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REDUÇÃO DO HABITAT

Desmatamento, avanço da agricultura e pecuária, garimpo ilegal, entre outras ameaças colocam em risco mais de 200 espécies da Amazônia

Nos últimos 10 anos, o número de espécies encontradas no bioma que estão ameaçadas de extinção aumentou em mais de 65%

5 de abril de 2024
Evanildo da Silveira, para Um Só Planeta
6 min. de leitura
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Foto: GettyImages

A lista de ameaças à biodiversidade da Amazônia é proporcional ao seu tamanho. Nela constam desmatamento, queimadas, garimpo, mineração, construção de hidrelétricas, caça ilegal, avanço da agricultura, pecuária e urbanização, sem esquecer, claro, das mudanças climáticas. Tudo isso reduz os habitats dos animas e os colocam em risco. Hoje, 221 espécies sob algum grau de ameaça.

De acordo com levantamento do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (SALVE), lançado em agosto do ano passado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), desse total 33 estão na categoria Criticamente em Perigo; 47, na Em Perigo; e 136, na de Vulnerável. O SALVE é uma plataforma online, que reúne cerca de 15 mil espécies avaliadas quanto a seu risco de extinção.

Segundo o pesquisador Samuel Campos Gomides, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), a Amazônia vive hoje um avanço do desmatamento, e algumas áreas até mesmo emitem mais carbono do que sequestram. “Algo inimaginável há algumas décadas”, diz. “Isso afeta a biodiversidade, e o país como um todo, já que grande parte das chuvas no Brasil dependem da umidade da Floresta Amazônica.”

Ele diz que efeitos das mudanças climáticas, oriundos em parte do avanço da destruição da Amazônia, impactam diretamente a biodiversidade, uma vez que as alterações ambientais levam populações de animais ao declínio, e até mesmo a extinção local. “Nos últimos 10 anos, o número de espécies encontradas na Amazônia que estão ameaçadas de extinção aumentou em mais de 65%”, conta. “Falando dos animais vertebrados, já são mais de 200 espécies enquadradas em alguma categoria de ameaça de extinção.” Entre eles estão a onça-pintada, o tamanduá-bandeira, peixe-boi-da-amazônia, ararajuba (ave) e a anta.

De acordo com Gomides, as principais ameaças, “sem dúvida”, são o desmatamento e alteração antrópica de hábitat. Atividades de garimpo, mineração e derrubada de mata ou queimada, alteram o habitat, e afetam a capacidade dos animais sobreviverem. “Além disso, o garimpo também altera a qualidade da água, e afeta toda a fauna aquática, incluindo os peixes, uma das principais fontes de proteína animal das populações ribeirinhas e povos originários”, acrescenta. “Adicionalmente, o garimpo também ameaça a saúde pública através da contaminação dos rios.”

O pesquisador da UFOPA explica ainda que destruição da Amazônia aumenta os efeitos das mudanças climáticas, e essas mudanças são um dos maiores vilões para as espécies nativas do bioma. Alguns grupos, como os anfíbios e répteis, são ainda mais suscetíveis a elas, e já é possível observar os impactos negativos que eles sofrem com o aquecimento global.

O biólogo Fernando Dagosta, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), por sua vez, lembra que, embora a Amazônia “seja gigantesca”, ela não é homogênea. “Cada pedaço do bioma amazônico comporta uma diferente fauna e flora”, explica. “Isso se intensifica ao percebermos que os rios amazônicos são limitantes à distribuição de algumas espécies de animais terrestres. Algumas aves e mamíferos, por exemplo, não conseguem atravessar alguns rios, então ficam confinadas às regiões de interflúvios entre eles.”

Ou seja, embora a Amazônia seja enorme, ela possui diferentes unidades faunísticas, que, por sua vez, enfrentam diferentes graus e tipos de ameaças. “Por exemplo, as terras mais altas da Amazônia onde ficam os afluentes da margem direita do rio Amazonas, como o Tapajós, o Xingu e Tocantins-Araguaia têm a expansão agropecuária como maior ameaça”, diz Dagosta. “Nos trechos médio-superiores desses rios encontra-se o arco do desmatamento, que vem avançando conforme a floresta é transformada em pastagens e campos cultiváveis de soja e algodão.”

Para ele, é evidente que essa alteração do ambiente diminui a área habitável das espécies, fazendo com que muitas sejam localmente extintas ou tenham que se deslocar para encontrar ambientes menos perturbados. Já na região de terras altas amazônicas onde ficam os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, como o Oiapoque, o Jari, o Trombetas e Uatumã, por exemplo, o acesso é muito mais difícil. Nessas regiões não existem estradas asfaltadas ou grandes cidades. Há atividade de garimpo e caça ilegal, mas são ameaças muito mais difusas do que aquelas encontradas na margem direita.

Dagosta lembra ainda, que tanto as terras altas amazônicas das margens direita e esquerda do rio Amazonas sofrem com a construção de hidrelétricas, que são particularmente deletérias para a biota aquática. “Já a região de terras baixas amazônicas, que inclui a calha do próprio Amazonas e praticamente toda a Amazônia a jusante (abaixo) da confluência entre os rios Solimões e Negro, tem situação de conservação muito mais confortável”, diz.

“Nessa região, totalmente influenciada pelo regime de secas e cheias do rio Amazonas, o transporte é majoritariamente realizado por barco ou avião. O difícil acesso limita a presença humana, composta basicamente por ribeirinhos e povos tradicionais. Nessa região a ameaça é o garimpo ilegal e a caça para consumo local.”

Apesar de todos os problemas e ameaças que as espécies da Amazônia vêm sofrendo, Gomides acredita que a situação seja reversível, embora não seja uma tarefa fácil. “Precisamos preservar os habitats onde essas espécies ocorrem, e frear as mudanças climáticas”, defende. “A receita é fácil, mas executá-la é muito difícil. Temos observado o avanço do desmatamento, e queimadas criminosas, associadas a um negacionismo climático latente em muitos setores.”

Gomides diz que se soma a isso “um lobby do agronegócio” e “até mesmo um incentivo de uma ala política” para avançar sobre as áreas naturais tal qual era o lema da ditadura militar na década de 1970 durante a “conquista do inferno verde”, como eles se referiam a Amazônia. “O mundo precisa refletir sobre o modelo econômico vigente se quiser frear as mudanças climáticas”, recomenda.

Fonte: Um Só Planeta

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