EnglishEspañolPortuguês

Os Beagles e os Porcos: o constrangimento que nos traz

23 de outubro de 2013
4 min. de leitura
A-
A+

Sinceramente, qualquer um de nós, no lugar de um daqueles beagles resgatados do Instituto Royal, no dia 18 de outubro em São Roque-SP, iria adorar e aplaudir a ação dos ativistas. Definiria a ação como uma “visitação de anjos libertadores”. Para o beagle, não há interesse em saber que ele é uma cobaia indispensável para que o país tenha um laboratório de ponta para fármacos e novas drogas. Ele quer é viver. Sendo assim, como beagle, a história terminaria aqui e ponto final, ou melhor, a vida começaria agora. Pela primeira vez, aqueles animais estão experimentando o direito à vida, à liberdade e à própria integridade física.

Entretanto, esse episódio tem uma complexidade que permite muitas leituras, e me arrisco, então, a fazer uma delas. Primeiro, é preciso ressaltar que o Instituto Royal é considerado o “mais controlado, ético e regular centro de pesquisa”. Recebe financiamento público e tem permissão legal para o uso de animais em estudos científicos e está regularmente credenciado junto ao Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), que é um órgão integrante da estrutura do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, no que tange à solicitação de credenciamento das Instituições de Ensino e Pesquisa Científica. Ou seja, estamos diante de uma instituição que tem o respaldo das leis brasileiras e esta base legal está disponível no site (http://concea.mct.gov.br), tópico legislação, onde é possível encontrar a Lei Arouca, o Decreto, as Resoluções Normativas e Orientações Técnicas. Dito isto, não estamos lidando com pessoas desonestas ou ilegais. Está tudo “dentro dos conformes”.

O que esta invasão e resgate suscitam é um questionamento do nosso padrão moral, ético, de civilidade e de relação com os outros seres que dividem conosco o mesmo habitat. As pessoas, ao tomarem contato com os bastidores de um desses laboratórios, tiveram uma reação de reprovação e comoção. Temos aqui outra pergunta: o que nos leva a comover com os dóceis e lindos beagles e sermos completamente indiferentes com os vira-latas, porcos, vacas e seus bezerros, cavalos, galinhas, gansos, por exemplo? Que tipo de procedimento mental é este que nos faz selecionar alguns, para que sejam alvo de nosso amor, proteção e cuidado e agirmos sem nenhum tipo de sensibilidade e total indiferença com outros? Estamos falando de animais que se diferem apenas na forma – consideramos uns mais bonitos e fofinhos do que outros que, entretanto, possuem o mesmo tipo de consciência, sistema nervoso central e vontade de viver.
Este lampejo ou raio de luz que por alguns instantes iluminam e escancaram nossa incoerência ou esquizofrenia moral, para utilizar uma expressão de Gary Francione, nos permite deduzir que, este mesmo sentimento e consciência que atingiu tantas pessoas, tem como sustentação o fato de que, os animais são sujeitos de uma vida, como afirma Tom Regan. Desta forma, como seria a libertação dos 8,5 milhões de bois e vacas; 9 milhões de suínos, considerados os animais mais inteligentes já domesticados pelo homem; 1,4 bilhão de aves que foram mortos ou “abatidos” apenas no 2º trimestre (abril, maio e junho) de 2013 no Brasil? Este recorde histórico, muito comemorado pelo agronegócio, é considerado por outros como “fábrica de desmontagem de vidas”, conforme expressão de Fábio Chaves do site VISTA-se, que vai além, “cada um destes animais sofreu de uma forma que somos incapazes de imaginar”.

A libertação dos animais não humanos, sejam ele um beagle ou um porco, depende muito mais de nós do que imaginamos. Esta libertação virá quando deixarmos de consumir sua carne, sua pele, seus órgãos internos, de extrair suas secreções e também não comprar produtos das indústrias que fazem testes em animais. Não será necessário invadir os incontáveis abatedouros espalhados pelo país; basta utilizarmos apenas uma arma: o nosso garfo e o nosso poder de compra. Hoje não há lojas que vendem máquinas de datilografia, pois não há quem as comprem. O Instituto Royal não é o demônio da história e sim nossas demandas de consumo. Este tipo de ativismo silencioso terá efeito na longa duração e não suprime o trabalho heroico e incansável dos socorristas, dos protetores ou de outro tipo de envolvimento com a causa, porém, é preciso ser considerado seriamente por todos aqueles que, sinceramente, “amam e se dizem protetores dos animais”.

Você viu?

Ir para o topo