EnglishEspañolPortuguês

Direitos animais no espectro político: Parte 1 – Uma causa de esquerda?

20 de abril de 2018
68 min. de leitura
A-
A+

O presente texto traz uma reflexão sobre o posicionamento que o vegano, o defensor dos direitos animais, deve possuir em relação a temas políticos, especificamente no que diz respeito ao embate entre posicionamentos dentro do espectro político, aos modelos de mercado e ideologias alheias aos direitos animais.
Trata-se de prática corrente forçar a associação e conformidade de ideologias distintas como se fizessem parte de uma mesma estrutura de pensamento. Esse atrelamento artificial quanto muito corresponde às expectativas de um grupo e não pode ser generalizado, com risco de prejuízo a uma ou mais ideologias. O veganismo e o movimento de direitos animais têm sido permeados e infiltrados de ideologias políticas que tentam aí impor uma agenda oculta e interesses escusos.
Repetidamente confiro a existência de alegações e textos de militantes políticos que defendem a linha de que o movimento de direitos animais é um movimento “de esquerda”; alegam que é contraditório e incoerente que uma pessoa se diga vegana e ao mesmo tempo não veja problema em defender o capitalismo; que veganos possam “se preocupar com os animais mas não com as pessoas”, e outras falácias lógicas nessa linha.
Antes de qualquer coisa já adianto que não tenho formação em economia, ciências políticas ou sociologia, e para escrever o presente texto tampouco vejo necessidade para tal. Geralmente os críticos do sistema econômico, os “anti-capitalistas” e os militantes “de esquerda”, tampouco dispõe de formação adequada para tal, e mesmo quando dispõe, é flagrante e evidente em sua prosopopeia a falta de fundamentação para suas afirmações. Apenas apontar o dedo para um problema, mas não apontar nenhuma solução minimamente viável é falta de honestidade intelectual.
Em qualquer discussão que entro meu argumento é inteiramente realizado com base na lógica, na argumentação, na prova, na reflexão e na inferência. O ser humano não necessita ter uma formação específica para poder usar de tais recursos, basta conhecer os fatos e argumentar com base neles. Com isso espero deixar claro que as frequentes “carteiradas” que recebo de “militantes” e “ativistas” de direitos animais “de esquerda” com formação nas áreas humanas, quando do debate, não fazem sentido.
De forma paralela, a rejeição a qualquer sistema de crenças religiosas não demanda uma formação específica em teologia, ou um profundo conhecimento das escrituras, cânones e tratados religiosos dessa religião, nem conhecer as diferenças entre as mil seitas que derivaram desse pensamento, nem a adesão ao grupo por qualquer tempo que seja. Podemos rejeitar todo um sistema de crenças mesmo sabendo muito pouco sobre o mesmo, bastando que alguns elementos e pressupostos para sua aceitação nos pareçam incorretos.
Ainda assim, posso afirmar que, mesmo não havendo esta necessidade, destrinchei algumas obras de Marx e Engels, de Charles Fourier, Proudhon, Bakunin, e em meus debates frequentemente uso destas passagens para desconstruir o pensamento de meus debatedores, eles mesmos desconhecedores do que escreveram os autores que defendem. Faço o mesmo com a Bíblia como resposta ao proselitismo missionário, mas na verdade este conhecimento seria dispensável, pois ambas as doutrinas podem ser descartadas pelo mero uso da lógica.
Ainda que a “esquerda” encontre abrigo no âmago de comunidades acadêmicas até respeitadas, isso não torna seus pressupostos e conjunto ideológico mais verdadeiros ou realistas. A maioria das religiões também encontram grupos de estudo e até cursos inteiros em universidades, o que não as torna necessariamente verdadeiras.
A própria exploração animal, e suas vertentes bem-estaristas, estão fundamentadas epistemologicamente sob títulos como “Zootecnia”, “Bovinocultura”, “Avicultura”, “Ciência do Bem-Estar Animal”, “Ciência de Animais de Laboratório” e por ai vai. Isso não as torna mais nobres em suas ações, mais éticas, nem menos prejudiciais para os animais.
No presente conjunto de textos demonstrarei não apenas que o veganismo e a teoria dos direitos animais são compatíveis com um sistema de economia de mercado, como também que o conceito de que os direitos animais são uma idéia “de esquerda” é falsa. Com esse texto não pretendo dizer que veganos não podem ser “de esquerda”, mas tão somente que tal associação é um enorme erro conceitual e que a orientação política dentro desse espectro político esquerda-direita não guarda NENHUMA relação com o veganismo e com os direitos animais.
Esquerda ou direita
A dicotomia entre esquerda e direita dentro de um espectro político não faz sentido.
No antigo parlamento francês, durante a Revolução Francesa (1789), jacobinos se sentavam à esquerda no salão da Assembléia Nacional, girondinos passaram a se sentar na direita. Os jacobinos pregavam a necessidade de uma revolução radical, com uso de terror e violência, a abolição da nobreza e do clero, nem que fosse pelo extermínio, e a necessidade de criação de um regime centralizador, uma ditadura que pudesse se perpetuar no poder indefinidamente. Os girondinos, por outro lado, pregavam que a revolução deveria ser liberal. Pregavam que a nobreza e o clero deveriam perder seus privilégios (mas não serem mortos ou necessariamente expulsos) e que todos os cidadãos deveriam estar submetidos às mesmas leis (Princípio da Igualdade).
Esse Apartheid dentro do parlamento francês sempre foi contestado pelos políticos que se sentavam à direita, por entenderem que a função dos homens públicos deveria ser atender aos interesses gerais da população, e não aos interesses partidários. Na sua opinião, não deveria haver a divisão entre esquerda e direita, e todos deveriam se sentar espalhados pelo parlamento.
Com o tempo o termo “esquerda política” passou a designar uma série de movimentos opostos aos sistemas vigentes, mormente monarquistas, culminando com “Revoluções Proletárias”, que substituíram os antigos monarcas, que diziam governar pela vontade de Deus, por uma nova classe de governantes, que diziam governar pela vontade do povo.
Essa nova classe de governantes “de esquerda”, tão absolutista e representativa da vontade do povo quanto a anterior, passou a gozar os privilégios outrora pertencentes à nobreza e ao clero, de forma vitalícia e frequentemente hereditária.
No século XX praticamente já não existiam monarquias absolutistas nominais, mas estes regimes continuavam se perpetuando em países como a URSS, China, Cuba, Coréia do Norte, Síria, Iraque . . . apenas que eles se autodenominavam Repúblicas, Repúblicas Socialistas, Repúblicas Democráticas, etc.
A antiga aristocracia, criticada pela esquerda de outrora e muitas vezes escorraçada de seus postos, foi substituída por uma nova elite constituída de “revolucionários” ligados ao único “Partido” permitido, com um novo discurso estereotipado. Dizia representar o povo, dizia trazer a liberdade e a igualdade. Na prática, porém, essa nova classe estava tão distante do povo quanto a antiga aristrocracia. O povo propriamente dito continuava em situação tão difícil ou até pior, sofrendo limitações econômicas e maior opressão política, cultural e ideológica. O restante é história do século XIX e XX.
O filósofo político Edmund Burke certa vez disse que aqueles que não conhecem a história estão fadados a repetí-la. Para mim soa absurdo, e até bastante patético, que tantos militantes “de esquerda”, mesmo reconhecendo o desastre causado por todas as tentativas de implantação desta teoria na prática, ainda defendam que a “Revolução” possa ser positiva, que “desta vez será diferente”. Sim, a história se repete, e mesmo o pacóvio do Karl Marx reconheceu isso, quando disse “ A história se repete, da primeira vez como tragédia, da segunda como farsa”.
Vivemos hoje um período de intensas críticas à imprensa mainstream, e tais críticas muitas vezes procedem. Isso, porém, não valida as Fake News criadas pelos tablóides, sites e blogs “de esquerda”, nem todas as besteiras que os militantes “de esquerda” circulam no Facebook. Qualquer ser humano com um mínimo de educação e algum senso crítico descarta de pronto estas noticias, evidentemente não fundamentadas na realidade.
Mas como disse Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler na Alemanha nazista: “Uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. O material atualmente disponível na internet promovendo falsidades que relacionam “a esquerda” aos direitos humanos, à igualdade entre seres humanos, ou relativizando a calamidade das “Revoluções Socialistas” é muito abundante, e seus militantes não tem pudor em replicá-lo, mesmo sendo evidentemente pérfido, pois que mesmo evidentemente mentiroso, ele promove a realidade alternativa que estes indivíduos pretendem viver.
A ex-“presidenta” Dilma Rousseff, sempre genial em tudo o que fez e disse, colocou a ideia nos seguintes termos “Nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”. Outros socialistas como Stalin, Lenin, Hitler, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Muamar Khadafi e tantos outros jamais tiveram crise de consciência por lançarem mão de informações falsas para atingir seus objetivos.
Contra a doutrinação ideológica não há fatos que vençam, isto é algo que venho aprendendo com o tempo. Também sou consciente de que as discussões com pessoas de esquerda sempre redundarão em repetições de clichês, chavões, lugares comuns e frases prontas.
A tendência para mim hoje, quando escuto de veganos jargões vagos e frequentes utilizados pela “esquerda”, é pensar o quanto nossa causa está infelizmente infiltrada e permeada deste pensamento tosco e débil, tão pouco fundamentado. Claro, veganos podem ser o que quiserem, até nazistas e socialistas, mas que desperdício de uma boa causa . . .
Direitos animais no espectro político: Parte 2 – Acepções
No imaginário coletivo da militância de esquerda, ser “de esquerda” é defender maior igualdade social, se preocupar com os direitos humanos, com os vulneráveis, com os injustiçados, com as minorias, com o meio ambiente, etc. Ser de direita, por outro lado, é promover a exploração de outras classes sociais, preconceitos, injustiças, punir desproporcionalmente pessoas que não se adequam ao sistema, etc.
Fosse essa definição espúria fidedigna, faria sentido que se associassem os direitos animais com uma causa de “esquerda”. Não obstante, são os próprios fatos e a história que testificam ser essa uma afirmação enviesada. Primeiramente, falta uma definição precisa do que seja “esquerda” e quais movimentos e personagens de fato pertencem ou são representativos deste movimento.
