“Depois de se acostumarem com os espetáculos de massacre de animais em Roma, eles começaram a se acostumar com o massacre de homens, os gladiadores”.
(Michel de Montaigne)
Começa a “temporada” de Rodeios aqui no Paraná. Depois, segue a maior festa de Peão de Boiadeiro do Brasil, em Barretos. Tenho acompanhado a luta incessante de ONGs através de liminares conseguidas na justiça impedindo a realização – não da festa – mas das crueldades impostas aos animais que se arrastam de rodeio em rodeio. E depois das liminares, tenho acompanhado os desmandos dos senhores que comandam o espetáculo, que passam por cima da lei, o apoio dos prefeitos a esses desmandos e o povo que se regozija com o pão e circo às custas do sofrimento de bezerros, bois, carneiros e cavalos.
Lendo um dos textos do filósofo americano Tom Regan sobre direitos animais, não foi nada difícil imaginar as seguintes cenas descritas por ele, que acontecem nos rodeios nos Estados Unidos:
– O “bravo” peão que laceia bezerros-bebês de 4 a 5 meses. A modalidade por lá, se chama calf roping (laço de bezerro) ou tie-down roping (laço amarrado). Quanto maior a velocidade do bezerro, (alguns chegam a 40 km/h), maior o puxão. Logo, maior a torção sofrida pelos seus pescoços. Traqueias são rompidas e, como bem cita o autor, a maioria dos bezerros não dá “bis”.
– O “valente” peão que amarra um bebê amedrontado, indefeso e confuso em um “espetáculo” que ele, o bezerro, é obrigado a atuar, querendo ou não . Na maioria das vezes já com ferimentos, ossos quebrados e hemorragia interna.
– O “destemido” peão que esporeia um cavalo ou um boi que, além de receber “estímulos elétricos”, tem seu flanco, intestinos, genitais e outras estruturas apertadas por uma correia de couro; a maioria dos animais se arrasta de rodeio em rodeio. São açoitados porque não têm mais recursos físicos para “pinotear” por si só, para o delírio do público.
– Pessoas que assistem (portanto, patrocinam) aos rodeios, acreditando que esporas “cegas” ou sedéns de lã não causam danos. Essas pessoas são mais cegas que as esporas supostamente o são, pois basta um pouco de bom senso para inferir que um sofrimento muito grande é causado ao animal pelo ferimento cego e repetitivo em lesões já existentes;
– A mídia tendenciosa que, ao contrário da imparcial, fortalece as opiniões de senso comum, colocando os refletores somente sobre as ações de ativistas irresponsáveis, fazendo com que as pessoas associem a luta pelos direitos animais à baderna, à política partidária e ao mau gosto. Fazendo com que o movimento pelo fim dos rodeios enfraqueça afastando pessoas responsáveis, dotadas de discernimento, que querem e em muito contribuiriam para fortalecer a abolição desse tipo de prática.
– Cofres públicos e grandes empresas que bancam essa barbárie na arena. A propósito: “arena” no dicionário: local onde se realizavam as lutas sangrentas entre gladiadores e feras no Circo Romano. (“realizavam”? há quanto tempo mesmo?).
Tais cenas (as mais leves, acreditem) foram descritas com base nos rodeios que acontecem sob a fiscalização da Associação dos Peões Profissionais de Rodeio dos Estados Unidos (PRCA), que se coloca “a favor do bem-estar animal”. Diante do exposto, não fica difícil imaginar o que acontece aos animais nos rodeios que não são fiscalizados pela PRCA (segundo Regan, 85% deles). Quem duvidar que os rodeios são responsáveis pelas cenas descritas acima, entre outras que não cabem aqui, consulte qualquer site de grupos sérios que fazem campanha contra os rodeios. Após assistir a um dos vídeos, fica fácil responder a um dos questionamentos feitos por Regan: “será que os que trabalham para abolir o rodeio em geral são pessoas histéricas e emocionalmente desequilibradas que gostam de ficar abraçando bezerrinhos?”.
Há ainda o “desserviço” de um famoso canal da TV fechada, subordinado à PRCA, que desde 2001 inclui a transmissão dos rodeios em sua programação. Sem exceção, tais coberturas não deixam que o telespectador veja o que acontece com o bezerro depois que este cai no chão. Com o atraso de sete segundos na transmissão, as mortes e os ferimentos dos animais são cortados da edição. E claro: os telespectadores não se levantarão contra aquilo que não lhes permitem ver.
Aqui no Brasil, os argumentos de quem promove, patrocina e participa dessa barbárie podem convencer os mais incautos. Há uma surdez e uma cegueira seletiva que favorecem a continuação do “espetáculo”. As justificativas vão desde a deslavada desculpa da “tradição” (como na farra do boi e outras atrocidades) à negação do uso do sedém ou choques elétricos nos animais (exaustivamente documentados).
Embora tenha consciência de que quem passa por cima da lei e fatura altas quantias em dinheiro não está nem um pouco preocupado com o sofrimento animal, ou com qualquer discussão a respeito, sou favorável à extinção da participação de animais não humanos em rodeios. E radicalmente contra os “rodeios” que prefeituras, patrocinadores e a população em geral fazem para fugir de uma discussão mais profunda, em que seus argumentos rapidamente se esgotariam. E contra os “rodeios” que a própria população faz acerca de enxergar o óbvio em nome do que chamam de “diversão”. E contra os “rodeios” acerca da discussão sobre consciência animal e “bem-estarismo”, endossada pela ciência convencional, que valida esse tipo de barbárie, coisificando os seres amendrontados, feridos e açoitados que protagonizam o “espetáculo” na arena.
É por conta desses “rodeios” que as pessoas repelem qualquer discussão a respeito da consciência animal e do quanto violamos seus direitos. E é por conta desses “rodeios” que muitas pessoas preferem acreditar que as cenas de rodeio descritas por Regan pertencem à realidade americana. E que aqui, neste país, os olhos de todos estão voltados para as reais necessidades da nossa população, para a compaixão com os animais e para a evolução moral.