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CONSEQUÊNCIA

Desmatamento x extinção: como a devastação da Amazônia afeta a vida animal

Entre os vertebrados, os anfíbios são os mais ameaçados pela ação humana e apresentam mais registros de extinções recentes

7 de setembro de 2022
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O garimpo, a mineração e a construção de barragens e de estradas são alguns dos problemas que contribuem para a destruição do bioma (Foto: Flickr/ Andre Deak/ CreativeCommons)

Segundo o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a Amazônia registrou o pior mês de agosto dos últimos 12 anos no que diz respeito às queimadas: foram 33.116 focos no período. O número condiz com o enfraquecimento das políticas de proteção ambiental sobre o bioma dos últimos quatro anos, período que registrou valores próximos ou superiores a 40 mil focos de queimadas entre janeiro e agosto, em contraposição aos 28 mil vistos no mesmo período nos 10 anos anteriores (2009-2018).

Como uma floresta tropical úmida, a Amazônia não conta com o fogo como parte de seu ciclo natural. Assim, as queimadas que lá ocorrem são intencionais e estão sempre associadas à degradação ambiental. Elas correspondem à última fase do desmatamento: primeiro se corta as árvores e depois se limpa o terreno colocando fogo na floresta derrubada.

Por isso os números se acompanham – desde 2019, a devastação vem batendo recordes sucessivos e chegou a 5,4 mil km² neste ano. Mais do que simples árvores fora do lugar, o desmatamento implica em uma série de eventos danosos para a vida na terra.

De acordo com Mariana Napolitano, bióloga mestre em ecologia e gerente de Ciências do WWF Brasil, o efeito é de dominó:

“Além de causar a redução e a perda do habitat, que pode levar à extinção das espécies, o desmatamento também impacta na disponibilidade de recursos que os animais precisam para sobreviver, sejam para sua alimentação, para sua moradia ou locais de reprodução. Então a degradação vai gradualmente reduzindo as populações dessas espécies em um caminho que acaba por levá-las à extinção”, diz.

As queimadas são apenas uma das razões por trás da devastação do bioma (Foto: Flickr/ raizdedois/ CreativeCommons)

Ela explica que, hoje em dia, o desmatamento é a principal causa da extinção dos animais. Um estudo do WWF Brasil mostra que grande parte das espécies amazônicas já perdeu entre 10% e 20% de sua área de ocorrência desde 1970.

Isso ocorre porque a maior parte das espécies de animais em florestas tropicais não conseguem se adaptar às novas condições, sejam elas pastagens, plantações ou áreas degradadas.

“Há muitas espécies com distribuições restritas. As grandes áreas desmatadas significam que alguns desses animais seriam levados à extinção”, afirma Philip Martin Fearnside, biólogo mestre em zoologia e doutor em ciências biológicas, além de pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Em suas palavras, o desmatamento deixa a flora restante retalhada em pequenos fragmentos – ilhas de florestas em um mar de pastagens. As populações de animais que restam vão diminuindo por diversas razões.

“Em ilhas pequenas [de floresta] pode haver indivíduos insuficientes para se manter; com dificuldades de acasalamento; de encontrar fontes de alimentação durante o ano inteiro, no caso dos que precisam se deslocar em grandes áreas para obter o alimento; e pela deterioração genética causada pelo cruzamento com parentes próximos. As ilhas também sofrem degradação pelo efeito de borda, com alteração do microclima, entrada de incêndios, mortalidade de árvores, etc.”, explica Philip.

A exploração da Amazônia não gera riqueza e distribuição de renda para as comunidades locais (Foto: Wikipedia/ Jardelsliumba/ Wikimedia Commons)

Segundo o biólogo, ao contrário do que se pode pensar, o desmatamento não ocorre por meio dos pobres que buscam se alimentar ou pelos povos indígenas – os ricos carregam a culpa.

“O desmatamento gera dinheiro não apenas pela produção agropecuária, mas também pela valorização da terra para revenda. O grosso da área desmatada se torna pastagem”, explica.

Uma das principais commodities exportadas pelo Brasil, a soja exerce uma força importante quando o assunto é degradação ambiental, embora acabe não recebendo os devidos créditos.

“Em vez de derrubar a floresta para plantar soja, muitas das novas plantações do grão estão sendo feitas em áreas de pastagem. O efeito pode ser até maior, pois os pecuaristas vendem as suas terras para plantadores de soja, por exemplo, em Mato Grosso, e, com o dinheiro, compram áreas muito maiores de floresta barata no Pará, que é desmatada para pastagens”, diz Philip.

Há 4 anos, a devastação na Amazônia vem batendo recordes sucessivos (Foto: Wikipedia/ Alonsocarriazo/ Wikimedia Commons)

Mas outras causas implicam nos números absurdos registrados pelos órgãos ambientais, como as invasões de terra pública; o garimpo em áreas indígenas; a grilagem de terras e a criação de estradas, que a viabilizam; a mineração, que submete o ambiente a vazamento de substâncias tóxicas; a implementação de barragens, que isola espécies e interrompe o fluxo gênico; e a pecuária, que serve como ferramenta no processo de grilagem e regulamentação das terras ocupadas ilegalmente.

“É importante notar que grande parte – pelo menos 1/5 – das áreas desmatadas ficaram abandonadas. Então não é um desmatamento que tem gerado riqueza e distribuição de renda para as comunidades locais, por exemplo”, diz Mariana, em congruência com as afirmações de Philip.

O que significa extinguir uma espécie

A extinção de espécies de fauna e flora é um grande perigo para a qualidade de vida, inclusive, de nós, humanos (Foto: Unsplash/ Diego Guzmán/ CreativeCommons)

De acordo com a bióloga, a extinção de parte de nossa fauna é um indicador importante da qualidade de vida dos humanos.