No Brasil, assim como em outras partes do mundo, “esquerda” muitas vezes foi utilizado como sinônimo de “oposição”. Mas se esta é uma boa definição para a “esquerda”, como chama-la após ela ascender ao poder, seja por eleição ou por meio de golpes? Não é comum que após a ascensão da esquerda seus opositores restem vivos ou em liberdade, mas supondo que isto hipoteticamente aconteça, de que forma denomina-los? Serão eles, por serem oposição, a “Nova Esquerda”?
Certamente ser da oposição é uma péssima definição para ser “de esquerda”, mas esta é uma definição tão boa quanto a definição auto-atribuida por muitos partidários esquerdistas, que vai pela linha do humanista benfeitor, igualitarista bonzinho e livre de preconceitos.
Em uma definição menos distorcida da realidade, podemos definir como sendo “de esquerda” a ideia que prega o maior controle estatal da economia e a interferência ativa do governo em outros setores da vida privada. Para a construção desta sociedade, perfeita e idealizada na visão de alguns (utópica), a sociedade atual necessita ser destruída, não apenas em seu sistema social, mas também em sua ordem moral, cultural, patriótica ou religiosa. Até o uso da violência se justifica para atingir tal meta.
Assim, fica mais fácil entender porque que quando a “esquerda” não se encontra no poder ela se opõe ao Estado, dizendo-se anarquista e horizontalista, se opõe ao poder de polícia, se opõe à punição de criminosos comuns e promove um discurso afirmativo de igualdade. Mas quando esta assume o poder ela concentra o poder nas mãos de alguns, maximiza o poder do Estado, comete abusos com seu poder de polícia, criminaliza coisas que não seriam consideradas crime em uma sociedade livre e despreza as minorias.
A dicotomia esquerda-direita é irrelevante paras 99% das pessoas que não se consideram de “esquerda”, muitas delas rejeitando o rótulo de serem “de direita”. Nas palavras de João Pedro Pires, “a principal oposição ao comunismo não é a tal da direita, mas sim o conhecimento”.
Se estes autodenominados estudantes de fato estudassem, e se estes autodominados intelectuais de fato pensassem, não apelariam para falácias lógicas para que seu ponto de vista prevalecesse. O veganismo e os direitos animais não seriam confundidos com o espectro político de cada pessoa e todo este texto seria desnecessário. Porém, embora reducionista e vazia, para efeitos de manutenção do raciocínio, aceitaremos por hora a nomenclatura adotada pelos “esquerdistas”, de qualificar formas de pensamento distintas da sua como sendo de “direita”.
“De direita”, assim, são as ideias que favorecem a liberdade de mercado, defendem os direitos individuais e os poderes sociais, com mínima intervenção do Estado. Pessoas que os partidários “da esquerda” qualificam como “de direita” são favoráveis à existência da instituição da Polícia, mas abominam o autoritarismo, acreditam que os crimes são em sua maior parte cometidos por desvios de caráter e pela certeza de impunidade, são a favor dos valores da civilização ocidental, podendo ou não ser religiosos.
Para estas pessoas, o lucro não é algo sujo e repreensivo, mas a recompensa pelo trabalho, seja próprio, seja de terceiros contratados e pagos. Também acreditam que os lucros podem advir dos riscos assumidos nas atividades econômicas. Acreditam que a liberdade é importante, mas não um fim em si mesma e que a liberdade de um termina aonde começa a do outro. Acima de tudo, são pessoas mais abertas ao pluralismo de idéias.
Valores religiosos conservadores e o patriotismo geralmente são classificados “pela esquerda” como ideais de “direita”, embora muitas vezes pessoas acusadas de terem ideias “de direita” não sejam conservadoras, religiosas ou patriotas. De toda forma, na maioria dos regimes considerados “de direita” prevalecem as ideias de que o Estado e a Igreja não devem interferir na vida e nas relações pessoais e há liberdade para a criação de sociedades e a livre associação, o que é obviamente importante para a defesa dos direitos animais e do meio ambiente.
Vemos, já aqui, que o conceito “de esquerda”, centralizando tudo na mão do Estado, dos governantes, alegando que os meios de produção encontram-se na mão do povo, mas reduzindo sua participação à condição de mero adjuvante ou até vassalos, em muitos casos, se aproxima mais do antigo conceito de monarquia absolutista do que o conceito que eles acusam ser “de direita”, onde se valoriza a livre iniciativa e onde o povo tem participação política e econômicas de fato.
A doutrinação “de esquerda” se apega, até hoje, a uma suposta igualdade criada por suas políticas, o que não se reflete na realidade. Se todos os cidadãos gozam as mesmas condições isso apenas ocorre porque as condições a que todos os cidadãos são submetidos são bastante precárias, inferiores às gozadas pelos menos favorecidos do sistema ao qual eles se opõem. Ainda assim, a igualdade não existe, visto que a classe governante e seus favorecidos gozam benefícios não disponíveis aos demais.
E se é inerente à esquerda a defesa dos direitos das mulheres, dos homossexuais e das minorias étnicas, então como explicar que homossexuais eram internados na URSS, enviados para campos de trabalho forçado e gulags, pelo tempo que durou o regime? Como explicar que todos os códigos penais soviéticos qualificavam a prática do homossexualismo como crime? Como explicar que Cuba perseguiu homossexuais durante as décadas de 1960 e 1970? Por que que em nenhuma dessas republicas socialistas as mulheres chegaram sequer perto de atingir a igualdade de gênero?
Quando removemos o controle estatal da mídia, mediante o uso da internet, por exemplo, vemos que por debaixo da propaganda desses regimes subsiste a desigualdade de gênero, o racismo e questões referentes aos direitos de pessoas com outras orientações sexuais tão ou mais graves que os ocorridos fora desses sistemas. E em países onde sequer seres humanos possuem direitos básicos, o que dizer do respeito aos direitos animais?
A “esquerda” não fez a URSS ou Cuba menos racistas. Como os EUA e a Alemanha, a URSS apostou na eugenia na década de 1920. A URSS, durante toda a sua existência, teve de lidar com grande diversidade étnica, algumas das quais qualificadas como “elementos socialmente perigosos”, “contra-revolucionários”, “nacionalistas”, “estrangeiros”, “traidores”, “parasitas”, etc. Essas pessoas eram transferidas em massa para regiões distantes e desabitadas, e submetidas a trabalhos forçados. As principais vítimas eram judeus, pessoas da Ásia central, caucasianos. Até hoje é comum que russos se refiram aos caucasianos como “negros”, em atitude de preconceito contra ambos os grupos.
As pessoas “de esquerda” não tem problemas em criticarem o que eles chamam de “eurocentrismo” ao mesmo tempo que vestem camisetas e boininhas que os identificam com Che Guevara, mas sabem eles que seu herói não era politicamente correto como eles querem que todos sejam? Sabem eles que Che considerava os negros indolentes e preguiçosos, enquanto que considerava os europeus inteligentes e organizados? Sabem que ele dizia que faria pelos negros o mesmo que eles fizeram pela Revolução, que ele considerava ser nada? Sabem eles que ele considerava os congoleses incapazes de manusear metralhadoras, que considerava que eles não sabiam nem queriam aprender? Sabem eles que Che chamava os mexicanos de índios analfabetos? Sabem eles que seu herói certa vez disse que odeia “maricas”, talvez até mais do que odeia negros e índios?
A “Revolução” cubana e o alto grau de mestiçagem da população da ilha jamais impediram que o racismo contra negros continuasse a prevalecer, sendo que mesmo atualmente, 6 décadas após a Revolução eles ainda possuem menores chances de emprego e não ocupam cargos no governo.
Vemos que cubanos, venezuelanos e outros povos submetidos a regimes “de esquerda não são menos racistas, machistas, ou homófobos do que seus pares em outros países. Nem as oportunidades são iguais para todos os gêneros, raças e orientações sexuais como prega a propaganda. A igualdade socialista está apenas no discurso.
Ademais, quando estudamos a repressão política na União Soviética: O terror vermelho, o genocídio, a limpeza étnica, a transferência de populações, o holodomor, os estupros em massa . . . fica difícil associar o socialismo com os direitos humanos. Mais forçado ainda é tentar associar a “esquerda” com os direitos animais, se nem os direitos humanos eles de fato respeitam.
Ora, socialistas, para além dos discursos vazios, não estão mais próximos de traduzirem na prática o discurso pela igualdade de gêneros, orientações sexuais, raças, religiões, tampouco estão mais perto de reconhecerem, na teoria ou na prática, os direitos animais.
Muitos dirão que a URSS, China, Coréia do Norte, Cuba, Venezuela, etc não são representações do socialismo verdadeiro, mas “deturpações capitalistas das ideias de Marx” (a constante eterna do socialismo, culpar o outro). Na verdade estes países não deturparam as ideias de Marx, que bem disse que para o advento do verdadeiro socialismo ter-se-ia que exterminar povos e nações inteiras. Stálin, Lenin, Mao, Kim Il Sung, Pol Pot, Hafez e Bashar el Assad, Ho Chi Minh, Tito da Iugoslávia, Mengistu Haram, . . . eles não deturparam Marx, eles o seguiram como a um profeta.
Sim, Marx, que considerava patrões exploradores, possuía uma empregada pessoal, a quem não remunerava (uma escrava, portanto). A Lenchen Helena Demuth não apenas fazia serviços domésticos para a família de Marx, mas também tinha de se deitar com ele. Teve um filho, Henry Frederich Demuth, nascido em 1851. Marx não permitia visitas da criança à sua mãe e pediu que o amigo Friedrich Engels assumisse sua paternidade. Com o tempo a criança foi dada em adoção e cresceu pobre no leste de Londres.
Para além destas falhas graves em seu caráter, para alguém que escrevia basicamente sobre trabalho, Marx trabalhou muito pouco. Vivia basicamente do dinheiro que recebia da família de sua esposa Jenny (von Westphalen), de Engels e de outros colaboradores. Todas as suas observações sobre as condições de trabalhadores em fabricas advieram de relatórios elaborados por outros, pois o próprio Marx provavelmente jamais entrara em uma.
