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PORTUGAL

Suspeita de pesca: golfinhos com as barbatanas cortadas são encontrados mortos em praia

7 de setembro de 2023
5 min. de leitura
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Foto: Divulgação

No crepúsculo de uma tarde de julho, André, um homem de 31 anos, deparou-se com uma cena chocante na Praia dos Quarenta, em Torres Vedras: um golfinho com a barbatana cortada. Imediatamente, ele alertou a Proteção Civil, que acionou a Rede de Arrojamentos de Lisboa e Vale do Tejo. “No mesmo dia, eles vieram resgatá-lo”, conta o autor do blog Torres Vedras Antiga, onde tornou pública a situação.

André não se limitou a denunciar o incidente nas redes sociais. Ele prontamente contatou as autoridades para entender o que poderia ser feito para evitar mais mortes de animais em situações semelhantes, conhecidas como capturas acidentais, quando os animais ficam presos nas redes de pesca e têm suas barbatanas cortadas pelos pescadores na tentativa de “libertá-los”.

Em 2019, André encontrou um golfinho sem barbatana na praia pela primeira vez, e desde então, ele ficou mais atento ao problema. “É extremamente triste testemunhar isso”, desabafa, lembrando as várias vezes nos últimos anos em que presenciou situações semelhantes e alertou as autoridades. Ele lamenta que não se tenha dado a devida atenção à questão dos golfinhos.

Entretanto, em Portugal, a Rede Nacional de Arrojamentos, estabelecida há quatro décadas, agora trabalha em conjunto com quatro redes locais em Portugal Continental: Norte, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve. O trabalho de coordenação entre essas redes e as autoridades marítimas e de proteção civil, bem como a intensificação da divulgação sobre como agir em casos de arrojamento, têm despertado mais interesse da população para essa causa.

Animais enredados

Ana Marçalo, coordenadora da Rede de Arrojamentos do Algarve, oferece insights sobre esse fenômeno preocupante. Ela destaca que há poucos estudos sobre as populações dessas espécies na costa portuguesa, mas algumas informações são conhecidas. O golfinho-comum (Delphinus delphis), uma espécie “carismática e emblemática”, é a mais comum em nosso litoral, e sua população tem crescido.

A nível nacional, a captura acidental, também chamada de captura incidental, continua sendo um problema grave, especialmente para espécies com populações em números muito baixos, como o boto.

Estima-se que os animais arrojados representem de 10% a 15% dos milhares de cetáceos que morrem a cada ano no mar (a maioria afunda-se em alto mar e se decompõe na água). Até o fechamento desta edição, o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) não forneceu dados sobre os arrojamentos de cetáceos mortos com barbatanas cortadas.

Ana Marçalo sugere uma explicação para isso: a captura acidental é a principal causa de aproximadamente metade dos animais que encalham em nossas costas. Isso varia de acordo com a distribuição das populações marinhas e o esforço de pesca.

Catarina Eira, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, que coordena a Rede de Arrojamentos do Norte, destaca que Portugal possui um grande número de licenças para redes de emalhar. Isso se torna um problema significativo, especialmente nas regiões central e norte, onde a pesca é mais intensa e há grande concentração de cetáceos, como o golfinho-comum e o boto, uma espécie já classificada como criticamente em perigo. Catarina alerta que este ano provavelmente será registrado um recorde de mortes de botos devido a capturas acidentais.

O veterinário Miguel Grilo, da Rede de Arrojamentos de Lisboa e Vale do Tejo (RALVT), relata que, nos últimos dois anos, cerca de 25% dos 115 mamíferos marinhos identificados na região apresentavam ferimentos que indicavam captura acidental (também havia, em menor escala, “situações de trauma” relacionadas a colisões com embarcações).

Conflito de interesses

Ana Marçalo, pesquisadora na área de arrojamentos e mitigação da captura acidental, explica o conflito de interesses entre a indústria pesqueira e a megafauna marinha, como golfinhos ou baleias. Muitas vezes, as áreas de pesca e habitat desses animais se sobrepõem, gerando conflitos quando os pescadores buscam exercer suas atividades e os animais procuram por alimento.

Os golfinhos, espécies “oportunistas” e muito inteligentes, acabam sendo vítimas de sua própria esperteza, buscando frequentemente o peixe que fica preso nas redes de pesca para economizar energia na captura. Isso os coloca em grande risco de ficarem presos nas redes e morrerem por asfixia, uma situação chamada de captura acidental.

Quando animais com barbatanas ou outras extremidades cortadas aparecem, é altamente provável que isso tenha ocorrido após a morte dos animais, já que as redes de emalhar permanecem na água por várias horas antes de serem recolhidas. Dado que esses animais têm mais de 80 quilos e são robustos, é extremamente difícil libertá-los das redes, levando os pescadores a cortar as barbatanas. “A maneira mais prática de removê-los das redes é cortá-los”, explica a pesquisadora. “Como não podem ser mantidos a bordo, eles são liberados no mar.”

Miguel Grilo reconhece que existe uma certa demonização dos pescadores nesse contexto. Ana Marçalo destaca que não está no interesse de um pescador capturar esses animais. Por um lado, essas espécies são protegidas desde 1981, o que significa que os pescadores podem ser multados se forem pegos com esses animais. Além disso, a captura acidental traz duplas penalidades para os pescadores: eles perdem o peixe que os golfinhos tentam pegar nas redes, e as redes de pesca frequentemente são danificadas devido a essas interações.

Nota da Redação: a pesca indiscriminada continua a ceifar vidas marinhas preciosas. Estatísticas alarmantes mostram que um número inaceitável de golfinhos está morrendo como vítimas colaterais. É hora de ação imediata para proteger nossa fauna marinha.

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