A Amazônia está em chamas. Dados históricos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revelam que a média de focos de queimadas alcançou, nos cinco primeiros dias de setembro, a maior média diária de fogo desde o início das medições do órgão federal, em 1998.
De 1º a 5 de setembro, a floresta registrou 14.839 focos, o que dá uma incrível média de 2.968 focos por dia, ou dois novos a cada minuto.
Até então, levando em conta um mês inteiro, setembro de 2007 foi o recorde de queimadas registradas da Amazônia, com 73.141 focos, que dá uma média de 2.438 por dia —ou seja, 20% a menos que a taxa atual.
As queimadas na Amazônia explodiram na segunda quinzena de agosto e fizeram o mês passado fechar com o maior número de focos para um mês de agosto desde 2010: foram 33 mil focos, o maior número até agora durante a era Jair Bolsonaro (PL).
No último domingo, a Amazônia viveu seu pior dia de queimadas desde 2007, quando foram registrados 3.393 focos de calor pelo Inpe.
Como explicaram especialistas à coluna na terça-feira passada, dois fatores parecem ser primordiais para explicar o ciclo de fogo na Amazônia: o temor que o presidente Jair Bolsonaro não seja reeleito, e o novo presidente retome medidas de proteção da floresta; e a forte seca que Amazônia vive, que faz com que o fogo se alastre mais facilmente.
Queimadas puxadas pelo desmatamento
As queimadas na Amazônia são sempre ocasionadas pelo homem e fazem parte de um processo de limpeza da área. Ou seja: elas precedem o desmatamento como uma forma de destruir restos orgânicos e preparar o terreno para virar pastagem.
“O que a gente está vendo agora queimando é aquilo que já foi desmatado”, assegura Juan Doblas, pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e doutorando do Inpe em detecção de desmatamento por radar.
“E por que estão queimando agora? Porque daqui a pouco começa a chover e não vai dar para queimar o que foi derrubado. Teria de esperar o ano que vem, que poderá estar em cenário político diferente”, completa.
Segundo ele, o impacto dessas queimadas se dá em vários níveis. “Afeta a saúde pública nas diversas cidades da Amazônia, onde o nível de hospitalizações por doenças respiratórias é gigantesco —e isso deve se prolongar.”
O maior receio é saber como a floresta vai se comportar, não só pelo pico de queimadas, mas por toda a degradação e o desmatamento que vêm junto com ela.
“Os níveis de desmatamento estão crescendo de forma gigantesca, e a gente se pergunta: a floresta já passou do ponto de não retorno? Estamos falando de uma Amazônia extremamente enfraquecida e as consequências podem ser irreversíveis”, afirma.
“A Amazônia está em processo de degradação, e muitos falam que ela vai se recuperar. Mas, mesmo que as fiscalizações e medidas de proteção voltem, ainda é possível que não consiga voltar ao que era. Estamos falando de um bioma que está em seu limite.”
Clima está mudando e piorando
O problema atual é que não há apenas queimada e desmatamento. Também já há influência das mudanças climáticas na floresta, com eventos extremos e que têm aumentado a temperatura e diminuído a quantidade de chuvas na Amazônia.
“A magnitude de perda e degradação da floresta levam a Amazônia a um ponto de inflexão. Isso prejudica o processo de reciclagem das chuvas, que reabastece o suprimento de água. O resultado é que a Amazônia já começou a sofrer secas”, afirma o meteorologista Humberto Barbosa, que também é coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Hoje, ele afirma que o bioma está sofrendo uma sistema climático que favorece a seca. “A região seca da Amazônia está exatamente afetada pela falta de chuva provocada pela zona de convergência intertropical, que agora está mais afastada da linha do Equador, o que faz chegar ainda menos umidade do que se espera para o período”, explica.
Agosto e setembro são os meses mais secos do ano na Amazônia, por isso historicamente concentram o maior número de queimadas.
Barbosa explica que isso deve continuar durante todo o início de outubro e que essa tendência de períodos secos tem tomado conta do país nos últimos anos.
“O que temos visto nos últimos três anos é um ciclo: em 2020, o sul da Amazônia ficou muito seco; em 2021 foi o Pantanal; e neste ano, e a Amazônia quase inteira que está mais afetada para essa época do humana. Vemos claramente a mão humana muito presente, que faz essas mudanças nas condições climáticas serem muito rápidas”, pontua.
Com isso, diz, menos árvores diminuem o processo de evapotranspiração, o que torna comum que as chuvas na Amazônia tenham ciclos diferentes daqueles que nos acostumamos a ver ao longo da história.
“Nota-se já uma presença de eventos extremos em anos consecutivos e com padrões distintos. E sistemas como o El Niño e o La Niña [que estamos vivendo neste ano] também interferem nesses ciclos hidrológicos da Amazônia.” Humberto Barbosa, da Ufal
Em julho, o pesquisador Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) e do programa de mudanças climáticas do INCT (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia), afirmou à coluna que estudos apresentados nos últimos três anos atribuíram um papel novo à degradação florestal como responsável por emissões de CO2.
“Sempre associamos a emissão com desmatamentos e queimadas. Mas, na verdade, a floresta —por causa da temperatura excessiva e da redução da precipitação— está sofrendo um processo de degradação. Ela é responsável, em algumas partes, por grandes emissões de CO2 para a atmosfera”, diz Artaxo, que também coordena o Programa Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) de Mudanças Climáticas Globais.
Ele também afirma que já há uma redução no ciclo das chuvas na Amazônia, vital para manter um ecossistema de floresta tropical vivo. “Essa é uma questão estratégica e impacta não só a Amazônia. O fluxo de vapor d’água que sai dela irriga o agronegócio no Brasil central.”
Fonte: Uol