Marx, Engels e todos esses demais camaradas teriam visto, no melhor dos casos, a luta pelos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos animais e do meio ambiente como pautas pequeno burguesas e não do proletariado. Quem deturpou Marx não foram os socialistas de estado, mas a nova geração que se identifica como de “esquerda-marxista” mas nunca leu Marx. Aprendeu história pelo que dizia o professor marxista de história que apenas estava lá para doutrina-los
Ironicamente, os países que os grupos “de esquerda” mais demonizam, mormente EUA e Israel, são os que estão mais à frente no reconhecimento de todos esses direitos reivindicados pela “esquerda”.
Claro que para grande parte dos militantes “de esquerda”, sofredores do Efeito de Dunning-Kruger, apegados aos reducionismos ambiciosos e pouco afeitos a fatos históricos e casos reais, todos os argumentos lógicos podem ser desqualificados mediante falácia argumentum ad hominem, do tipo acusar o oponente de reacionário (ou “reaça”, como preferem), “coxinha”, fascista, classista, racista, machista, homofóbico, misantropista, opressor, analfabeto político ou outros jargões característicos. Assim o fazendo, fogem ao debate de alto nível.
Uma pena para os direitos animais que tenha sido tomado por esta onda.
Direitos animais no espectro político: Parte 3 – Alinhamentos políticos
Estes dias assistia eu a uma palestra de uma figura aguerrida, defensora de seus valores, que lançava mão de todos os subterfúgios históricos para fazer predominar seu pensamento. Havia muita fraude e manipulação misturada aos fatos, mas isto neste momento é secundário.
De certa feita, o palestrante se referiu a um cidadão X, “pessoa boa, de esquerda”. Em outro momento se referiu ao cidadão Y, que “apesar de ser de direita, por incrível que parecia, era uma pessoa boa”.
Me pergunto: Faz sentido adotar essa postura rasa e maniqueísta, de criticar “a direita” e exaltar “a esquerda”, como se um lado fosse o bom da força e o outro o lado ruim? E se assim o fosse, qual seria realmente o lado bom? Quando lanço esta pergunta para meus colegas da esquerda estes citam Hitler e Mussolini como sendo de direita (o que não é verdade), e relativizam quando digo que Stalin, Lenin, Mao, Kim, Pol Pot etc eram todos de esquerda.
É uma discussão que não tem fim, porque fatos históricos são pouco relevantes frente a algumas ideologias. Mas vejamos quem, na história, se alinhou a qual ideário político:
Mussolini, criador do fascismo, é sempre citado pela “esquerda” como exemplo de “extrema-direita”, mas o fascismo prega o controle estatal da economia e a interferência ativa do governo em todos os setores da vida social. O Duce foi socialista até os 30 anos de idade, quando rompeu com o partido por razões pessoais, mas seus ideais e sua forma de atuação se alinhavam, em muito, com o dos Socialistas de Estado.
Hitler, aliado político de Mussolini, igualmente tinha um estilo, organização, métodos, filosofia política e apelo social que muito se assemelhava aos da URSS, e se dizia mesmo socialista (Nazi vem de Nationalsozialismus – nacional-socialismo). Hitler apenas se opunha ao comunismo porque o associava a Karl Marx. Hitler não podia ser marxista porque Marx era judeu e o marxismo era, em sua mente predisposta às teoria conspiratória, nada mais do que mais uma das criações judaicas para dominar o mundo.
O Pacto Molotov-Ribbentrop (1939) e o Acordo Comercial Germano-Soviético (1940) não eram apenas um pacto de não-agressão e um acordo comercial entre países rivais, mas uma aliança entre países alinhados ideologicamente. Hitler apenas invadiu a URSS porque em sua visão racista enxergava os eslavos como um povo inferior a ser dominado e cuja terra deveria ser destinada ao lebensraum, o espaço vital ariano.
O problema de Hitler com o socialismo russo era muito mais uma questão de racismo, e muito menos uma questão de discordância política radical. Em todo o restante, comunistas e nazistas se alinhavam.
Nas palavras do nazista Gregor Strasser: “Nós somos socialistas, nós somos inimigos do atual sistema econômico capitalista para a exploração dos economicamente fracos, com seus salários injustos, com sua indecorosa avaliação do ser humano de acordo com a riqueza e a propriedade em vez de sua responsabilidade e desempenho, e nós estamos todos determinados a destruir esse sistema sob todas as condições.”
Hitler mesmo era assumidamente um outro tipo de socialista, cujas idéias tornaram a Alemanha nazista algo muito parecido com a URSS. Não era, portanto, um oposto da “esquerda”, mas tão somente um outro tipo de “esquerda”.
Em seu Mein Kampf o próprio Hitler admite que já na época a diferenciação entre os socialismos era difícil de ser percebida:

Só a cor vermelha de nossos cartazes fazia com que afluíssem às nossas salas de reunião. A burguesia mostrava-se horrorizada por nós termos também recorrido à cor vermelha dos bolchevistas, suspeitando, atrás disso, alguma atitude ambígua. Os espíritos nacionalistas da Alemanha cochichavam uns aos outros a mesma suspeita, de que, no fundo, não éramos senão uma espécie de marxistas, talvez simplesmente marxistas mascarados, ou melhor, socialistas. A diferença entre marxismo e socialismo até hoje não entrou nessas cabeças. Especialmente, quando se descobriu que, nas nossas assembleias tínhamos por princípio não usar os termos ‘Senhores e Senhoras’, mas ‘Companheiros e Companheiras’, só considerando entre nós o coleguismo de partido, o fantasma marxista surgiu claramente diante de muitos adversários nossos. Quantas boas gargalhadas demos à custa desses idiotas e poltrões burgueses, nas suas tentativas de decifrarem o enigma da nossa origem, nossas intenções e nossa finalidade.
Adolf Hitler – Mein Kampf

São ambos os regimes, fascismo e nazismo, hoje tidos pela mentira-tornada-verdade-por-haver-sido-repetida-mil-vezes, como de “extrema direita”, mas quem os colocou nessa posição do espectro? Ora, o fascismo e o nazismo se extinguiram legalmente com o fim da II Guerra Mundial, restou a URSS vitoriosa para contar a história. Já desde Lênin, socialistas usavam a tática de acusar seus opositores daquilo que eles mesmos eram ou faziam, e até hoje é o que vemos nos movimentos de “esquerda” e nos Estados que eles defendem, desde o Ocidente até o Oriente Médio, onde as criticas lançadas aos seus desafetos cabem muito mais perfeitamente a eles mesmos.
Para as pessoas que nasceram bem depois, e deste lado do mundo, e para quem a carnificina promovida pelos socialistas, em suas várias vertentes, na URSS e no Leste Europeu, em Cuba, na China, na Coréia do Norte, no Camboja, Vietnã, Laos, na Índia, Afeganistão, na América latina e na África nada mais é do que propaganda imperialista norte-americana ou fabricação de imprensa mainstream, fica a ideia maniqueísta de que o mundo é dividido entre dois tipos de gente: as “de esquerda”, que são do bem, pensam nos outros e tem sempre a razão, e as “de direita”, que são reacionárias, retrógradas, egoístas, só pensam no lucro, são nacionalistas, xenófobos, racistas, fundamentalistas religiosos ou possuem um coração de pedra.
Para essas pessoas, tudo o que for contrário à “esquerda” será chamado fascismo ou nazismo, como se em sua origem estas fossem ideologias realmente muito opostas. Em meus estudos sobre o nazismo e sobre o socialismo, saltam-me aos olhos as semelhanças. Troque-se a luta entre raças no nazismo pela luta entre classes no socialismo e teremos tantas semelhanças na forma de atuação que será difícil distinguir ambas as ideologias. O mais irônico é que em ambos os casos faz-se necessário corromper a história para que a ideologia faça sentido.
Para exemplificar, eu poderia fazer uma análise de toda a história da humanidade pela perspectiva de uma constante luta pelos direitos animais e, por mais absurdo que isto possa parecer, trazer muitas reflexões que lançariam luz sobre outras questões. Mas outra coisa é falsificar a história como fizeram Marx e Hitler, e já se tentou fazer também em relação aos direitos animais, embora neste caso se tenha agido com boas intenções. Mas de toda forma, a história não pode ser manipulada para se adequar às teorias de quem a conta.
Com o ódio cego “da esquerda” pelo Estado de Israel as semelhanças entre o nazismo e o socialismo são ainda mais gritantes. Troque-se a palavra “judeus” por “sionistas” e veremos que o nazismo ainda vive no ideário da “esquerda”, travestido de luta pelos direitos dos árabes (já discorri sobre este assunto em meu texto “Direitos Animais em Venda Casada”).
Bem poderia ser Hitler disfarçado de militante do PSOL ou colunista do BR 247, Carta Capital, Causa Operária e outros tablóides do gênero. Até mesmo a fixação da “esquerda” pelo assunto segue a mesma patologia do führer, pois não é possível que um país que não corresponde nem a 0,004% da superfície da Terra e que possui cerca de 0,1% da população do mundo seja noticia tão frequente nesses meios, quando em tantos outros países fatos muito mais graves ocorrem e não viram noticia.
A ditadura militar no Brasil, embora combatesse a implantação do comunismo, não era de direita como hoje se diz. Se fosse de direita não estatizaria a economia, nem formaria reserva de mercado, nem os militares se preocupariam com a opinião das pessoas. Ser anti-comunista não torna ninguém de direita, assim como ser anti-capitalista, a priori, não faz ninguém ser de esquerda.
Se fosse possível uma ditadura de direita, não seria um militar a governar, mas um banqueiro ou um mega-empresário, assim como na Alemanha não seria um ex-soldado e pintor frustrado. O fato dos militares haverem implantado um regime econômico de capitalismo de laços não os torna de direita, pelo contrário, a interferência do Estado nas decisões das empresas continuou existindo e foi isso que favoreceu enormemente a corrupção no país.
Fossem de direita, estes militares não teriam levantado barreiras para o comércio exterior, teriam baixado impostos e não teriam se empenhado em censurar os veículos de comunicação. Terem combatido os comunistas por si só não os torna de direita, e haverem eles permitido um capitalismo de laços apenas os coloca mais à direita no espectro político imaginário, mas não “à direita”, efetivamente.
Analisando a forma como socialistas, militares, nazistas e fascistas governavam ou procediam em relação às liberdades individuais e ao poder do Estado, vemos que estão todos estes grupos do mesmo lado da moeda e não em faces opostas. As diferenças existentes são mais equivalentes a diferenças entre seitas pertencentes a um mesmo sistema religioso do que religiões opostas, como se quer fazer parecer.
