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AMAZÔNIA

Balanço final de ONG mostra que 330 botos morreram no Amazonas em 2023, na vazante

A estimativa é de que a perda tenha sido de cerca de 12% da população das espécies cor-de-rosa e tucuxi apenas no Lago Tefé.

17 de fevereiro de 2024
Redação 18 Horas
8 min. de leitura
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Foto: Dan Riskin | Wikimedia Commons

Integrantes da força-tarefa liderada pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá fecharam o balanço da crise que afetou a população de botos nos lagos Tefé e Coari, no interior do Amazonas: 330 animais morreram desde 23 de setembro de 2023, sendo 219 botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e 121 tucuxis (Sotalia fluviatilis). O salto de cerca de 20% após a divulgação do último levantamento de óbitos ocorreu principalmente porque diversas carcaças ficaram presas debaixo de flutuantes que atuavam na emergência e só puderam ser encontradas quando os equipamentos foram desmontados. “Este é o número oficial que registramos. Mas tenho certeza de que houve mortes em outros lugares porque existem mais de 50 lagos na região e que não foram monitorados”, alerta a oceanógrafa Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá.

Essa foi a primeira vez que o calor, a crise climática, matou mamíferos aquáticos dessa maneira no mundo todo. “A estimativa é de que a perda tenha sido de cerca de 12% da população de botos no Lago Tefé”, lamenta Mariana Paschoalini Frias, analista de conservação do WWF-Brasil e coordenadora do SARDI (Iniciativa Sul-Americana dos Golfinhos Fluviais). “Estamos nos preparando para evitar que isso se repita em 2024, mas mudar esse cenário de pressão depende da ação de diversos setores da sociedade e do poder público dentro e fora do país”. Em alguns pontos daquela região, a temperatura da água chegou a quase 41°C entre setembro e outubro do ano passado. Isso levou os animais ao estresse térmico, parando de se alimentar e, consequentemente, perdendo a capacidade de regular a temperatura corporal.

Embora a seca que castigou a Amazônia em 2023 tenha sido produzida por uma combinação entre mudanças climáticas – com o aquecimento anormal do Oceano Atlântico Norte – e a ocorrência do fenômeno El Niño, caracterizado pela elevação da temperatura do Oceano Pacífico Equatorial, o peso desses dois fatores foi bem discrepante. Um estudo do World Weather Attribution, que reuniu 18 cientistas do Brasil, Reino Unido, Holanda e Estados Unidos, concluiu que cerca de 75% do problema decorreu das mudanças climáticas e apenas 25% do El Niño. Ou seja: combater as mudanças climáticas é crucial para evitar e mitigar esse tipo de crise.

Mas as notícias não são boas. Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que realiza medições há 174 anos, mostram que a temperatura do planeta bateu recorde em 2023. No Brasil, essa alta se refletiu não apenas na estiagem sem precedentes na Amazônia como também em desastres climáticos em outras regiões do país, incluindo chuvas intensas, temporais e ciclones no Sul e no Sudeste que deixaram milhares de desabrigados e mais de uma centena de mortos, além de consideráveis perdas econômicas.

Precipitação abaixo da média

Para piorar, na última semana de janeiro, os índices de precipitação continuavam abaixo da média em grande parte da Amazônia. “Existe uma boa faixa nas partes oeste e central onde as chuvas se estabeleceram e estão até acima da média. Mas no sul e no nordeste do bioma ainda está muito seco e a tendência é que continue assim por mais alguns meses”, salienta o meteorologista Tércio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP (Universidade de São Paulo).

O climatologista José Marengo, coordenador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), destaca que o El Niño atingiu sua máxima intensidade nos últimos meses e as previsões são de que fique mais fraco apenas em meados de 2024. Mas ainda não é possível dizer com precisão o que vai acontecer e o fenômeno pode, inclusive, se intensificar. “Se o El Niño não enfraquecer, há risco de uma nova seca extrema chegar antes da recuperação total do bioma. Neste momento, a tendência é de melhora, porque está começando a chover”, frisa. “Porém, as chuvas começaram só na virada do ano, quase dois meses mais tarde que o normal e estão voltando aos poucos. Ainda não estão caindo no volume necessário para proporcionar uma recarga completa dos rios e resolver o problema da seca.”

“A estação seca mais longa faz com que partes da floresta fiquem mais suscetíveis a queimadas – o que, em conjunto com o desmatamento, aumenta a emissão de carbono para a atmosfera, contribuindo para a intensificação das mudanças climáticas”, explica Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil. “É um ciclo vicioso que leva a alterações na composição, na estrutura e em funções ecológicas em extensões cada vez maiores da Amazônia. Isso impacta tanto a vida das comunidades que habitam essa região, como das que estão a quilômetros de distância das áreas destruídas”, acrescenta.

As primeiras pessoas que sofrem com a pressão climática são as que vivem na Amazônia, como populações ribeirinhas que ficaram isoladas, com dificuldade de obter serviços essenciais como abastecimento de água, comida, saúde e educação. Tanto que, na maior parte das comunidades, a pesca ainda não se recuperou, os transportes continuam prejudicados, os preços, que saltaram durante a estiagem do ano passado, não baixaram aos níveis anteriores à seca e a agricultura foi arruinada pela escassez de chuvas.

