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AMEAÇADAS

O declínio das abelhas: iniciativas no Brasil buscam proteger polinizador essencial à segurança alimentar

Projetos incluem produção orgânica e a reavaliação, por parte do Ibama, de alguns produtos autorizados. Abuso de agrotóxicos é maior ameaça, mas clima extremo agrava quadro

2 de abril de 2024
Letícia Klein, para Um Só Planeta
10 min. de leitura
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Foto: Unplash

“Comecei a cultivar abelhas próximo da cidade, no meio do cinturão verde, e não conseguia produzir. Fiquei dois anos patinando. Achava que era porque eu era novato. Não sabia na época, mas era a ação de veneno”, conta João Giancoli, apicultor em Ibiúna, São Paulo, há 42 anos.

Naquela época, início dos anos oitenta, os venenos eram tão tóxicos para os insetos polinizadores que chegavam a formar tapetes de abelhas mortas no chão, conta o apicultor. Ele então decidiu se mudar para o interior, onde sua produção não seria afetada pelos agrotóxicos aplicados nas lavouras. Depois de um tempo, até tentou voltar para o local original, mas perdeu três das cinco colmeias que tinha – e nas que sobraram, só restavam 20% das abelhas.

As abelhas são um dos principais insetos polinizadores. Tanto os adultos quanto suas larvas e pupas se alimentam exclusivamente de flores, colhendo o pólen como fonte de proteína e o néctar para produção de mel. No processo de se alimentar, as abelhas levam pólen de uma flor para outra, tornando-se essenciais à reprodução das plantas. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 85% das plantas com flores em florestas e 70% das culturas agrícolas dependem dos polinizadores, que além das abelhas incluem vespas, besouros, borboletas, pássaros, pequenos mamíferos e morcegos.

Um estudo da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto Tecnológico Vale, publicado recentemente na revista científica Arthropod-Plant Interactions, identificou que a polinização de palmeiras como o açaí na Floresta Amazônica vale R$ 706 milhões por ano, serviço prestado de graça pelos polinizadores – no caso, especialmente abelhas e besouros. O montante representa 60% do valor de produção agrícola das palmeiras, o que chama a atenção para o papel desses polinizadores na alimentação humana e a necessidade de preservá-los.

“Eles têm uma importância econômica muito grande, e é mais fácil compreender esses serviços prestados principalmente por insetos para a produção de alimentos a partir de cifras monetárias”, afirmou Tereza Cristina Giannini, uma das autoras do estudo, na época da publicação. “Existe um ciclo de dependência entre as pessoas e a floresta que, por sua vez, depende de polinizadores para continuar existindo. Então, aquilo que afeta o habitat natural dos animais pode afetar, consequentemente, a produção agrícola”, disse William de Oliveira Sabino, coautor da pesquisa. A ausência desses polinizadores pode ocasionar perdas nas colheitas de abóbora, melancia, cacau, castanha do Pará, amêndoa, pepino, cereja, maçã e ameixa, por exemplo.

O impacto dos agrotóxicos sobre as abelhas

A ironia é que é justamente a produção agrícola uma das responsáveis pelo sumiço das abelhas no mundo, devido ao uso de agrotóxicos, especificamente os neonicotinoides e o fipronil (este já proibido na União Europeia). Segundo o Atlas dos Agrotóxicos 2023, publicado pela Fundação Heinrich Böll, quase 10% das abelhas estão ameaçadas de extinção na Europa por causa desses produtos, sendo os neonicotinoides os mais utilizados por lá. No Brasil, o relatório mostra que mais de 300 milhões de abelhas morreram entre 2022 e 2023, na maioria dos casos devido ao uso do fipronil.

Os neonicotinoides, introduzidos no mercado mundial pela primeira vez em 1990, são uma classe de inseticidas derivados da nicotina e, portanto, agem de maneira semelhante à substância, impedindo a transmissão de impulsos nervosos. Nas abelhas, eles prejudicam o aprendizado e reduzem a imunidade e a fecundidade, além de interferir na comunicação e navegação, fazendo com que elas não consigam voltar para casa e morram espalhadas pela natureza.

Dos cinco neonicotinóides registrados para uso agrícola no Brasil, o Ibama já reavaliou três: o imidacloprido e o clotianidina em 2021 e o tiametoxam neste mês de fevereiro. A reavaliação ambiental é um procedimento de reanálise de ingredientes ativos devido a indícios de riscos no seu uso na agricultura, buscando a utilização mais segura e de menor impacto ao meio ambiente. Os documentos de reavaliação apresentam uma série de medidas a serem implementadas com o objetivo de prevenir a ocorrência de danos às abelhas e outros insetos polinizadores, recomendando excluir o uso de produtos com os ativos em determinadas culturas agrícolas ou restringir sua aplicação a determinadas partes da planta ou épocas do ano.

“Diversos fatores podem influenciar no desaparecimento de abelhas, como as questões nutricionais, doenças, manejo inadequado, entre outros. Os agrotóxicos não são os únicos agentes estressores desses insetos. Contudo, dado o potencial de risco desses produtos químicos, o Ibama, por meio da reavaliação, tem promovido rigorosa investigação dos usos autorizados, visando à proteção das abelhas”, informou o órgão em nota ao Um Só Planeta.