Anarquistas e libertários
Dito isso, me deixa perplexo a identificação de anarquistas e libertários (veganos ou não) com os movimentos “de esquerda”. Não deveria ser o contrário? Entendo que “esquerda” é uma palavra tão vaga quanto qualquer palavra que não signifique precisamente coisa alguma. “Esquerda” não é uma ideologia política porque a palavra congrega ideologias tão diversas que sequer deveriam ser agrupadas próximas.
Então, em sua contestação e confrontado com fatos, o vegano “libertário de esquerda” rechaçará com críticas o rótulo de socialista ou marxista, porque “esquerda não é só isso”. Claro que não, mas até aí a critica lançada pela “esquerda” é igualmente vaga, porque tampouco o capitalismo, o liberalismo ou, como queiram, a “direita” não é só isso (sendo isso seja lá o que eles estejam criticando desta vez).
Aqueles que se auto-rotulam de “esquerda” defendem até certo ponto as ditaduras socialistas extintas e ainda existentes, mas quando confrontados com inegáveis fatos históricos e dados contundentes tendem a voltar atrás e reafirmam sua posição dizendo-se “de esquerda, mas não socialistas”, ou “de esquerda, mas não marxistas”, ou “de esquerda, mas não comunistas”, ou “comunistas, mas nenhum estado representa o comunismo”. Ora, estranha definição esta, onde a pessoa se define pelo que ela não é, onde reluta dizer claramente o que ela defende e de que forma pretende que isso aconteça.
No mais, há um motivo para a confusão, pois estranhamente muitos que se dizem libertários começam por defender aberta ou veladamente regimes autoritários como o cubano e o venezuelano, e apenas após serem confrontado com os inegáveis abusos desses regimes aos direitos civis mais básicos é que essas pessoas se reposicionam, tentando uma nova definição do que elas são pela negação do que não são. O ônus fica para a outra parte da discussão: “Você confunde socialismo com comunismo e com anarquismo. Esquerda não é nada disso”.
“Prove que isso é o mesmo que aquilo”. Ora, para iniciar a conversa é a “esquerda” que tende a analisar qualquer posicionamento contrário ao seu de forma rasa e superficial, e tende a agrupar as pessoas conforme lhe convém. “Se você não pensa como eu penso é um fascista”, “Se não ama o Lula então ama o Aécio”. De onde tiraram isso?
Partidários da “esquerda” desconstroem um sistema que pouco compreendem, e que também não é o que deveria ser, dizendo que ele está todo errado e deveria ser extinto, mas qualquer tentativa de delinear de que forma ele deveria ser esbarra no fato de que não se sabe o que se quer, ou os meios para se atingir isso. E se isto está claro para a pessoa, que exponha claramente, ao invés de adotar o rótulo genérico de “esquerda”, que em si não diz nada.
Se uma pessoa se autodenomina de “esquerda” de que forma ela quer ser entendida e com quem ela quer ser associada? E que culpa tem as pessoas que de fato estudaram história se associarem a “esquerda” aos bolcheviques, maoístas, vietminhs, khmer vermelhos e outros.
Direitos animais no espectro político: Parte 4 – Duas medidas
Militantes “de esquerda” costumam ressaltar as injustiças inerentes ao sistema capitalista, repetindo bordões que querem fazer crer que o liberalismo deseja propositalmente a injustiça social e que não pode existir justiça dentro do liberalismo. Uma pergunta óbvia que se pode fazer ao acusador é se existe justiça dentro do socialismo. Na prática ela existe muito menos, mas ele dirá que a falha não é do sistema, mas culpa de algum agente externo, invariavelmente os mesmos acusados de sempre (EUA, os burgueses, etc).
Eis uma forma de comparação muito cultivada pelos apologistas de várias facções, que tornam bem mais fácil sua tarefa elegendo os termos de comparação que mais lhe convém. É muito fácil demonstrar a superioridade de um sistema político ou econômico que se quer defender em relação a um outro comparando a doutrina do primeiro com a prática do segundo.
Este tipo de comparação, no melhor dos casos ingênuo, possui enorme potencial de dano, pois a maior parte das pessoas não possui pensamento crítico o suficiente para identificar jargões, bordões e clichês vagos. Acaba absorvendo a mensagem e tomando-a como verdadeira.
Mas para os casos dessas conversas se darem em uma atmosfera de honestidade restam algumas perguntas: Por que comparar a teoria de um sistema com a prática do outro? Por que não comparar ambas as doutrinas ou ambas as práticas? Por que comparar o que um sistema tem de pior com o que o outro potencialmente pode vir a ter. hipoteticamente, de melhor? Não seria intelectualmente mais honesto fazer dessa forma?
Muitos dos comunistas que conheço alegam que o comunismo não pode ser comparado com nada, porque ele nunca existiu de fato. O socialismo não é comunismo. Socialistas alegam na mesma linha, dizendo que aquele socialismo que não deu certo não era socialismo.
Esse tipo de defesa da “esquerda” funciona como a falácia no true scotman: Alguém afirma “Nenhum escocês coloca açúcar em seu mingau”. O outro responde “Ora, eu tenho um amigo escocês que coloca açúcar em seu mingau” ao que o que fez a afirmação responde “Bom, então ele não é um escocês de verdade”.
Enquanto a URSS, Cuba ou a Venezuela prestam como exemplo positivo para algo eles são usados, mas logo que se mostra que eles não são de forma alguma exemplos positivos então se argumenta: “Mas eles tampouco são de esquerda, o comunismo jamais existiu”.
Sei muito bem o que distingue o anarquismo do marxismo, mas será que os autointitulados anarquistas “de esquerda” sabem disso? Anarquistas só dizem ser de “esquerda” porque se opõe ao capitalismo (seja lá o que eles entendem por capitalismo), mas de toda forma este é um alinhamento que se dá menos por afinidade ideológica e mais por haver a percepção um inimigo comum.
Mas que orgulho é esse de pertencer à “esquerda”, se à esquerda também dizem pertencer tantos regimes autoritários que se constituíram os piores pesadelos do século XX, como os bolcheviques russos, o Khmer Vermelho e seu angkar, o maoísmo, o regime juche da Coréía do Norte, entre outros?
Se o anarquismo visa acima de tudo o fim do Estado, não seria o caso de se colocarem, propositalmente, fora desse espectro político de esquerda-direita? E se pretendem pertencer a um dos lados, porque motivo pertencer justamente ao lado que estipula maior controle estatal e maior intervenção na economia? Se estes se opõem ao Estado como podem querer que os mercados e os indivíduos sejam controlados? E a livre associação dos indivíduos não é um dos principais valores liberais? Não faz sentido para mim que um anarquista se identifique com o comunismo, assim como não faz sentido associar os direitos animais e o veganismo ao lado que sempre esteve associado ao desrespeito aos direitos humanos.
Trata-se de uma ideia rasa, ingênua e que já se mostrou inúmeras vezes falsa, acreditar que concentrar todo o poder e os meios de produção nas mãos de um pequeno grupo (os “planejadores centrais” do socialismo) levará ao fim da necessidade de um governo ou do capital (comunismo), porque uma vez que esse pequeno grupo de “iluminados” ascenda ao poder e comece a se beneficiar de sua nova posição, ele jamais irá querer extinguir coisa alguma que não seja tudo aquilo que possa lhe impedir de se perpetuar no poder. É por isso, entre outros, que comunismo não existe e que socialismo politico é uma ideia muito fraca.
É a ideia repudiada e demonizada por aqueles que se autodenominam de “esquerda” que possibilita o fim da autoridade estatal, as liberdades individuais e outros conceitos libertários. Se outras visões fantasiosas colocam o capitalismo como um ente pessoal maléfico e opressor, nada que o fim da superstição, que o estudo e a educação não curem.
Se alguém quer realmente jogar com o espectro político, a “dicotomia esquerda-direita”, que o faça corretamente: à esquerda extrema do espectro encontra-se o comunismo, mais à direita o nazismo, depois o socialismo e o fascismo, e finalmente a “esquerda light”, a social-democracia e o socialismo fabiano. No centro do espectro estão os partidários do sistema de bem-estar social. No lado oposto do espectro encontramos à extrema direita o anarquismo, em seguida os libertários, os liberais conservadores e por fim mais à esquerda os conservadores.
O sistema de bem-estar social, colocado nesta ideia no centro, congrega elementos de ambos os lados, quais sejam o intervencionismo na economia, sem no entanto comprometer as liberdades individuais. Esta não é uma ideia de esquerda, pois como demonstrei oportunamente foi criada por conservadores. Também demonstrarei que esta idéia não pode ser empregada em um país que não tenha uma economia já sólida como a da Europa Ocidental.
Hannah Arendt, em suas “Origens do Totalitarismo”, rejeita a classificação do espectro político entre esquerda e direita, preferindo a classificação dos regimes políticos em totalitários, autoritários e liberais. É claro, faz muito mais sentido. E é aceitável que os direitos animais sejam associados aos regimes liberais, mas não vejo porque restringí-los à esquerda (ou à direita), quando esses são termos obsoletos e sem sentido prático.
No meu entender, o liberalismo possibilita às pessoas se tornarem veganas pelo próprio desenvolvimento econômico e social daquela sociedade. Em regimes socialistas todos poderão aderir ao veganismo, desde que o líder assim o queira. Mas o veganismo certamente não é propriedade da esquerda, como querem alguns.
O conceito que precisa prevalecer, porém, é que uma pessoa que não segue a manada no discurso da esquerda certamente não será um fascista. Ideólogos políticos “de esquerda” colocaram Mussolini e Hitler à direita, mas se sua forma de atuação lembrava a de Lênin, Stalin e tantos outros “grandes lideres”, onde seria correto colocá-los? E se Fidel Castro se identificou desde sua juventude com Mussolini e Hitler a ponto de imitar seus discursos, trejeitos e estrutura de governo, onde situa-lo?
