EnglishEspañolPortuguês

ESCASSEZ

Insegurança hídrica afetará 74 mi no Brasil até 2035; o que isso significa?

23 de maio de 2022
Giacomo Vicenzo
5 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustração | Pixabay

Abrir a torneira e ter um copo de água potável em mãos é um hábito simples e comum a muitas pessoas. Mas por trás de toda água que bebemos ou que consumimos indiretamente por meio da agricultura e de outras atividades há um ecossistema que, se não for sustentável, coloca a segurança hídrica em risco.

Um levantamento feito pelo Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) revela que até 2035 cerca de 74 milhões de brasileiros estarão sob algum grau de insegurança hídrica. Isso quer dizer que o acesso à água de qualidade, considerado um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU), estará comprometido.

A legislação brasileira trata o recurso como um bem de domínio público. Em contrapartida, projetos de lei, a poluição e os desastres naturais colocam em risco a segurança hídrica e podem afetar sistemicamente o acesso à água nos próximos anos, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.

Para entender o que é segurança hídrica e a importância de se pensar no direito à água por essa perspectiva, Ecoa reúne informações e dados de pesquisadores do tema a seguir.

O que é segurança hídrica?

Segundo a Organização das Nações Unidas, a segurança hídrica está relacionada à capacidade de uma população de salvaguardar o acesso sustentável a quantidades adequadas de água de qualidade aceitável para sustentar a subsistência, o bem-estar e o desenvolvimento socioeconômico.

“Assim se garante a proteção contra a poluição e desastres relacionados à água, e se preservam os ecossistemas. Essa definição foi incorporada pela Agência Nacional das Águas (ANA) e deveria ser usada, portanto, na gestão dos recursos hídricos no Brasil”, explica Sidinei Magela Thomaz, coordenador do grupo de trabalho (GT) de Conservação e Políticas Públicas de Águas Continentais da Associação Brasileira de Limnologia.

Essa garantia do acesso à água também ajuda a prevenir desastres naturais e doenças. “A segurança hídrica está relacionada à prevenção de doenças (como giardíase e amebíase) e desastres ambientais (como secas e enchentes) relacionados à água, bem como a conservação dos ecossistemas aquáticos continentais”, explica Danielle Petsch, bióloga e professora da Universidade Estadual de Maringá (PR) e membro da Associação Brasileira de Limnologia.

O que coloca uma região ou pessoas em risco de segurança hídrica?

A falta de acesso à água para necessidades básicas evidencia que uma pessoa está com a segurança hídrica comprometida. No entanto, quando esse olhar se volta para uma localidade, essa análise pode ser mais abrangente.

“Em se tratando de cidades, estados e países, a segurança deve ser compreendida de forma mais ampla. Nesse caso, a segurança hídrica é comprometida quando o setor produtivo, tanto no campo quanto na cidade, não encontra água em quantidade e qualidade, ou ainda quando os recursos hídricos se encontram limitados ou poluídos, a ponto de comprometer a conservação da biodiversidade e do funcionamento dos ecossistemas”, explica Thomaz.

De acordo com o pesquisador, os principais riscos atuais sobre segurança hídrica no Brasi relacionam-se a poluição, enchentes e escassez hídrica, o que levanta a necessidade de leis e ações que contemplem a recuperação desse ecossistema.

“Há escassez especialmente no Nordeste, mas se expandindo rapidamente para outras regiões. Esse e outros eventos catastróficos, como as enchentes, devem se agravar com o atual cenário de mudanças climáticas, fazendo necessária a intervenção de leis que contemplem o uso sustentável dos recursos hídricos, sua conservação e recuperação”, aponta Thomaz.

Água como mercadoria pode comprometer segurança hídrica

No campo legislativo, essa precaução com a segurança pode estar em risco. De acordo com Thomaz, o Projeto de Lei 4546/2021 deve agravar a situação de escassez de água, uma vez que legaliza o seu uso como mercadoria.

“Esse PL institui a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, dispõe sobre a organização da exploração e da prestação dos serviços hídricos, propondo alterações das leis 9433/97 e 9984/2000. A lei relaciona-se diretamente aos usos da água, que, se forem feitos de forma não sustentável, trazem consequências nefastas para a conservação e a utilização dos recursos hídricos, assim como de seus benefícios ambientais e sociais”, aponta Thomaz.

O PL permite a privatização e a comercialização da água retirada diretamente da natureza. A prática contraria a legislação brasileira e internacional sobre a utilização das águas e dos ecossistemas aquáticos, que entende esses recursos como um bem comum de todos os seres humanos.

“É importante ressaltar que esse PL institucionaliza a cobrança pelo uso da água, indo contra a premissa de que a água é um bem de todos. Isso pode limitar o uso democrático desse importante recurso”, acredita o coordenador do GT de Conservação e Políticas Públicas de Águas Continentais.

“Como sempre, os riscos não são compartilhados igualmente por todos os cidadãos: a população mais pobre é a que mais sofre nas cidades com a poluição e com as enchentes, enquanto os pequenos agricultores sofrem com a falta de água no campo”, completa.

Água é ‘produzida’ pela natureza e precisa ter ciclo conservado

Pensar na água não como uma mercadoria, mas sim como um bem comum e que provém de recursos naturais, é um caminho para garantir a segurança hídrica, sobretudo de municípios com menos infraestrutura.

“A produção de água não é feita na estação de tratamento, acontece integrada a um ciclo biogeoquímico, que depende da preservação da bacia com sua vegetação natural e livre de lançamento de resíduos e efluentes”, pontua Vivian Cionek, bióloga e pós-doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí (SC).

“A infraestrutura ‘cinza’ é importante para a entrega de água de qualidade para a população, mas custa caro e suplanta a capacidade técnica e financeira de muitos municípios em nosso país. Por isso, não é entregue na maioria deles”, completa.

Para Cionek, é preciso pensar em uma Proposta de Lei que contemple caminhos que já existem na natureza e conversem com o ecossistema para realmente garantir a segurança hídrica.

“Em pleno 2022, com a extensa quantidade de conhecimento que produzimos em nosso país, não há espaço para uma Proposta de Lei que não considere soluções efetivas, de longo prazo e ‘entregues pela natureza’, para garantia de segurança hídrica”, acredita a bióloga.

Fonte: UOL

    Você viu?

    Ir para o topo