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EXTINÇÃO

Boto-rosa, tamanduá e outros animais que podem sumir com a mudança climática

4 de abril de 2024
Rone Carvalho
6 min. de leitura
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Foto: Matheus Marini | Wikimedia Commons

Aumento da temperatura, redução das chuvas em algumas regiões e intensificação em outras, redução da umidade do ar com surgimento de regiões áridas e intensidade de eventos climáticos extremos.

Esses são alguns dos cenários previstos para o Brasil, caso ações para mitigar as mudanças climáticas não sejam adotadas. No rol de seres vivos mais afetados, os animais aparecem na liderança.

Isso porque a maioria das espécies não dispõe de variabilidade e tempo suficiente para se adaptar aos novos padrões climáticos. Como consequência, especialistas ouvidos pelo Ecoa apontam que muitos animais correm risco de extinção.

Ludmilla da Costa-Pinto, coordenadora do Setor de Mastozoologia no Museu de História Natural da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) é uma das pesquisadoras brasileiras que tem se dedicado a entender como as mudanças climáticas ameaçam as espécies brasileiras.

A Caatinga já sofre

Com foco na Caatinga, bioma brasileiro que já apresenta sinais de desertificação em alguns pontos, Ludmilla estuda como os efeitos do aumento da temperatura e da redução da precipitação (chuvas) interfere na vida dos pequenos mamíferos não voadores que vivem no Nordeste.

“Na Caatinga, os efeitos sobre os animais em geral podem ser diretos ou indiretos. Direto no sentido de consequências fisiológicas, como o estresse térmico, que seria o superaquecimento corporal, e estresse hídrico, que seria a sede. Agora, os efeitos indiretos vão desde a redução na disponibilidade de recurso alimentar até a transformação do ambiente como um todo em uma área inadequada para sobrevivência das espécies”, explicou.

Em regra, com as mudanças no clima, os animais passam a ter três opções:

  • tentar sobreviver no mesmo local em condições inadequadas, mudando seu comportamento;
  • tentar dispersar para outras áreas que tenham um habitat parecido com as que eles viviam;
  • serem extintos de regiões onde eram comuns de serem encontrados.

“O problema para a biodiversidade é que como tais mudanças estão ocorrendo muito rapidamente, a maioria das espécies não dispõe de variabilidade e tempo suficiente para que surjam adaptações aos novos padrões climáticos.” – Adriano Pereira Paglia, biólogo da UFMG

Espécies que mais correm risco

Segundo os pesquisadores, cada animal pode reagir de uma forma as mudanças do clima. No entanto, espécies mais especializadas, ou seja, que são encontradas apenas em determinada região, tendem a correr mais risco de serem extintas.

“Espécies com baixa capacidade de dispersão terão maior dificuldade de se adaptarem. Assim, diversos anfíbios, que dependem de condições climáticas específicas e são reconhecidos por ter baixa dispersão estão muito ameaçados”, ressaltou Paulo de Marco Júnior, coordenador do curso de Ecologia e Análise Ambiental do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Ainda segundo Paulo, em todo mundo, existe uma atenção especial da comunidade científica internacional para espécies que ocorrem em montanhas, como espécies de libélulas, abelhas e besouros, porque são adaptadas a condições muito específicas que podem ser totalmente perdidas com as mudanças do clima.

“Um estudo de 2022 mostrou diminuição drástica esperada na distribuição de três espécies de preguiças, o que aumenta seu risco de extinção. Isso porque preguiças e tamanduás, pelas suas características de metabolismo lento, são especialmente vulneráveis aos efeitos da mudança climática.” – Paulo de Marco Júnior, coordenador do curso de Ecologia da UFG

Adriano Pereira Paglia, biólogo, professor e pesquisador da UFMG, ressalta algumas espécies de mamíferos aquáticos na Amazônia, como o boto-vermelho e a ariranha, também correm risco de desaparecerem de algumas regiões, diante da savanização de porções da Amazônia.

Já na Caatinga, os animais que mais correm risco de extinção com as mudanças do clima são: Oxymycterus delator, Trinomys albispinus, e o marsupial Monodelphis americana.

“Também podemos citar o roedor Kerodon rupestris, conhecido no Nordeste como mocó. Ele já está na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção e deve perder área climaticamente adequada na Caatinga nos próximos anos, o que somado à forte pressão de caça que essa espécie sofre, pode levar à extinção.” – Ludmilla da Costa-Pinto, do Museu de História Natural da UFAL

Efeito em cadeia

Quando um animal é extinto não é apenas ele que é afetado, mas toda uma cadeia. Assim, a extinção de um animal, pode levar consigo a extinção de vários outros, segundo os pesquisadores.

“A extinção de uma espécie de animal também empobrece as funções ecológicas que ocorrem no ecossistema, algumas inclusive que trazem benefícios para os seres humanos, como polinização e controle de pragas”, diz Adriano Pereira Paglia.

Como exemplo, Paulo de Marco Júnior cita as abelhas. “A extinção de abelhas especializadas afeta a polinização de plantas e pode levar ao que chamamos de uma extinção em cascata: a perda do polinizador leva à perda de espécies de plantas que consequentemente deve afetar os herbívoros e frugívoros que dela se alimentavam”.

Opinião similar com a de Ludmilla que ressalta que, a partir de um desaparecimento de determinada espécie, outras que eram controladas pelo animal extinto, podem se tornar pragas.

“Os pequenos mamíferos são importantes dispersores de sementes, polinizadores, transportadores de nutrientes nos ecossistemas, controlam populações de espécies que podem se tornar pragas, como alguns insetos, e são alimento de outras espécies, que também desempenham suas funções no ecossistema”, destacou.

O que pode ser feito

Especialistas são unânimes em afirmar que para mitigar as mudanças climáticas, que já estão acontecendo, antes é necessário que as pessoas entendam o seu papel na preservação ambiental.

“É preciso, primeiro, admitir e agir de forma objetiva para que o aumento da temperatura que já é irreversível, não exceda o limite de poucos graus. Isso ainda não está realmente garantido e muitos governos se comportam como se esse problema não existisse.” – Paulo de Marco Júnior, coordenador do curso de Ecologia da UFG.

Ao mesmo tempo, segundo Adriano, é necessário entender que mitigar efeitos de mudanças climáticas significa reduzir emissões de gases de efeito estufa para que a população consiga limitar o aquecimento a no máximo 1,5 grau até 2050.

“Então a principal estratégia é a descarbonização da economia, o controle das emissões de gases e, no caso do Brasil, a interrupção do desmatamento na Amazônia e o investimento na restauração na Mata Atlântica”, defendeu Adriano.

Por fim, Ludmilla ressalta o papel do incentivo às políticas públicas de conservação como ação de mitigação. “Apesar de ser um problema mundial, ações individuais e, principalmente, políticas devem ser tomadas. Individualmente, através do consumo consciente, pautando a redução do consumo, reutilização. Mas nada disso adianta se não mudarmos as políticas nacionais para diminuir nossa dependência de combustíveis fósseis e para redução de gases do efeito estufa, entre eles o metano gerado pela pecuária”.

Fonte: ECOA

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