Bakunin e Proudhon beberam originalmente na fonte do marxismo, assim como Hitler e Mussolini também o fizeram, e todos eles se mostraram posteriormente antagonistas dessas ideias, mas não deixaram de conservar seu cerne. Não sei quem colocou anarquistas à esquerda e fascistas à direita, mas isso é obviamente uma grande tolice, pois o livre-mercado, não regulado pelo Estado, é ideia geralmente associada à direita, e por outro lado, o controle completo da economia pelo Estado, como no fascismo, é ideia geralmente associada à esquerda.
Ser libertário é defender as liberdades individuais contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal. Não é exatamente isso que defende o liberalismo? Nenhum regime existente garante mais liberdades individuais do que o liberalismo, e nenhum têm maior potencialidade de permitir o pleno desenvolvimento do movimento de direitos animais do que ele.
Direitos animais no espectro político: Parte 5 – Pode um vegano defender o capitalismo?
Na falta de uma tese mais consistente, a “esquerda” se apega ao suposto axioma de que o capitalismo é a causa da exploração do ser humano, bem como que “o sistema” é opressor, que “o sistema” tem interesse em manter o ser humano em uma condição de miséria, etc. Na verdade, dizendo isso, apenas se repete o que Marx dizia, mas Marx estava redondamente errado.
Em primeiro lugar “o sistema” não é um ente intencional que nos governa, ele em si não tem intenção de nada. Se algum sistema tem intenção é o sistema que concentra o poder nas mãos de poucos. Quanto mais um sistema é descentralizado menos intencional ele pode ser. Quanto mais ele corre solto, menos intencional pode ser. O caminho que o “sistema” adota é o que fazemos dele.
Em segundo lugar o “capitalismo” não é um sistema econômico. Karl Marx, que não conhecia nem história, nem economia, empregou mal um termo do século XVII para se referir ao liberalismo. Capitalista era quem detinha o capital, mas os capitalistas pouco contribuíram para a criação do liberalismo, que surgiu da necessidade e da criatividade de pessoas que haviam nascido no campo, mas não sendo primogênitos, não herdariam as terras de seus pais, indo se constituir em párias nos burgos, daí serem chamados burgueses.
Não foram os capitalistas que começaram a industrializar a Europa, mas antes, foram os párias e miseráveis de uma sociedade até então agrária e que não mais os comportava. Estas pessoas se uniram em pequenos negócios na tentativa de produzir seu próprio sustento, por meio da produção de artigos baratos que pudessem eles mesmos consumir. A este primeiro movimento podemos atribuir todos os benefícios da vida moderna que levamos hoje.
Em terceiro lugar, o liberalismo não necessita de defensores, ele simplesmente é. Ele existe naturalmente em decorrência da evolução natural do mercantilismo e da revolução industrial. É o que continuará existindo se nenhum ditador psicopata tomar o poder à força.
Eu não defendo o “capitalismo”, pois esse não é um sistema que carece de defesa. O liberalismo não necessita ser defendido, assim como a força da gravidade e a composição de 21% de oxigênio na atmosfera não precisam ser defendidas, estas são forças evoluídas de forma espontânea e que naturalmente ocorrem, se ninguém as atrapalhar.
Economistas e cientistas sociais normalmente veem o liberalismo como uma evolução do mercantilismo, mas eu vou além, vejo o conceito de liberalismo acompanhando a história humana já na aurora da civilização, com o conceito de propriedade e iniciativa privadas. O que diferencia a Revolução do Neolítico da Revolução Industrial nada mais é do que a técnica. Se jamais tivéssemos evoluído o conceito de propriedade privada jamais teríamos evoluído nossas sociedades para além da condição dos caçadores-coletores, pois qual ser humano livre cultivaria dia após dia um pedaço de terra que não lhe pertence? A segurança de que os frutos do trabalho pertencerão ao indivíduo e à sua família é o que estimula a produção espontânea.
Sendo uma força evoluída por processos naturais, o liberalismo não é uma entidade pessoal, um ser que existe por si mesmo, que pode ser demonizado ou acusado do que quer que seja. Nem existem forças ocultas que o dirigem para esse ou aquele lado. Se os cidadãos de uma sociedade forem deixados em paz para viverem suas vidas, sem a intervenção de um governo centralizador e sem leis excessivas, essa sociedade tenderá a ser liberal. Pelo contrário, em tal sociedade espontaneamente formada qualquer outro sistema que se tente estabelecer e que contrarie esses princípios necessitará ser imposto à força.
É por isso que não sendo doutrinado na religião da “esquerda” é fácil entender que as acusações destrutivas que o liberalismo recebe são invariavelmente vagas, ingênuas, e até infantis. Essas críticas sequer tem potencial de afetar o sistema em si, elas apenas servem para criar insatisfação entre as pessoas, por apontar para uma construção utópica sem dar os necessários elementos realistas para alcança-la. E se tais utopias tentam se impor no seio da sociedade, isso necessariamente ocorre à força física ou ideológica, invariavelmente criando sistemas mais injustos e mais opressores.
É dessa forma que vejo a “luta contra o capitalismo”, porque mediante generalizações grosseiras e falácias lógicas, o que se propõe na prática é absolutamente nada. Apenas apontar um problema, real ou imaginário, é uma atitude sem sentido se aquele que critica não tem nenhuma alternativa ou proposta melhor. Tanto pior se a acusação é generalista, pouco fundamentada e claramente serve como desculpa para que os verdadeiros culpados se eximam de suas próprias falhas.
Não defendo o “capitalismo”, mas tampouco aqueles que o atacam tem proposta política ou econômica mais viável. São críticas pela crítica, não passam disso, como se apenas remover o sistema fosse a solução para algum problema.
O liberalismo, ou o “capitalismo” como queiram alguns, não é um sistema opressor, pois como alguém pode se sentir oprimido por um ente impessoal, não-intencional? Oprimido me sinto eu pelos despautérios de uma classe cada vez mais crescente de sequazes catequizados por uma doutrina capciosa, desgastado pela imposição deste pensamento torto dentro da causa animal desde a década de 1990; oprimido por pessoas que se diziam “veganas de esquerda”, ou que acreditam que todos que defendem os direitos animais tem que pensar como elas.
Ironicamente, muitas dessas pessoas que conheci no passado hoje nem mesmo são veganas, pois cansados de se infiltrar aqui foram buscar outras ideologias; ou porque os anos se passaram e elas cresceram e amadureceram, estudaram, arrumaram um emprego, saíram da casa dos pais, e hoje são conscientes que tudo aquilo advinha de sua imaturidade. Outros ainda são ideologicamente de esquerda, mas se mudaram para os Estados Unidos que eles tanto criticavam, foram viver o sonho americano. Bom para eles.
Mas quanto aos seus, ainda estão oprimindo aqueles que não pensam exatamente como eles, pela imposição do patrulhamento ideológico, onde não se pode discutir nem questionar nada, para não ser acusado de fascista; estão oprimindo por meio dos preciosismos e modismos da fala do politicamente correto, este câncer que nada tem a acrescentar à sociedade, nem interfere nos preconceitos reais.
Oprimem pelo ódio e pelo ranço aqueles que consideram um problema uma pessoa ser branca, abastada, masculina e heterossexual ( e eu na verdade não sou nem branco nem rico, mas mesmo que fosse não veria isso como defeitos); oprimem pela estranheza que muitos veganos manifestam sem vergonha ao ver um vegano que não se encaixa naqueles seus mesmos padrões, na sua uniformidade de pensamento, no grupo de ódio que se muitos vieram a se tornar . . . Se ao menos estas pessoas se dispuserem a estudar melhor aquilo que defendem.
Não, eu não poderia pensar como eles nem que quisesse muito. Não consigo ter essa quantidade de preconceitos que dizem que os ricos só são ricos porque exploram os pobres, que os patrões sempre exploram seus funcionários, que proprietários de terras são sempre ladrões que se apropriaram das terras dos outros, que criminosos são sempre vitimas da sociedade, que brancos sempre exploram negros; que homens sempre exploram mulheres . . .
Não conseguiria odiar uma pessoa apenas porque ela é rica, porque eu também o seria se pudesse. Não vejo os ricos como usurpadores dos bens dos outros (estes são os políticos e ladrões de bancos). Os ricos são ricos porque geram sua riqueza, e assim o fazendo criam empregos e movimentam a economia. Pobre é a sociedade que não tem ricos, pois não há consumo nem empregos. São todos pobres.
Uma junta estrambólica de autodenominados “progressistas” pode, por inocência, se sentir oprimido pela ditadura-da-composição-de-21%-de-oxigênio-na-atmosfera-que-faz-com-que-as-coisas-se-incendeiem, pode se sentir oprimido pela força-da-gravidade-que-faz-com-que-as-coisas-se-esborrachem-no-chão. Podem protestar contra essas forças, podem passar dias fazendo memes ridículos com relação a este assunto no Facebook, podem chamar de reacionários as pessoas que acham que o oxigênio e a gravidade precisam existir, mas essa é uma tolice ilógica, pois elas continuarão existindo, e tomara que sim, pois são a “ditadura aerobiótica” e a “ditadura newtoniana” que nos permitem respirar e que mantém a integridade da matéria.
É o liberalismo que possibilita a existência deste mundo onde tantos “esquerdistas” podem desperdiçar suas vidas postando frases de efeito no Facebook, desqualificando todos que conseguem mais do que eles na vida, o que na prática é todo o restante da humanidade.
Se uma pessoa sente que um sistema não opressor a oprime, entendo que os processos internos dela devam ser os culpados, e não a sociedade como um todo. É como a passagem em que Hamlet está querendo dar uma de louco:
Hamlet – O que é que vocês fizeram com a Fortuna pra ela jogá-los nesta prisão?
Guildenstern – Prisão, meu senhor?!
Hamlet – A Dinamarca é uma prisão!
Rosencrantz – Então o mundo também.
Hamlet – Uma enorme prisão, cheia de células, solitárias e masmorras – a Dinamarca é das piores.
Rosencrantz – Não pensamos assim, meu senhor.
Hamlet – Então pra você não é. Não há nada de bom ou mau sem o pensa¬mento que o faz assim. Pra mim é uma prisão.

Todos podemos nos sentir deprimidos alguns dias, até o príncipe da Dinamarca, mas não devemos confundir nossos processos internos com uma opressão causada por um agente externo. Se o indivíduo sente que o mundo inteiro parece uma prisão essa pessoa que busque construir “sua libertação”, um sistema que se adeque melhor ao que ela julga ser liberdade, sem no entanto arrastar o restante da humanidade consigo, sem o aranzel irritante que costuma acompanhar o discurso pseudopolitizado da esquerda salvadora da pátria.
