem muito bem e fazemos uso deles corriqueiramente.

No caso especifico da substituição de animais no ensino, estes exemplos são ricos em demonstrar que, além de seu motivo mais importante que é o de poupar a vida de milhões de animais, tais histórias mostram que além de possível, esta substituição é benéfica para os propósitos educacionais e para a formação do caráter dos estudantes.
A revista Veja foi infeliz em seu texto, não apenas por confundir pesquisas científicas com o ensino de ciências, mas também por não haver perdido a oportunidade de supervalorizar o uso de animais na ciência, descrevendo-a como essencial para seu progresso.

Já tivemos a oportunidade de expor questões relativas à história da ciência e ao quanto que as descobertas científicas relevantes na medicina em verdade devem a outros fatores subestimados que acabam sendo negligenciados em detrimento da valorização da experimentação animal.

Para trazer um exemplo ilustrativo, durante o século XX algumas empresas concessionárias de estações de tratamento de água passaram a empregar carpas e outros peixes para avaliar as condições finais de seu efluente a ser distribuído. Muitas pessoas como eu poderão questionar se tais testes são realmente necessários, mas ninguém poderá negar que, efetivamente, toda a água distribuída pelas referidas empresas é testada em animais.

Com os medicamentos citados na reportagem da Veja é exatamente a mesma coisa, pois não tenho como desmentir o fato de que todos eles foram testados em animais e nem tenho interesse de fazê-lo. O ponto a que me atenho é o questionamento de se tais testes foram em algum momento necessários, se foram uteis para atestar a segurança e a eficácia dos mesmos.

A supervalorização, especificamente, está na distorção da história, pois se atualmente utilizamos carpas para avaliar as condições da água, não foram os testes em carpas que iniciaram o consumo de água pela espécie humana, nem pode alguém utilizar o argumento que se utiliza com medicamentos quando alguém se diz contrário às pesquisas com animais: “Ah, mas se você é contra os testes em animais não deveria beber água”.

O argumento soa tosco porque é realmente tosco, mas enquanto não houver um questionamento sério, enquanto tal argumento não for rebaixado à sua categoria de falácia, continuaremos escutando-o, não só de importantes veículos de comunicação, mas também de acadêmicos e políticos.

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