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BIOMA BRASILEIRO

Nova rede mostra que futuro resiliente ao clima também depende da Caatinga preservada

Recém-lançada, rede para a Restauração da Caatinga (Recaa) quer colocar o bioma, que é exclusivo do Brasil, na agenda de restauração brasileira

1 de abril de 2024
Vanessa Oliveira, do Um Só Planeta
6 min. de leitura
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Foto: Maria Hsu | Wikimedia Commons

Bioma exclusivo do Brasil, a Caatinga foi historicamente considerada um “patinho feio” da conservação. Sua vegetação de pequeno e médio porte caducifólia (de folhas que caem) ganha em parte do ano um aspecto esbranquiçado, de onde deriva o nome do bioma — de origem tupi-guarani, Caatinga significa “mata branca”. Bem diferente da pujança verde da Amazônia e Mata Atlântica, o bioma que abrange todos os estados do Nordeste e norte de Minas Gerais recebeu no imaginário nacional e nas políticas públicas um lugar de menos valia.

Aos poucos essa visão distorcida do bioma, que ocupa 11% do território nacional — área equivalente a Alemanha e França juntas — foi mudando graças a pesquisadores, principalmente de universidades de estados do Nordeste e do engajamento de ONGs e instituições socioambientais. Os estragos de anos de descaso e expansão abusiva da agricultura, da pecuária e do desmatamento, porém, são notórios: o bioma já perdeu mais da metade de sua cobertura vegetal original, uma ameaça às mais de 3 mil espécies de planta e animais da região e à resiliência das cerca de 30 milhões de pessoas que nela habitam.

Atenta aos desafios socioambientais locais e às oportunidades que a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas da ONU, organizações e instituições que já trabalham pela conservação da Caatinga lançaram no final do mês de março a Rede para a Restauração da Caatinga (Recaa). A rede nasce com o objetivo de colocar o bioma, que é o único 100% brasileiro, na agenda da restauração.

Como em outras regiões de mata seca, as espécies de plantas da Caatinga têm adaptações que lhes permitem sobreviver a períodos de seca extrema, e há muito a ser descoberto sobre a diversidade e resiliência da flora desse bioma, conhecimento que pode ajudar o mundo e o Brasil a enfrentarem a alta do termômetro. Para isso, é preciso frear as ameaças e investir no bioma. Estudos de modelagem matemática apontam que a Caatinga deverá se tornar ainda mais quente com o aquecimento global. Partes do ecossistema já caminham para a desertificação, passando do característico clima semiárido para árido.

A Recaa nasce com metas ousadas: uma delas é promover, incentivar e apoiar a restauração de 250 mil hectares de áreas degradadas na Caatinga – o equivalente a metade do passivo ambiental do Código Florestal na Caatinga. Outra é melhorar a gestão do uso da terra em 1,4 milhão de hectares por meio da articulação com governos, construção e apoio a políticas públicas, criação de instrumentos e ações estruturantes e apoio aos povos da Caatinga. Com isso, a rede espera favorecer a criação de 105 mil empregos diretos e indiretos a partir da restauração.

Recuperar a vegetação nativa é fundamental para garantir a segurança hídrica da região, ao mesmo tempo que garante a segurança alimentar, fortalecendo a agricultura familiar, atividade econômica que mais gera empregos e renda na região. Estudos apontam os agricultores familiares da Caatinga como os mais expostos ao risco climático no bioma. A restauração da vegetação nativa também permite que diferentes formas de vida floresçam com mais potência. “Biodiversidade é fundamental para a resiliência ecológica e climática”, afirma Ana Claudia Costa Destefani, secretária-executiva da Recaa.

Em entrevista ao Um Só Planeta, Ana conta que a rede atuará como um ambiente de articulação colaborativa, criando pontes entre diferentes atores presentes no bioma – desde governos federal, estaduais e municipais, passando por empresas, ONGs, produtores rurais e comunidades tradicionais. O desafio, ao seu ver, é conseguir um fluxo de recurso financeiro perene para projetos da região, lembrando que natureza tem um tempo próprio para recuperação.

Um dos maiores financiadores de projetos ambientais no mundo, o Projeto GEF (em inglês, Global Environment Facility, ou Fundo Global para o Meio Ambiente), por exemplo, prevê planos de ações durante um período de 5 anos, considerado pouco tempo por quem, como Ana, trabalha com conservação. Um passo importante ainda, segundo ela, é identificar territórios específicos para implementar essa restauração.

“É muito pouco tempo entre o plantio da muda até vermos efetivamente uma árvore crescida. E isso também gera desconfiança, porque o agricultor não vê o resultado final de um projeto como esse no futuro”, afirma, destacando que os projetos de investimento precisam criar uma relação de confiança de base no campo. “Isso precisará ser revisto no Brasil. Precisamos de recurso público perene no território para garantir a integridade da restauração”.

A criação de uma rede altamente vocal pela defesa Caatinga vai ao encontro de outras iniciativas de rede mais consolidadas nos demais biomas brasileiros, como o  Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, a Rede Araticum, no Cerrado, e a  Aliança para Restauração da Amazônia, na Amazônia. Mais recentemente também surgiram a RedeSul, no Pampa, e o Pacto pela Restauração do Pantanal. A Caatinga era o único bioma que ainda não tinha uma rede do tipo.

“Viabilizar modelos de desenvolvimento sustentável que promovam uma sociedade mais justa e a conservação do meio ambiente por meio de soluções inovadoras e integradas exige um cuidadoso olhar territorial”, destaca Geysa Vilela, analista territorial da Caatinga do WRI Brasil, uma das organizações que fazem parte do conselho Recaa. Segundo a especialista, tornar a Caatinga um lugar adaptado às mudanças climáticas passa por garantir a manutenção das pessoas no bioma, e permitir o aumento da renda de modo ambientalmente equilibrado, preservando e valorizando os modos de vida culturais das comunidades.

Tudo isso com planejamento, rigor científico e construção de parcerias. O nascimento da rede segundo Geysa, abre caminho para “reposicionar a Caatinga dentro das estruturas de políticas públicas e priorização social”. Apesar da rede ter metas ambiciosas, ela destaca que mais do que entregar números, a efetividade da rede será medida a partir da melhoria da qualidade da vida das pessoas. “A Caatinga é a oportunidade para a gente enquanto país de mostrar para o mundo como o Brasil é capaz de mitigar os efeitos do clima no semiárido e inspirar outras regiões”.

Fonte: Um Só Planeta

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