O liberalismo, ao contrário dos demais sistemas que já tentaram substituí-lo, não obriga ninguém a nada, nem prende ninguém a uma condição a qual ela não pode sair. O muro que existia em Berlim era para que as pessoas do lado Oriental não conseguissem fugir para o lado Ocidental, e não o contrário. O muro que existe na Zona Desmilitarizada da Coréia é para que as pessoas que vivem no Norte não possam fugir para o Sul, e não o contrário. Se virmos uma balsa à deriva perto de Key West serão cubanos tentando fugir para os EUA e não o contrário. Então qual sistema é o que oprime, o que não permite a saída de seus cidadãos ou aquele que não se opõe a que eles viagem o mundo e mudem de país?
A “liberdade” em um país liberal, ao contrário de um país socialista, está ao alcance de quem queira. Quem vive em um país liberal mas se sente oprimido pelo sistema ou não se adequa, pode se libertar como indivíduo, ou um grupo de pessoas pode se libertar como comunidade, pode buscar viver em um país que corresponda melhor aos seus ideais ou buscar sua própria autonomia ficando onde esta, desde que não tente impor isso como modelo de vida para o mundo inteiro.
Se há uma coisa que a ciência nos ensina é que não devemos tentar em larga escala algo que não possa antes ser testado em pequena escala. A defesa trotskista de que o sucesso do comunismo dependeria da adesão de todos os países é cientificamente absurda, porque uma vez que tenhamos destruído toda a civilização tal como a conhecemos, e implantado um sistema que simplesmente não funciona, não poderemos voltar atrás.
Direitos animais no espectro político: Parte 6 – Histórias que supostamente deram certo
Para não ser injusto para com “a esquerda”, tanto quanto ela é para com o restante das ideias humanas e sua diversidade de pensamento, preciso aqui declarar que a principio não vejo problemas no comunalismo intencional ou à esquerda light. Nem poderia, correndo eu mesmo o risco de ser tão autoritário quanto os militantes “de esquerda” costumam ser.
Ao contrário dessas mal denominadas “Revoluções Socialistas”, que na prática jamais se constituíram em progresso, pelo contrário, apenas trouxeram mais e novas injustiças sociais e econômicas, há muitas iniciativas que ao longo da história alguns identificariam com o socialismo, mas que não se apresentaram como lutas de classe, culto a personalidades megalomaníacas, discursos vazios de defesa do proletariado, discursos débeis contra o capitalismo, etc.
Me refiro em menor escala às cooperativas de trabalhadores, ao associativismo voluntário, às ecovilas, às fazendas comunitárias autossustentáveis, aos falanstérios e às colônias, e em maior escala ao fabianismo e ao estado de bem estar social existente na Europa. Todos esses sistemas, embora autônomos e funcionando em uma orientação supostamente socialista, somente existem porque estão inseridos e operando dentro de sistemas capitalistas que os abraçam e subsidiam. Não há porque, estudando-os, considera-los viáveis se estivessem eles operando desvinculados do “capitalismo”, que os abarca.
Não criticarei o comunalismo intencional e as iniciativas individuais e coletivas em pequena escala por entender que todos eles se configuram em tentativas de indivíduos ou grupos de indivíduos de atingir um modo de vida que condiga melhor com suas expectativas. Desde que esses ideais não sejam impostos a toda a sociedade, e que uma vez ingressados os indivíduos tenham a possibilidade de egressar, elas serão liberais. É o direito á livre associação.
A igualdade entre gêneros, entre grupos étnicos, a liberdade de culto, os direitos dos homossexuais, dos transgêneros são todas ideias liberais sequestradas e corrompidas pela “esquerda” na forma de ideologia de gênero, de anti-heteronormatividade, de racismo reverso, da teologia da libertação e auto-denominados movimentos sociais. O conceito dos direitos animais é, igualmente, uma ideia fundamentalmente liberal, igualmente sequestrada e corrompida, nos últimos anos, na forma do transeccionismo ou outros nomes que lhes queiram dar.
Não critico as iniciativas individuais porque seja para qual lado se vá, ela diz respeito aos valores do indivíduo e se aplicam apenas a ele mesmo. Critico quando percebo que estas iniciativas individuais de uma minoria tentam se impor ideologicamente a uma maioria, desqualificando as pessoas que pensam de maneira diferente sem nem mesmo colocar elementos suficientes para que as pessoas de fato se convençam. Querem vencer um discurso pelo cansaço, pelo grito e pela cusparada, não pelo argumento.
A beleza destes projetos individuais é que, mesmo que alguns se autodenominem socialistas, eles funcionam de uma maneira perfeitamente liberal. As pessoas entram acreditando e se empenham, mas se ele não funcionar, ou se os indivíduos não se adequarem, sempre há a possibilidade do indivíduo sair. Particularmente, recomendo para aqueles que querem ter uma experiência socialista bem sucedidas a experiência de um kibbutz (fundamentalistas anti-sionistas estão obviamente descartados).
Existem kibbutzim com mais de 100 anos em Israel, nenhuma experiência socialista no mundo durou tanto.
Recomendo também a leitura dos trabalhos de John Seymour. John Seymour não era um socialista, mas um “autossuficientista”, e um de meus autores preferidos desde a infância. Infelizmente não era um vegano, mas muito do que penso que seja útil para a manutenção de um santuário de animais provém de seus escritos. Seu trabalho diz respeito à autossuficiência no limite do pessoal, da família, ou quanto muito de uma pequena comunidade.
Ele foi um homem que nunca cansou de aprender e ensinar, ensinava pelo exemplo. Jamais soube que ele fosse um senhor rabugento tentando forçar as pessoas a pensarem como ele. Não repetia cansativamente jargões, nem atribuía a causas externas a culpa por seus próprios fracassos. Ao contrário dos partidários “esquerdistas” ele não tinha inimigos imaginários, nem um discurso raivoso de condenação sumária de algo que ele sequer entendia. Ele simplesmente viajou o mundo e aprendeu a colocar em prática um estilo de vida mais simples, mais condizente com o que ele acreditava. E fazendo isso eu tenho certeza de que ele viveu de forma plena, e ensinou outras pessoas a fazê-lo.
Eu, particularmente, adotaria um estilo de vida como este, vivendo em uma fazenda comunitária autossustentável, um associativismo voluntário, uma ecovila, agregando aí conceitos de direitos animais e mantendo animais tão somente por compaixão, na forma de uma fazenda-santuário, mas eu jamais imporia este ideal de vida ao restante da humanidade, pois reconheço que este estilo de vida especificamente seria bom para mim, mas há algumas pessoas que estão mais inclinadas à vida urbana, às vendas, à produção industrial, ao mercado de ações, às baladas, etc.
Mas mesmo que eu adotasse este estilo de vida mais retirado, jamais deixaria de reconhecer o papel que o liberalismo teve em me permitir isso. Se o mundo que nos cerca não tivesse sido historicamente liberal, não teríamos tudo o que temos hoje. Nós e aqueles que depreciam o sistema, criando uma realidade paralela para sustentar seus delírios e alucinações.
Partidários da esquerda, quando confrontados com o fato de que o socialismo jamais funcionou costumam citar o exemplo nórdico como de um socialismo bem sucedido.
Analisemos esta colocação: Em primeiro lugar, que fosse a Escandinávia um conjunto de países socialistas, isto serviria para desmistificar a noção de que o socialismo leva ao veganismo. Nestes países ainda se consome carne em grande quantidade, ainda se pode caçar inclusive baleias e embora cerca de 10% das pessoas na Suécia hoje se identifiquem como vegetarianas, isto não tem relação com o governo. A urbanização e a riqueza levam naturalmente a isso.
Em segundo lugar, na Escandinávia é fato que os países possuem governos altamente intervenientes, mas apenas isso não os torna países socialistas. Todos esses países, sem exceção, praticam uma economia de mercado, o livre comércio de bens e serviços, inclusive internacional, possuem um fortíssimo senso de direito de propriedade (nada de coletivização), estimulam o empreendedorismo, possuem políticas monetárias solidas e regulações no mercado de trabalho que pouco afetam sua produtividade.
E como alguém pode realmente acreditar que o modelo nórdico seja sequer parecido com o socialismo? Suécia, Noruega e Dinamarca são monarquias constitucionais desde 1810, 1814 e 1849, respectivamente. A Islândia e a Finlândia são repúblicas parlamentaristas, com um sistema multipartidário, que no primeiro caso funciona desde o ano 930, com eleições diretas para gestões de 4 anos. Se nas eleições destes países e nas coligações formadas, porventura a maior parte dos eleitos pertencem a partidos com ideário de “esquerda”, isto não torna o país socialista. O sistema multipartidário é inerente ao liberalismo, socialistas podem votar e ser votados.
Se não fosse por um sistema liberal, “capitalista”, muito bem estruturado e produtivo na Escandinávia, que permitiu que esses países constituíssem gordas poupanças, possibilitando praticamente viver de renda, não teria sido possível implantar o pesadíssimo sistema de bem-estar social do qual gozam seus cidadãos.
Junte-se a isso os menores índices mundiais de corrupção e populações que juntas somam 25 milhões de pessoas e entenderemos porque o modelo escandinavo deu certo naqueles países. Mas não se engane quem defende tal sistema como “ótimo exemplo de socialismo bem-sucedido”. Não é socialismo, senão que nominal. E toda vez que uma crise se avizinha ou o sistema de bem-estar social começa a pesar demais, é no liberalismo econômico que eles buscam a solução, e não no socialismo.
Aliás, diga-se de passagem, o estado de bem-estar social da Escandinávia ou de outros países da Europa Ocidental tem na verdade pouca relação com o socialismo ou com a “esquerda”. Sua origem se encontra em antigas ações eclesiásticas de caridade. Ademais, o primeiro sistema de bem estar social implantado pelo poder público que se tem noticia foi desenvolvido não por um socialista, mas por um conservador, o chanceler de ferro da Alemanha, Otto von Bismarck.
