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Sentimentos de Drummond

30 de janeiro de 2009
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Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) é uma unanimidade na literatura brasileira. Traz em si o dom de escrever e a sensibilidade à flor da pele. Um olhar atento para a vida e o tempo e as gentes. Com sua sede infinita soube amar a nossa imensa busca do amor. Cantou a terra e as suas memórias, os rostos imóveis, campos de flores, o sonho de um sonho, a fragilidade e a incerteza, a melancolia. Singelo, lírico ou social, Drummond soube compreender a missão daqueles que buscam transformar o mundo pela arte. Importa notar que em seus versos também os animais ganharam espaço, como os sabiás de sua “Nova Canção do Exílio”, a metáfora do “Elefante” e a terna revelação de “Um Boi Vê os Homens”. No coração do poeta havia espaço para tudo e para todos:

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração.

Difícil encontrar alguém que não se emocione com os versos do poeta de Itabira, o qual deixou como legado obras inesquecíveis: Alguma Poesia, Brejo das Almas, Sentimento do Mundo, José, A Rosa do Povo, Novos Poemas, Claro Enigma, Fazendeiro do Ar, A Vida Passada a Limpo, Lições de Coisas etc. O poema “Memória” não deixa dúvidas a esse respeito:

Amar o perdido
deixa confundido este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis à palma da mão.
Mas as coisas findas
muito mais que lindas, essas ficarão.

Os olhos do poeta não deixaram de presenciar, em 1944, homens que se matavam uns aos outros. Olhos pequenos para ver o general com seu capote cinza escolhendo no mapa uma cidade que se tornaria pó. Olhos pequenos para ver as mulheres que foram lindas, beijo cancelado, na produção de tanques e granadas. Olhos pequenos para ver todos os mortos, todos os feridos, os países mutilados como troncos, a fila de carne em toda parte:

Meus olhos são pequenos para ver
o mundo que se esvai em sujo e sangue,
outro mundo que brota, qual nelumbo
– mas veem, pasmam, baixam deslumbrados.

Drummond não poderia, com tamanha sensibilidade, esquecer dos animais, cuja vida muitas vezes se arrasta somente em dor e miséria. Em “Os Animais do Presépio” ele saúda o reino animal, que carrega a sina terrestre como se fosse feita de vento:

Teus cascos lacerados
Na lixa do caminho
E tuas cartilagens.

E teu rude focinho
E tua cauda zonza,
Teu pelo matizado,

Tua escama furtiva,
As cores com que iludes
Teu negrume geral.

Teu rastro limitado,
Teu rastro melancólico.

O sabiá na palmeira ao longe seria feliz. Onde tudo é belo e fantástico. Só, na noite, ele seria feliz. É essa a mensagem da “Nova Canção do Exílio”:

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

Metáforas que nos tocam a fundo, todas elas, como a do “Elefante” que fabricara com os seus poucos recursos. E nos olhos do grandioso animal é onde, segundo o poeta, se deposita a sua parte mais fluída e permanente, alheia a qualquer fraude:

Eis o meu pobre elefante
pronto para sair.
À procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.

No livro “Claro Enigma”, de insuperável beleza, Drummond altera o foco do nosso olhar convencional para descrever – com requinte poético – toda a inocência, a serenidade e a delicadeza dos bois, diante da imagem dominadora do homem, permitindo-se fazer, ao final, uma sondagem acerca da realidade sensível dos animais:

Tão delicados (mais que um arbusto) e correm.
E correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vez. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível

Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.

Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água.

E difícil, depois disto, é ruminarmos a nossa verdade.

De fato, o que sabemos nós? Humanidade, ternura, compreensão, delicadeza…
Drummond é o poeta do amor. Do amor universal. De todos os tempos e de todas as eras. Como Dirceu despedaçado em busca de sua eterna Marília:

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

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