O professor faixa preta, Leon Denis, e a instrutora faixa roxa, Evelyn Lemes, ambos atletas veganos, abriram na cidade de Governador Valadares, Minas Gerais, a primeira escola de jiu-jítsu exclusivamente voltada para o público feminino.
Segue abaixo a entrevista que fizemos com ele e com ela.
ANDA: Como surgiu a ideia de fundar uma escola de defesa pessoal feminina?
Leon: Diante de toda violência sofrida todos os dias, muitas mulheres buscam nas tradicionais academias de jiu-jítsu uma solução para esse problema. E infelizmente, a tradição do jiu-jitsu brasileiro é predominantemente masculina, e, por conseguinte, machista. Eu não estaria exagerando ao dizer que em alguns espaços o que vemos é a completa misoginia. Por isso, muitas alunas, após sofrerem diversos assédios dentro daquele ambiente que deveria acolhê-las e dar todo o suporte que elas precisam, decidem abandonar a prática marcial. Desde a metade da década de 1990 eu convivo com isso. O que me gera um tremendo incomodo. Mas não era graduado o suficiente para abrir minha própria escola, onde as meninas e mulheres pudessem se sentir acolhidas, bem-vindas, sem assédios.
Foram anos vendo dentro de escolas de jiu-jítsu o descaso com alunas, o desdém, e o que hoje tenho consciência que é assédio nas suas mais variadas formas. Em 2010 eu criei o projeto “Arte Suave na escola”, onde eu dava aula de jiu-jitsu sem kimono para as alunas da escola estadual Augusto Ribeiro de Carvalho, zona oeste de São Paulo. Usávamos a sala de aula no período noturno. Retirávamos as carteiras e colocávamos o tatame (que eu comprei e levei para escola). Começou ali o que viria a ser a DIAITA Jiu-Jítsu hoje.
Em 2014 mudo para o interior de Minas Gerais, e em 2015 reproduzo o projeto. Primeiro usando a sala de aula, depois a quadra da escola. Assim como em São Paulo, o boicote por parte dos colegas docentes impossibilitou o projeto de seguir adiante. Em 2018, consegui introduzir as aulas de jiu-jitsu sem kimono feminino em um dos campi do IFMG, onde permanecemos por apenas seis meses. Em 2019, começamos a construção do nosso espaço próprio, onde hoje é nossa escola. A pandemia de Covid-19 durante 2020 manteve a porta fechada, e somente agora no final de 2021, com um bom volume de vacinação, podemos abrir.
É importante destacar que o jiu-jitsu é considerado uma das mais completas defesas pessoais do planeta. E sua criação se deu justamente a partir de técnicas desenvolvidas onde o mais fraco conseguia dominar o mais forte. Com técnicas de alavancas, e usando a força do agressor, é possível que a vítima e mais fraca fisicamente consiga dominar e sair ilesa. Por isso, o jiu-jitsu é super indicado para as mulheres aprenderem a lidar com as situações de violência. No entanto, o machismo dominante dentro das equipes afasta as mulheres ao contrário de atraí-las. É em resposta aos assédios cometidos dentro das equipes tradicionais de jiu-jitsu brasileiro, que nasce a escola de defesa pessoal feminina DIAITA jiu-jítsu.
ANDA: O que diferencia a Diaita de uma escola tradicional de jiu-jítsu?
Leon: A escola é a primeira instituição do gênero exclusivamente dedicada ao público feminino. Logo, uma escola pioneira e de vanguarda. As aulas são voltadas para aplicação das técnicas marciais do jiu-jítsu (e de outras artes marciais) à realidade das ruas e ambientes frequentados pelas mulheres que podem vir ocorrer alguma situação de violência. As aulas são realizadas com roupas do dia a dia, como calça legging, short legging, top e camiseta (rashguard); modelo mundialmente conhecido como jiu-jítsu sem kimono (jiu-jitsu No-Gi ou Submission Grappling).
Além das técnicas marciais de defesa pessoal, a escola tem como missão oferecer minicursos de nutrição esportiva, ou seja, realizar um trabalho pedagógico de reeducação alimentar, voltado para uma alimentação saudável, com orientação de especialistas: nutricionistas e nutrólogas veganas. A escola também oferecerá minicursos de direitos das mulheres ministrados por especialistas das áreas jurídica e ética. Aulas e seminários oriundos da psicologia e da psicanálise também serão ministrados com intuito de auxiliar/orientar as alunas que passaram ou estão passando por situações de violência doméstica.