Seguiu-se a este, sistema similar implantado no Império Austro-Húngaro pelo Conde Eduard Franz Joseph von Taaffe. Na Inglaterra o sistema foi implantado pelo Primeiro-Ministro Herbert Henry Asquith, um liberal. Nos Estados Unidos o sistema foi iniciado na década de 1930 e teve seu apogeu com Franklin Roosevelt, do Partido Democrata. Nenhum destes vultos parecia nem de longe com um socialista ou são reinvindicados pela “esquerda” como partidários de sua agenda.
No fabianismo inglês, os esforços fugiam ao padrão socialista de destruir as estruturas existentes para então criar novas estruturas a partir do zero, mas antes, acreditava-se em uma gradual evolução da sociedade através de reformas passo-a-passo, até se atingir o Socialismo.
Os fabianistas alegam haverem sido responsáveis pela implantação do sistema de bem-estar social britânico, mas esta alegação é contestada. Na verdade, a influencia dos socialistas fabianistas foi muito mais forte fora da Inglaterra, por exemplo, inspirando Mussolini em sua socialização da economia (muitos partidários fabianistas, inclusive, deixaram a sociedade atraídos pelas ideias da União Fascista Britânica). É que como deixei claro anteriormente, não é de hoje que nazismo, socialismo e fascismo se confundem.
O fabianismo inglês também influenciou Jawaharial Nehru, primeiro primeiro-ministro da Índia. Embora um “socialista democrático”, Nehru se espelhava em muito na China e na URSS no que diz respeito à economia e forma de governo, de modo que o “socialismo democrático” da Índia lembrava em muito o socialismo não-democrático da URSS, com um planejamento centralizado e a versão indiana do piatilekta (planos de 5 anos).
Não preciso lembrar que a Índia sempre foi um bom exemplo de pobreza e atraso no índice de desenvolvimento humano e isso apenas aumentou com sua independência. Por que? Porque se antes se podia atribuir aos ingleses colonialistas todas as mazelas da Índia, após a independência o país focou sua economia por décadas na visão romântica de subsistência de Gandhi, o Swadeshi, de forma que cada vila tendia a produzir seu próprio tecido, seu próprio arroz, seus legumes, evitando-se o comércio de bens e a circulação de capital.
O comércio na Índia tentou voltar-se aos pequenos negócios internos, esquecendo-se do comércio exterior que é o que gera riquezas para um país. Antes tivesse o Swadeshi sido usado para diminuir as importações mas que o país tivesse capacitado sua população e suas industrias para produzir bens de interesse para a exportação, mantendo uma balança comercial positiva. Esta ideia não é genial, mas óbvia.
A Índia, com o tempo, para vencer o desemprego causado pela falta de circulação de capital criou postos de emprego público desnecessários. Isto apenas agravou a crise econômica, pois embora estes cidadãos agora recebessem algum salário, eles não geravam nenhuma riqueza para o país.
Na Índia de então a economia era planificada e havia um enorme desestimulo à iniciativa privada. O país possuía pouca poupança e investiu em um sistema de bem-estar oneroso, para atender a uma enorme população, crescente e sem esperança de produzir ou prosperar (ao contrário dos países escandinavos que, quando iniciaram o programa já eram desenvolvidos). Gandhi, Nehru e os demais socialistas que governaram a Índia estavam apenas se apegando a um sistema que manteria os indianos na eterna pobreza.
Não foi o Swadeshi que salvou o indiano da fome; tampouco foi a Revolução Verde, já que mesmo com o aumento na produção o socialismo foi ineficiente em fazer com que esses alimentos chegassem à população. A prosperidade indiana apenas começou no final da década de 1990, quando o país abriu sua economia. Era o liberalismo.
Portanto, mesmo quando aliado a uma democracia, o socialismo falha como meio de produção. Quando comparamos o caso indiano com o caso de Hong Kong é flagrante a diferença entre os dois sistemas. Ao contrário da Índia, Hong Kong não possui recursos naturais nem espaço, pelo contrário, possui uma população enorme confinada em uma ilha. Muita gente, pouco espaço e poucos recursos deveriam significar um país pobre e miserável, mas Hong-Kong é um país extremamente próspero.
A história de Hong Kong também não está isenta de colonialismos. A ilha foi ocupada por japoneses, praticamente destruída na Segunda Guerra, frequentemente ameaçado pelos chineses socialistas, ocupada pelos ingleses. Esse povo poderia culpar os anos de ocupação estrangeira e a escassez de recursos naturais por suas misérias e infortúnios (como costuma ser a desculpa para os fracassos socialistas, principalmente na África e nos países árabes), mas optou por adotar um regime de desenvolvimento extremamente eficiente.
Aqui alguém poderia apelar para o argumento de que tal desenvolvimento é incompatível com a preservação ambiental, mas apesar de seu pequeno território e enorme população, Hong Kong reserva 60% de seu território para parques e reservas naturais e a cidade é uma das mais verdes da Ásia. A preocupação ambiental ali é grande e crescente e, ironicamente, 80% da poluição do ar presente em Hong-Kong provem da China socialista.
O Japão, feudal até a Segunda Guerra Mundial, arrasado por anos de guerra e por duas bombas nucleares, se reinventou como um pais liberal e desenvolvido. Tive o prazer e a honra de visita-lo a trabalho em novembro-dezembro de 2016, onde pude constatar que para além da qualidade de sua gente, o país preserva mais de 80% de seu território como floresta. Detalhe: embora não pareçam, são florestas plantadas, pois ao fim da guerra não restava nada.
Singapura, outro bom exemplo do sucesso do liberalismo econômico, começou como um porto de piratas, foi colônia britânica, ocupado pelos japoneses na II Guerra, quase arrasado pelos comunistas chineses na década de 1950, anexado à Malásia . . . apenas na década de 1970 obteve sua independência e rapidamente trabalhou sua economia para sair do terceiro mundo diretamente para o primeiro mundo. De que forma? Empreendedorismo empresarial, investimento em indústrias e nos portos. Embora a democracia ali não seja seu forte, o país possui liberdade econômica, um povo próspero e baixíssimas taxas de desemprego. E o meio ambiente? Singapura é a cidade mais verde de toda a Ásia.
Irônico que o capitalismo seja acusado de destruir o meio ambiente, escravizar animais e seres humanos, pois é nos países “capitalistas” desenvolvidos que o meio ambiente é melhor preservado, os animais são melhor tratados (embora em nenhum país do mundo seus direitos ainda sejam reconhecidos) e o ser humano, ainda que existam desigualdades, recebe maior assistência social e obtém melhor qualidade de vida.
Os países mais prósperos do mundo são todos liberais: A Europa Ocidental, os EUA e o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, Hong Kong, Singapura. São nesses países que encontramos os melhores índices de desenvolvimento humano. Um país só pode manter um sistema assistencialista por longo tempo se o sistema produtivo deste país for tão eficiente que permita a produção de excedentes, a ponto de sobrar. No socialismo não há produção suficiente nem mesmo para suprir a todos com o mínimo, porque a centralização compromete a eficiência.
E como alguém pode acreditar que pessoas que estejam sobrevivendo à míngua, cerceadas de seus próprios direitos básicos, poderão atribuir a animais qualquer direitos?
Direitos animais no espectro político: Parte 7 – Veganismo liberal
Em 1947 Winston Churchill proferiu em um discurso: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeitos. A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.” Com a devida licença e guardadas as proporções, ouso parafrasear “Ninguém pretende que o liberalismo seja perfeito ou sem defeitos. O liberalismo é a pior forma de sistema econômico imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.”
Esta colocação realista reconhece que o liberalismo não é perfeito, como aliás nenhum sistema humano o é. Se um grupo de pessoas vier a idolatrar um líder como se fosse o Ungido dos céus, a solução para todos os nossos problemas, certamente este grupo não será liberal.
É justamente esta a beleza deste sistema, que ao contrário de todos os demais, não necessita se autopromover, ou prometer o que não pode atingir. Como citei anteriormente, se nenhum ditador psicopata interferir, liberalismo econômico será o que teremos, porque este é comportamento econômico que se espera, aonde existe liberdade.
Mas o liberalismo puro e simples não existe, pois todos os governos de países do mundo, em maior ou menor grau, interferem na economia. O liberalismo puro só poderia ser possível em uma completa ausência de governo (anarquia), o que por si só é uma utopia.
Embora o anarquismo tenha seu charme, e especialmente um apelo aos adolescentes que o associam com a possibilidade de negligenciar suas obrigações ou obedecer a alguma hierarquia, ele não existe de fato, e nem poderá existir em um mundo civilizado.
A natureza odeia vácuos. Quando o vácuo se forma na atmosfera, rapidamente esta zona de baixa pressão atrai os ventos das áreas vizinhas e isso com frequência gera as tempestades; quando uma espécie se extingue em um ecossistema logo outras espécies ao redor correm para ocupar aquele nicho, ele não fica vago por muito tempo. Assim também acontece com relação às coisas humanas.
Quando um governante é deposto outro logo vem e o substitui; quando se dissolvem as instituições outras surgem; frequentemente o que se segue a um governo deposto, por pior que este seja, é uma ditadura ainda pior ou uma guerra civil. Mas o posto jamais fica vago por muito tempo sem que alguém tente toma-lo.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com a deposição do Czar Nicolau II. A Rússia não foi libertada da tirania cruel, ela caiu nas mãos de violadores bolcheviques, que não respeitavam os mínimos valores civilizatórios. Apenas piorou.
Foi o que aconteceu com a deposição do ditador Suharto. O que se seguiu não foi a libertação das pessoas da Indonésia, mas uma explosão de ódio étnico e religioso que inclusive levou a episódio de canibalismo em Kalimantan, Irian Jaya e outras ilhas.
Foi o que aconteceu com a derrocada de Saddam Hussein, um ditador sanguinário, mas cujo vácuo de poder permitiu a ascensão do ISIS, além de outros grupos terroristas como o GMCIR, o JRTN, o Jaish al Mahdi, etc.
Quando vejo um cidadão urbano, afável e cortês, se dizendo partidário da anarquia, imagino e respeito o que está se passando em sua mente singela, mas gostaria que ele conseguisse visualizar o que se passa na minha mente. Imagino o mundo inteiro transformado em um lugar como a Somália, o mais próximo que temos da verdadeira anarquia. É por isso que o sinônimo de anarquia é acefalia, não é possível que alguém realmente deseje isso.