“Se as espécies estão morrendo, é porque os nossos rios estão mais poluídos, temos menos área verde e estamos emitindo mais carbono na atmosfera. Então significa também que as populações humanas têm os recursos que precisam para sobreviver – rios limpos, um clima estável, um ar não poluído – sendo afetados”, diz Mariana.

Além disso, a extinção é uma perda permanente – ou seja, mesmo que os habitats sejam reestruturados, aquele grupo não voltará a ocupá-lo. E um fator importante que acaba sendo esquecido é que estas espécies têm o direito de viver, tanto quanto nós.

“Independentemente de elas terem ou não uma função para o ser humano, estas espécies deveriam continuar tendo o direito de existir”, defende a especialista.

Bichos que não existem mais ou ameaçam deixar de existir

Como os demais números a seu respeito, a quantidade de espécies extintas na Amazônia e no Brasil não é boa. Entre os vertebrados, os anfíbios são os mais ameaçados pela ação humana e apresentam mais registros de extinções recentes.

Estes números podem, inclusive, ser bem maiores do que o registrado. Mariana explica:

“Falar que uma espécie está extinta é muito difícil, porque, antes de verificarmos de fato que a espécie sumiu, ela pode passar anos tendo uma população bem pequenininha e que não é detectada pelo homem. Então, normalmente, uma espécie nessa condição é classificada como ‘criticamente ameaçada de extinção’. E, só depois de um esforço maior, caso ela não seja encontrada, ela é considerada extinta.”

1.249 espécies de animais brasileiros estão ameaçados de extinção atualmente (Foto: Unsplash/ Jaime Dantas/ CreativeCommons)

Esse é o caso da perereca Boana cymbalum, que ficou na categoria de criticamente ameaçada desde 2004 e foi considerada extinta na última lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), publicada em 2022.

Segundo o órgão, hoje há 1.249 espécies de animais brasileiros ameaçados de extinção, sendo os peixes continentais o grupo de maior alerta. Contudo, ainda no último relatório, 482 espécies foram consideradas ter dados insuficientes – ou seja, não há informação disponível para aferir o risco de extinção de acordo com o critério estabelecido. Isso infere que o número pode ser maior.

A grande parte das espécies ameaçadas se encontra em regiões de biomas extremamente alterados, como a Mata Atlântica e o Cerrado. Na Amazônia, o risco de extinção ocorre justamente nas áreas sob pressão do agronegócio e do garimpo.

E, de forma geral, já se tem animais extintos na conta. “A lista atual de espécies continentais ameaçadas conta com 10 espécies extintas. Segundo o UICN, são 29 animais extintos na América do Sul”, completa Mariana.

Reconheça a importância da Amazônia

A Amazônia guarda outros papéis importantes além de ser casa para milhares de espécies de animais e plantas. Segundo Philip, ela também tem um papel vital na “reciclagem da água”.

“Uma parte da água é transportada para São Paulo pelos ventos conhecidos como ‘rios voadores’ e é essencial para manter uma cidade daquele tamanho naquele lugar”, alerta o biólogo.

Além disso, a floresta tropical é um importante regulador de CO2 do mundo. Segundo um relatório recente do Painel Científico para a Amazônia, o bioma é um baluarte vital contra as mudanças climáticas pelo carbono que absorve e armazena. O seu solo e a sua vegetação guardam 200 bilhões de toneladas de carbono, mais de cinco vezes todas as emissões anuais de CO2 do mundo.

Ainda é tempo de estancar o desmatamento e salvar as espécies ameaçadas de extinção (Foto: Wikipedia/ Jason Auch/ Wikimedia Commons)

Destruir ecossistemas naturais também pode levar ao desequilíbrio entre populações e à facilitação de aparecimento de doenças, que podem, inclusive, transformar-se em novas pandemias.

Ademais, segundo um relatório da USAID e EcoHealth Alliance, desde 1940 o desmatamento figura entre os principais fatores que favorecem a transmissão de doenças de origem zoonótica – transmitidas de animais para seres humanos.

Por outro lado, quando protegida, a Amazônia é uma importante fonte de recursos e insumos para combater doenças e proteger a nós mesmos.

“Quando perdemos espécies, perdemos também recursos importantes que poderíamos, de uma forma sustentável, explorar. Seja para alimentação, para cosméticos ou para medicamentos. Muitas das coisas que consumimos e usamos vêm de espécies da nossa flora e fauna. E, muitas vezes, perdemos esses recursos sem mesmo conhecer o seu potencial”, diz Mariana.

Ainda há solução para o problema?

A Amazônia absorve e armazena CO2 em um nível 5 vezes maior que o emitido anualmente (Foto: Wikipedia/ Corey Spruit/ Wikimedia Commons)

Quando o assunto é desmatamento, pode-se entrar em um espiral de desespero frente à irreversibilidade da situação. Mas, segundo os especialistas, ainda é possível salvar o bioma e nossos animais.

A primeira coisa a ser feita é estancar a degradação a partir da implementação de políticas públicas estruturantes, fiscalização da exploração da terra, compromisso do setor privado com toda a produção e cobrança por uma maior transparência sobre os recursos adquiridos. Mas Mariana elenca outras possíveis mudanças:

“Precisamos fazer uma melhor gestão dos nossos recursos hídricos, trabalhar a questão da sustentabilidade da produção dos nossos alimentos e buscar fontes renováveis e alternativas de geração de energia. Além disso, evitar uma questão muito importante e que leva também à extinção de espécies, que é o aquecimento global mais pronunciado do que já vivemos hoje em dia.”

Fonte: Revista casa e jardim

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