Mais de 900 mil pequenos agricultores vivem e trabalham na Amazônia, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “O plantio foi atrasado e quem está iniciando o replantio agora pode não ter tempo para a colheita antes da chegada de uma próxima seca”, salienta Marengo. Isso significa que, além de perder uma produção que geraria renda com a venda do excedente, a falta desses alimentos pode potencializar a insegurança alimentar dessas e de outras famílias da região. Um problema já vivido no ano passado.

Situação em Santarém

A agricultora Dioneia dos Santos Pereira, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Santarém, no Pará, conta que mais de 15 mil agricultores ligados à instituição foram afetados pela seca e que eles esperam com apreensão a volta das chuvas. “Choveu um pouquinho, mas não o suficiente para encharcar a terra. Muita gente plantou a maniva e o milho esses dias, mas a chuva não veio com força, então a planta não consegue ir para frente e morre. Isso compromete a segurança alimentar e estamos preocupados com a fome na região. Queira Deus que não aconteça, mas é preocupante”.

Dioneia pontua que nas regiões de várzea, onde as plantações foram duramente atingidas durante a seca, há dificuldade em restabelecer o cultivo. “A macaxeira, por exemplo, tem um ciclo de seis meses entre o plantio e a colheita. Muita gente perdeu a plantação porque a chuva não veio. E se a tentativa de replantio é feita muito tarde, a enchente pode começar e impedir a colheita”, afirma.

O STTR representa nove regiões do enorme município de Santarém. Em todas elas, frisa Dioneia, as famílias perderam plantações de batata, mandioca e a produção de farinha e derivados. “Também houve uma mortalidade de peixes muito grande, porque as águas esquentaram demais. A dificuldade de transportes era enorme. Algumas pessoas tinham que andar sete quilômetros para conseguir água potável”, lembra.

Com cerca de 400 famílias, a comunidade Urumanduba, onde Dioneia vive desde que nasceu, há 49 anos, fica a oito quilômetros da cidade de Santarém. Outras comunidades das regiões de Lago Grande, Arapiuns, Arapixuna, Cumaúma e Chapadão são muito mais afastadas. “As crianças dessas comunidades foram especialmente prejudicadas. Elas iam de barco às escolas, mas como secou tudo era preciso andar vários quilômetros. Na região do Arapixuna, as crianças chegavam a andar 18 quilômetros a pé, da comunidade de Muacá até a comunidade de Carareacá, onde fica a escola”, diz.

A estimativa do sindicato é que a produção da agricultura familiar tenha caído 70% durante a seca. E esse não é o único problema. “Com a morte de peixes, já é alto o risco de insegurança alimentar. Minha comunidade fica à beira do rio Humaitá e os peixes todos morreram. Algumas pessoas criam gado lá e estão preocupadas porque o pasto agora está seco”, alerta a coordenadora do STTR.

Depois da pior seca da história da Amazônia, as chuvas voltaram em algumas áreas e os níveis dos rios começaram a subir. Mas os relatos mostram que os problemas sociais e econômicos causados pela estiagem extrema de 2023 persistem. Assim como o temor de cientistas de que neste ano uma nova seca de grandes proporções aconteça, aprofundando os prejuízos ao ciclo hidrológico da região. Se isso se confirmar, o impacto será dramático para todo o ecossistema e aproximará ainda mais o bioma do ponto de não retorno, a partir do qual os rios e a floresta perderão a resiliência e não conseguirão mais se recuperar.

Desde que as primeiras carcaças foram identificadas, em setembro de 2023, o WWF-Brasil tem atuado em parceria com as forças-tarefas lideradas pelo Instituto Mamirauá e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, fornecendo combustível, Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos veterinários e apoio logístico para o deslocamento de voluntários.

Assim como dando suporte no planejamento e mapeamento de áreas sensíveis aos animais, utilizando inclusive modelos climáticos. A expectativa é de que ainda no primeiro semestre seja realizado um workshop com especialistas de todas as organizações parceiras para discutir os aprendizados trazidos pela crise de 2023 e estabelecer protocolos para evitar e mitigar eventos semelhantes no futuro próximo.

A organização também está em contato com parceiros locais e mobilizada para apoiá-los no enfrentamento da crise humanitária causada pela seca na região amazônica, pois as consequências são especialmente dramáticas para as populações mais vulneráveis, como indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos. Cerca de 60 toneladas de alimentos estão sendo entregues para mais de 3.900 famílias em comunidades impactadas pelo desabastecimento nos estados do Pará, Amazonas e Rondônia.

Em outra frente, o WWF-Brasil intensificou doações de equipamentos para brigadas de combate ao fogo, especialmente em assentamentos e comunidades ribeirinhas e indígenas, devido às queimadas que ocorreram na Amazônia por conta da estiagem. Em dezembro de 2023, foram apoiadas três brigadas, duas no Tapajós e uma no Amazonas. E esse trabalho continua em 2024.

Fonte: 18 Horas

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