Nos pareceres encaminhados ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Ibama também estabelece que as empresas titulares de registro de agrotóxicos que contenham os ingredientes ativos incluam no rótulo dos produtos a seguinte frase de advertência:

“Este produto é tóxico para abelhas. A pulverização não dirigida em área total não é permitida. Não aplique este produto em época de floração, nem imediatamente antes do florescimento ou quando for observada visitação de abelhas na cultura. O descumprimento dessas determinações constitui crime ambiental, sujeito a penalidades cabíveis e sem prejuízo de outras responsabilidades.”

Segundo o Ibama, o primeiro passo para uma aplicação de agrotóxicos com efeitos mínimos sobre as abelhas é a adoção das indicações aprovadas em rótulo e bula dos produtos. “Entre as diversas recomendações, o Ibama aconselha evitar o uso desses agrotóxicos mesmo quando aplicados diretamente no solo e/ou plantas durante o período de floração, isso porque é a época do ano em que as abelhas mais sobrevoam as culturas.”“Vejo flores em você”: casal se veste de abelha para plantar sementes de flores nativas

Após a divulgação do comunicado, os titulares têm até 180 dias para realizar as adequações necessárias no rótulo e na bula de seus produtos, de acordo com as orientações do documento. Durante esse período de transição, as empresas devem emitir um folheto complementar, etiqueta ou outro meio eficaz que deixe claro ao usuário as recomendações de uso do produto e precauções relativas à proteção ambiental.

Além dos neonicotinoides, o fipronil também está em processo de investigação, que deve ser concluído até 2029 – o prazo é longo porque o processo é altamente dependente dos cenários investigados, informou o Ibama. Porém, em dezembro do ano passado, o órgão já tinha estabelecido restrições de uso do produto até o fim da reavaliação. “No caso dos neonicotinoides diversos estudos tiveram de ser desenvolvidos, em condições locais, conforme as práticas agrícolas brasileiras. Isso porque é necessário coletar dados anuais de determinadas culturas, levando em conta, por exemplo, o período de seca ou do período chuvoso e como a plantação se comportou de um ano para o outro.”

Clima aumenta a pressão

Além de práticas agrícolas intensivas no uso de pesticidas, as mudanças climáticas são outra ameaça que pode acelerar o desaparecimento dos polinizadores. O aumento das temperaturas e o aumento da frequência e intensidade de fenômenos como enchentes, secas e incêndios afetam as fontes de alimento e habitats das quais os polinizadores dependem para sua sobrevivência.

As mudanças climáticas também alteram a floração e disponibilidade das plantas, levando a incompatibilidades entre os polinizadores e as suas fontes de alimento. O clima pode ainda afetar a qualidade do néctar, sua principal fonte de alimento, tornando-o menos nutritivo, o que ocasiona um declínio na saúde e no sucesso reprodutivo dos polinizadores e, consequentemente, leva ao declínio na polinização das plantas.

Iniciativas de proteção às abelhas

No Apiário Giancoli, no Topo da Serra do Paranapiacaba, em Ibiúna, o apicultor mantém 40 colmeias, que produzem, cada uma, de 25 a 30 quilos de mel por ano. A produção é orgânica há quatro décadas e certificada desde 2014. Em meio a áreas preservadas de Mata Atlântica, Giancoli diz que não tem perda de abelhas.

Para ser considerada orgânica, a produção precisa estar a pelo menos a 3 km de cultivos agrícolas que usam agrotóxicos e a 5 km de centros urbanos. Outras medidas incluem reciclar a cera orgânica dentro do apiário ou comprar cera orgânica, não matar o zangão, utilizar somente açúcar orgânico ou mel orgânico se precisar alimentar as abelhas e usar apenas filtro por gravidade (não bomba). Giancoli produz apenas mel de abelhas africanas.

No Pará, o Instituto Peabiru trabalha com projetos de meliponicultura, que é a criação de abelhas sem ferrão – todas as espécies nativas brasileiras são assim. O trabalho com comunidades tradicionais e quilombolas visa à geração de renda por meio de um modelo de negócio sustentável, ao mesmo tempo em que promove a conservação da biodiversidade e os serviços ambientais realizados de graça pelos polinizadores. O Programa Abelhas da Amazônia, o mais antigo do Instituto Peabiru, existente desde 2007, é considerado um dos maiores dedicados à meliponicultura no Brasil, com a participação de mais de 120 produtores em oito municípios no Pará e Amapá, além de comunidades parceiras no Amazonas.

Outra iniciativa brasileira que trabalha pela proteção das abelhas é a ONG Bee or not to be, criada no Rio Grande do Norte. Com o objetivo de apoiar e desenvolver ações para a defesa, elevação e manutenção da vida de todas as espécies de abelhas, a instituição elabora e executa projetos, publicações, pesquisas, consultorias, campanhas e eventos relacionados à causa da proteção às abelhas. Alguns destaques incluem a produção do Caderno de Atividades para Educação Ambiental (à venda no site), o projeto Cidade Amiga das Abelhas e um aplicativo que monitora o desaparecimento e as mortes massivas de abelhas no país.

Fonte: Um Só Planeta

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