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MITIGAÇÃO CLIMÁTICA

Produção de mel por abelhas nativas contribui no combate ao desmatamento

Projeto avança no plano de criar um cinturão verde com colmeias no entorno de Belém para evitar desmatamento, capturar carbono, reduzir impactos do aquecimento global na cidade e aumentar a renda de comunidades amazônicas.

21 de fevereiro de 2024
Hedy Boscolo
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Com 30 caixinhas de colmeias no quintal, o produtor Ocivaldo Moreira aguarda o início da colheita de mel, na comunidade Boa Vista, no município de Acará, Região Metropolitana de Belém, orgulhoso não só pelo dinheiro extra que complementará o orçamento da família, mas pela contribuição de manter a floresta em pé. Em meio a 4 mil pés de açaí e árvores polinizadas pelas abelhas nativas sem ferrão, o agricultor integra uma iniciativa que planeja constituir um cinturão verde de meliponicultura no território e entorno da capital paraense para auxiliar a mitigação da mudança climática e a adaptação aos impactos dessas alterações que já atingem a qualidade de vida na cidade – segunda maior da Amazônia.

“A região sofre com o clima mais seco, resultado do desmatamento, e fazer pequenos oásis pode ajudar no microclima da metrópole e no pensamento das pessoas ao redor, dando mais condições de amenizar os atuais e futuros impactos”, afirma João Meirelles, diretor-geral do Instituto Peabiru, instituição que completa 25 anos de ações socioambientais na Amazônia. O desafio de unir conservação da biodiversidade, mitigação climática e redução de desigualdades mobiliza as atenções em torno das abelhas.

Além da renda com o mel, que valoriza a floresta bem conservada, as abelhas prestam o serviço de polinizar árvores nativas, muitas delas frutíferas, contribuindo na reprodução vegetal, com captura de carbono da atmosfera e formação de uma barreira natural para proteção da metrópole. Segundo Hermógenes Sá, diretor-executivo do Instituto Peabiru, o objetivo inicial é abranger 200 famílias, nos próximos cinco anos, em áreas rurais de Belém, ilhas e municípios vizinhos de Ananindeua, Barcarena e Acará. “A condição para expandir é ter sempre floresta para a abelha ‘pastar’”, aponta o diretor.

Atualmente 40 famílias em nove comunidades já receberam 1,2 mil caixas de colmeias e assistência técnica para a reprodução e manejo do plantel. “As abelhas sempre estiveram nas áreas, mas faltava tecnologia para valorizar o recurso da floresta no contexto da bioeconomia”, afirma Sá, ao destacar o longo processo de aprendizados com a atividade nos últimos anos. “Trata-se de uma renda garantida para um trabalho que exige dedicação de poucas horas por mês, complementar a atividades como a roça de mandioca, a produção de farinha e a coleta de açaí”, completa.

Vitrine para adaptação à mudança climática

Iniciado em 2007 com apoio da Fundação Avina e banco holandês Abn Amro Bank, o programa de meliponicultura do Instituto Peabiru se expandiu por meio do financiamento do Fundo Amazônia entre 2014 e 2018, abrangendo 22 comunidades em cinco municípios do Pará e Amapá, no total de 5 mil caixinhas de colmeias. Com o desafio do beneficiamento, o trabalho resultou na produção do primeiro mel com selo SIF (Serviço de Inspeção Federal) de área com manejo ambiental autorizado – e criou capacidade produtiva para as comunidades caminharem por conta própria nesta alternativa de renda.

Desde 2020, o atual projeto do Instituto Peabiru no tema, o Amigo das Abelhas da Amazônia, é apoiado pelo Instituto Clima e Sociedade (ICs), com foco na região de Belém e entorno, para além da produção do mel. A iniciativa socioambiental, também financiada pela Embaixada da Eslovênia neste ano, enfatiza o serviço ambiental prestado na polinização da floresta pelas abelhas. A ideia é impulsionar as ações no contexto da COP-30, a conferência climática global que deverá ser realizada em Belém, em 2025, trazendo grande visibilidade para a região, com expectativa de aumentar a escala da bioeconomia.

Em todo o mundo, cresce o movimento de grandes cidades na adoção de planos climáticos, baseados principalmente na redução de emissões de carbono pelo transporte e consumo de energia, aumento de áreas verdes e sistemas de monitoramento e alertas contra enchentes e até contenção costeira contra a elevação do nível do mar. Em Belém, com a contribuição do Instituto Peabiru, ganham destaque as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), entre as quais a conservação e ampliação de florestas, capazes de representar cerca de 37% da mitigação climática necessária para o planeta não ultrapassar o limite de 1,5 grau de aquecimento até 2050, segundo a ONU.

Dados do MapBiomas indicam que a capital paraense tem 28,6% do território coberto por florestas, mas a área não vegetada dobrou de tamanho em 2022 em relação a 1985. O município de Acará (PA), onde há comunidades com criação de abelhas sem ferrão, perdeu 28% de área florestal em quatro décadas.

Junto ao aspecto ambiental, a atividade envolve principalmente mulheres, estimulando o empoderamento e o debate sobre as questões de gênero, além de evitar o êxodo para as cidades com impactos sociais. “A abelha faz o que o ser humano deveria fazer mais”, diz a produtora Márcia Ramos, que trabalhava como doméstica em Belém e voltou para as origens na comunidade Boa Vista. Na esperança de dias melhores, a meliponicultura se soma à criação de galinha e pés de patchouli e priprioca para indústrias produzirem cosméticos. “Entrei no projeto das abelhas como forma de curar a mente após perder um filho para a depressão, e acabei descobrindo um novo mundo; em lugar de muitas carências, qualquer oportunidade temos que agarrar”, revela Ramos.

“O resultado já se reflete na qualidade ambiental da floresta que melhora a produção dos açaizais”, revela Abimael Teles e Teles, morador local e técnico do Instituto Peabiru responsável pela assistência aos produtores, acompanhando a alimentação e o crescimento das colmeias.

Na visão de Silvana Lameira, presidente da Associação dos Produtores Orgânicos de Boa Vista, que reúne 51 famílias na localidade, a nova atividade com as caixas de abelhas pode representar mais uma peça que fortalece a relação com empresas. Em 2023, o grupo fornecerá 20 toneladas de priprioca para a indústria de cosméticos Natura, além de comercializar pataqueira e outras plantas para óleos essenciais que agora dividem espaço com as colmeias. “O plano é multiplicar para vender mais, inclusive como atração turística que ajuda a sensibilizar e semear atitudes ecológicas”, afirma a líder comunitária.

Fonte: EcoDebate

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