Outro diferencial é que somos a primeira escola de jiu-jítsu feminina a ter um “Conselho Pedagógico” no mundo, formado por professoras e atletas de diversas equipes e estados da federação. O conselho tem como função dar um suporte ético no combate aos assédios e outras formas de violências dentro e fora do tatame. Esperamos que nosso processo educativo impeça a ocorrência de qualquer desvio ético, mas se ocorrer, temos um conselho para avaliar e julgar a melhor atitude a ser tomada.
A escola de defesa pessoal feminina DIAITA jiu-jítsu é muito mais que uma tradicional academia de artes marciais. É uma escola que através das artes marciais busca dar outra perspectiva de vida para suas alunas, orientando-as e auxiliando-as nos mais diversos planos das relações humanas em sociedade. Instruindo-as sobre como lidar com as adversidades psicofísicas e morais cotidianas.
ANDA: Fala-se muito dos benefícios das artes marciais para seus praticantes. Quanto ao jiu-jítsu feminino, quais são?
Evelyn: Os benefícios da prática do jiu-jítsu para as mulheres são de diversas ordens: físico, emocional e moral. Podemos citar 10 exemplos:
1. Sua prática trabalha todos os músculos do corpo, com especial destaque para abdômen, ombros, os braços e quadril.
2. Sua prática acelera a capacidade cardiovascular e respiratória.
3. Sua prática aumenta a flexibilidade.
4. Sua prática proporciona um sono saudável e reparador.
5. Sua prática em conjunto com uma orientação nutricional pode auxiliar tanto no emagrecimento como no ganho de massa muscular.
6. Sua prática desenvolve a autoestima, a autoconfiança e a coragem.
7. Sua prática traz disciplina e concentração.
8. Sua prática está alicerçada no espírito de amizade e companheirismo.
9. Sua prática desenvolve uma forte noção de respeito para consigo e para com os outros.
10. Sua prática bem orientada desenvolve a humildade e o autoconhecimento.
ANDA: O que é o projeto “adote uma lutadora”?
Evelyn: É um projeto que busca madrinhas e padrinhos para as alunas que não podem pagar uma mensalidade do seu curso. Muitas moças e mulheres desejam aprender uma arte marcial para se defenderem, além dos outros benefícios citados acima. Mas não dispõem de condição financeira para frequentarem uma escola de defesa pessoal. Para a viabilização desse projeto, de oferecer gratuitamente para o público feminino de baixa renda, em estado de vulnerabilidade socioeconômica, bolsas de estudos, buscamos o apoio financeiro no valor de R$ 50,00 mensais.
Pessoa física e jurídica que tiver interesse em ser madrinha ou padrinho, que tenha condições de pagar essa mensalidade de R$ 50,00 basta entrar em contato com nós, pelo email: [email protected], no whats: (33) 98415-5982 ou pelo @diaitajiujitsu
ANDA: Por que a escolha pelo jiu-jitsu sem kimono?
Evelyn: o principal motivo é de ordem econômica. Kimono é caro, e uma praticante de jiu-jítsu deveria ter mais que um kimono para os treinos diários. Por outro lado, a calça legging, short legging, top e camiseta, são roupas do dia a dia, que toda mulher tem. É bem mais barato. Outro motivo é o nosso treino ser focado na defesa pessoal, no jiu-jítsu voltado para rua, para situações do cotidiano, onde a mulher poderá usar técnicas que são proibidas pelo jiu-jítsu desportivo (voltado para campeonatos e com regras). É importante ressaltar que se alguma aluna despertar o interesse em competir no jiu-jítsu sem kimono, o treino dela será direcionado para atender esse desejo. O professor Leon é muito experiente nessa parte, foi pentacampeão brasileiro de jiu-jítsu sem kimono, campeão europeu (na Itália) e vice-campeão mundial (na Califórnia, USA), além de muitos outros títulos nacionais e internacionais. Por outro lado, o fato de sermos uma escola de Submission Grappling, não nos impede uma vez ou outra de realizar treinos com kimono. Se marcas de kimonos quiserem doá-los para nossas alunas, fiquem a vontade. Serão muito bem vindos. Usaremos e divulgaremos a parceria.
ANDA: Perspectivas futuras?
Leon: Muitas. Que a cada dia mais e mais mulheres passem a frequentar as escolas de artes marciais. E que o jiu-jítsu, em especial, deixe de ser machista. Que caminhemos para uma sociedade onde o sexismo que conduz ao feminicídio não seja mais uma dura realidade, mas um passado superado. Sexismo esse que leva também a homofobia, a transfobia, e muitas outras discriminações somatofóbicas assassinas.
Esperamos que em breve nossa escola DIAITA Jiu-Jítsu possa oferecer suas atividades 100% gratuitas, e que seja um espaço de promoção de uma visão de mundo eticamente genuína: sem elitismo, sem racismo, sem sexismo, sem especismo.