Embora todos os que se dizem anarquistas que conheço sejam pessoas do bem, que pregam a resistência pacífica, não há como crer que uma vez conquistado qualquer objetivo que se esteja buscando este será mantido de forma pacífica. E muitos anarquistas sequer acreditam em resistência pacífica.
O próprio Mikhail Bakunin, um dos principais fundadores da tradição anarquista, estava longe de ser um hippie. Ele pregava a violência e na prática era um autoritário enrustido, apenas falava em um mundo utópico, mas ele mesmo não vivia este mundo.
Mas supondo de forma abstrata um mundo anárquico, certamente não poderia haver controle sobre a economia. Isso seria o mais puro dos liberalismos, ou o extremo daquilo que Marx chamou de “capitalismo selvagem”. Se nenhum regime autoritário o impede, o mercado corre livre.
Mas mesmo os mais livres dos mercados são regulados dentro de certos limites, daí a necessidade de um governo. E a democracia serve para estabelecer qual linha de regulação o governo deve seguir, quais aspectos do liberalismo merecem ser delimitados. E sendo um sistema econômico plástico, ele conforma essas delimitações, podendo ser constantemente revisto e corrigido, mas jamais extinto.
Extinguir o liberalismo significa centralizar os meios de produção e tentar planificar a economia, o que na prática cria escassez e insegurança jurídica. Tenho dificuldade de conceber que em um lugar como este o veganismo poderia prosperar, porque a sociedade como um todo desceria para um nível de subsistência que não lhe permitiria fazer escolhas. Em um sistema como este, de completa degradação humana, o que dizer do estatus que os animais receberiam?
Por outro lado, mesmo países nominalmente socialistas fazem a opção pela economia de mercado, para não matarem sua população de fome. A China foi uma das maiores difusoras do comunismo ao longo do século XX, mas nem bem o corpo de Mao Tse Tung esfriava, Xiaping já estava criando o “socialismo de mercado”. A diferença disto para o “capitalismo” chauvinista é que o governo continua centralizando o poder, censurando e reprimindo a população. Economicamente é a mesma coisa.
Em 1975, após 20 anos de guerrilha comunista, o Vietnã do Norte se fundira com o Vietnã do Sul, criando a Republica Socialista do Vietnã. Onze anos após os americanos haverem ido embora, 1986, o país se abriu para uma economia de mercado semelhante á chinesa. E depois disso sua população empobrecida apenas prosperou.
Mas a corrupção política no Vietnã também aumentou significativamente desde 1986, resultado do casamento entre o extremo controle do Estado e a liberalização econômica. Por isso que o liberalismo funciona muito melhor em democracias do que em regimes autoritários.
Por mais que tenha lido a respeito não consigo pensar um sistema econômico que seja melhor do que o liberalismo e que melhor se adequem à democracia e a propagação dos ideais de direitos humanos e direitos animais. Ouço muitas pessoas no movimento de direitos animais defenderem que há sistemas melhores e mais compatíveis, mas elas não conseguem demonstrar de forma prática e sistemática o que afirmam. Geralmente os que o tentam o fazem de forma histriônica, vaga, não refletida ou até auto-destrutiva.
Tenho dificuldade em associar estes movimentos destoantes, esta apologia ao atraso, à barbárie e à ignorância com o veganismo e com os direitos animais, assim como não associo os movimentos de “esquerda” com movimentos de direitos humanos, pela igualdade de gênero, raças, grupos étnicos, inclinações sexuais, etc.
Não, eles não são progressistas, como podem se autodenominar, porque progredir significa andar para frente, e a forma como os vejo tentar andar é para trás. Progredir significa abolir seus próprios preconceitos, reavaliar sua posição, coisa que não vejo muitas pessoas destes grupos fazerem.
Podem de forma simplória me chamar de reacionário ou fascista se quiserem, mas estes que assim o fazem apenas se mostram pessoas vazias e sem argumentos. Primeiramente porque não estudam o significado dos termos que empregam. Fascistas são os que não se conformam com ideías contrárias às suas. Que não escutam os argumentos da outra parte, querem vencer a base de gritos e cusparadas. Fascistas são eles.
E reacionários somos todos, em um certo sentido, preservando os valores que prezamos e querendo mudar o que nos incomoda. É desonesto chamar de reacionário (ou a variante derrogativa “reaça”) a alguém apenas porque não aceita as mesmas mudanças que se quer, como se a pessoa que categoriza fosse a medida para todas as outras, pois há mudanças que são positivas e outras negativas, e obviamente não se precisa aceitar todas as mudanças apenas para fugir a este rótulo de “reaça”.
A necessidade de existência de um governo, de legislações específica e de uma polícia para mim são óbvias. Quando estas coisas deixarem de existir estaremos mais distantes dos ideais de civilização, e portanto, dos ideais do veganismo.
Mas quanto mais liberdade para o indivíduo e para a economia, tanto melhor será este governo; quanto mais atido ao essencial de sua própria estrutura, uma estrutura enxuta, tanto melhor será. Quanto menos os políticos gozarem de ótimos salários e benefícios, verbas de gabinetes, auxílio moradia, terno e transporte que isto os estimule a fazer desta posição uma carreira, melhor para a população.
Quanto menos estes políticos puderem trocar votos por cargos em empresas públicas, a ponto de privarem pessoas capacitadas tecnicamente de exercerem seu papel, será melhor para a população. Quanto menos puderem influenciar os negócios privados, haverá menos corrupção. Incomoda-me que atualmente tantos políticos gozem de foro privilegiado, e a certeza de que a justiça não os alcança. Isso remonta à monarquia, ao socialismo de Estado e é totalmente anti-liberal.
Não é justo que paguemos impostos para tantos serviços que não nos são prestados. Mesmo os serviços que são prestados deixam muito a desejar. Não é justo sustentarmos involuntariamente fundos partidários de partidos e políticos que vivem disso, seus correligionários que os sustentem. Tudo isso é extremamente anti-liberal e estas coisas todas apenas possibilitam a corrupção e em nada favorecem a população ou os animais.
E é claro que as legislações devem existir, mas na medida certa, para não cercear demais as liberdades individuais, ou não tornar o sistema pesado e oneroso. Diminuir o número de leis ou simplificar legislações não significa, necessariamente, vulnerabilizar os seres humanos, os animais e o meio ambiente.
É impossível que um cidadão mediano consiga se familiarizar com todo o arcabouço legal que incide sobre o mesmo. É um labirinto complexo de códigos, leis ordinárias, delegadas e complementares, decretos legislativos e presidenciais, portarias, instruções normativas, resoluções, atos normativos e administrativos para serem digeridos. Nossa constituição possui 114 artigos, e ainda há as emendas constitucionais.
As leis certamente tem de existir, mas que sejam mais palatáveis e inteligíveis ao cidadão comum, e que sejam consolidadas em um corpo coerente que corrija tantas distorções hoje existentes.
E ser favorável à polícia, ao contrário do que muitos esquerdistas querem fazer parecer, não significa apoiar possíveis abusos cometidos por policiais. O poder de policia é o que permite a manutenção da ordem e a proteção dos cidadãos do Estado. Não houvesse polícia o Estado deixaria de cumprir seu papel mais essencial e os cidadãos perderiam toda a sua proteção.
Quando em 1919 as polícias de Liverpool e de Boston entraram em greve estas cidades se desestabilizaram completamente: houve completa confusão e desordem, muitas propriedades foram destruídas, houve saques, roubos a mão armada, estupros em série . . . Em Montreal, uma greve da polícia de apenas 17 horas, em 1969, levou ao aumento de 13,5 vezes as taxas de roubos por hora e 50 vezes o número de assaltos a bancos por hora, além de saques por toda a cidade.
Uma greve de 17 dias na Finlândia em 1976 levou ao aumento de 50% nos roubos a lojas e 42% no número de atendimentos a feridos por violência nos hospitais de Helsinque. E isso aconteceu no mês de fevereiro, em meio ao inverno boreal.
Então é claro que se opor à polícia é se opor à própria civilização. O mesmo podemos dizer das forças armadas em relação à possibilidade de ameaças externas.
Tal é a deturpação de valores que o pensamento de esquerda conseguiu induzir na população que atualmente políticos corruptos e mesmo criminosos comuns são glorificados, e por outro lado a polícia e os soldados são generalizadamente hostilizados. São os policiais e soldados que deveriam receber as melhores remunerações da carreira pública, não os políticos.
Por fim reforço que o liberalismo contém em seu âmago todos os valores civilizatórios que possibilitaram a existência da sociedade tal como a conhecemos, inclusive nos valores que possibilitaram o desenvolvimento da concepção dos direitos humanos e dos direitos animais.
Os direitos animais e o veganismo são fenômenos sumamente liberais e é inadmissível que tais conceitos sejam sequestrados e deturpados pela “militância de esquerda”, tal como foi feito com outros movimentos nobres.
Com isso não quero dizer que me estranha que partidários da “esquerda” queiram ser veganos, porque desta forma eu estaria incorrendo no mesmo erro que me levou a escrever esta série de textos: Dar uma resposta definitiva aos veganos de “esquerda” exclusivistas.
O veganismo deve ser um movimento universal e todos os seres humanos deveriam praticá-lo. Restringir a este ou àquele grupo, como alguns partidários da “esquerda” fazem, apenas presta um desserviço ao veganismo e à propagação da causa animal.
Após a repetição desta grande mentira, de que o veganismo é um movimento de “esquerda”, haver sido repetida mil vezes, pode ser que ela tenha se tornado verdade na cabeça de muita gente. Daí vermos pessoas se desligando do movimento (ainda que praticando o veganismo “na clandestinidade”) e muitas pessoas sequer aderindo ao movimento, por não quererem se passar por esquerdistas.
Eu tenho absoluta certeza de que jamais pensarei como uma pessoa que se diz “de esquerda”, mas também tenho certeza de que sempre serei vegano, ainda que eu possivelmente tenha de usar outro nome para me definir, assim que o veganismo for consolidado como de “esquerda”. Eu já era vegano antes destas pessoas entrarem para este movimento e tentarem coopta-lo para si, e continuarei nele depois que muitas destas pessoas que hoje se apropriam dele já tiverem saído.

Você viu?

Ir para o topo