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CRIATIVIDADE

'Vontade de viver': Mulheres criam floresta em lixão dominado pelo crack

Muitas das mulheres que aderiram ao projeto eram as principais responsáveis pela renda de suas casas e haviam acabado de perder seus empregos

16 de agosto de 2022
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Poliana Conceição faz parte do Autonomia ZN. Foto: Ramana Rech Duarte | UOL

Ora-pro-nóbis é uma planta comestível e resistente que se popularizou nos quintais de moradores do Jardim Filhos da Terra, bairro da Zona Norte de São Paulo (SP).

Quem trouxe as mudas da planta foi a Autonomia ZN. A iniciativa surgiu da união de dois coletivos que atuam no extremo norte da capital: Do Estradão e Cestas ZN. O primeiro transformou um lixão em uma floresta de permacultura. Já o Cestas ZN distribui alimentos produzidos dentro da rede de coletivos.

Antes de se tornar uma floresta de permacultura, a área era destinada ao despejo de lixo da comunidade. Há seis anos, o Coletivo do Estradão se propôs a modificá-la por meio de um edital promovido pela Lei de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O terreno ainda abrigava um cemitério de animais.

Resta até hoje uma pequena quantidade de lixo na floresta de permacultura. Mas o avanço foi grande. Quando o coletivo começou os trabalhos, o acúmulo de resíduos chegava até a margem do rio. Para evitar mais acúmulo no local, a Autonomia ZN tem apostado na educação ambiental dos moradores da região, O trabalho está gerando frutos. A quantidade de lixo despejado no local vem caindo à medida que os moradores vão aprendendo sobre o terreno.

Localizada em um território demarcado pelo crack, a floresta medicinal criada por eles no bairro reaproveita o que iria para lixo no cultivo de Plantas Alimentícias Não Comestíveis (PANCs), ervas medicinais e espécies filtradoras que melhoram a qualidade do ar. O polímero dos colchões, por exemplo, retém água e diminui a frequência necessária para regar as plantas. Já os cobertores se tornam uma forma de abafar o crescimento das raízes.

O espaço está aberto para que os habitantes do Jardim Filhos da Terra possam ir até o local e colher ervas medicinais e PANCs com o auxílio dos permacultores. A floresta também se tornou lugar para aprendizado e lazer das crianças da região.

O xodó da meninada é o limonete, uma planta cujo cheiro lembra limão e pode ser utilizada no preparo de chás. No Jardim Filhos da Terra, o apelido do limonete é “planta da calma”. Dentro do projeto, as crianças foram estimuladas a pegar, sentir o cheiro do limonete quando estivessem chateadas. Além de ajudar a lidar com sentimentos ruins, a atividade estimula o sentido dos pequenos.

Outra frente da rede de coletivos é a geração de renda, em especial para mulheres. As vendas dos produtos da Autonomia ZN tiveram início em maio de 2020. O objetivo era proporcionar uma forma de ganhar dinheiro diante do cenário precário da pandemia. Muitas das mulheres que aderiram ao projeto eram as principais responsáveis pela renda de suas casas e haviam acabado de perder seus empregos.

Rosemeire Souza, produtora de pães, mostrando a ora-pro-nóbis de seu quintal. Foto: Ramana Rech Duarte | UOL

Os pãezinhos de Rose

Rosemeire Souza, 56, foi uma das primeiras mulheres a se juntar ao projeto. Quando ainda não havia Autonomia ZN, ela preparava os almoços dos mutirões promovidos pelo Do Estradão. Nesses almoços, Rose passou a ter contato com a ora-pro-nóbis e incluiu a planta à sua alimentação no dia a dia.

Com a chegada do novo corona vírus no Brasil, ela conta que perdeu os trabalhos que mantinha como diarista. Produzir pães, nhoques, molho e extrato de tomate foi a solução para trazer dinheiro para dentro de casa.

Percebeu, então, que além de usar a planta recém-descoberta por ela em salada e sucos, poderia utilizá-la como um ingrediente para fazer e vender pães. “O que mais sai dos meus pães é o de ora-pro-nóbis. É um sucesso!”, diz Rose. Hoje, colhe as folhas da pro-nóbis, que usa de matéria-prima para seus produtos, do próprio quintal.

Os almoços de Poliana

Não à toa, a rede de coletivos é composta majoritariamente por mulheres. As atuais gestoras estratégicas, Daniele Teófilo e Fernanda Suemi, procuraram instigar as mulheres do Jardim Filhos da Terra a utilizar habilidades que elas já tinham como forma de conseguir gerar renda.

“Muitas daqui são mães solo. Elas não têm fonte de renda alguma. Era o Bolsa Família e algumas conseguiam fazer uma faxina ou outra. Com a pandemia, ficaram zeradas. Então, a Autonomia ZN foi uma oportunidade delas conseguirem se sustentar”, explica Daniele.

A cada 15 dias, a Autonomia ZN organiza mutirões aos sábados com atividades para as crianças, como pintura e rodas de conversa, e um almoço feito por uma das integrantes da rede de coletivos. Esses eventos são uma forma de integrar a comunidade e promover o acolhimento, além de aproximar as crianças de um espaço verde e de cooperação. As refeições são bancadas por meio da arrecadação de uma vaquinha on-line.

Poliana Conceição na cozinha da sede da Autonomia ZN. Foto: Ramana Rech Duarte | UOL

Poliana Conceição dos Santos, 30, tira seu sustento e de seus três filhos do preparo desses almoços e do Auxílio Brasil. Há dois meses, ela deixou seu emprego em uma casa de repouso. “Os almoços são o que mais estão me ajudando em casa porque, no momento, ficar parada está meio difícil”.

Poli se interessou pela Autonomia ZN em 2021. Na época, estava sofrendo de uma série de problemas de saúde. Ela conta que não se alimentava bem e ficou curiosa com os ingredientes oferecidos pelos mutirões, apenas vegetais. “Antes eu só sabia cozinhar umas batatas, cenouras. Tudo bem básico,” diz

Ao observar as outras mulheres cozinhando para os mutirões de sábado, Poli aprendeu a preparar outros tipos de vegetais. “Do mesmo jeito que eu faço no coletivo agora, eu faço também na minha casa”, conta . Um deles é a taioba, que cresce aos montes na floresta urbana do projeto, e, na casa de Poli, passou a acompanhar o macarrão com farofa.

Os enfeites de Dona Olívia

Dona Olívia, da Autonomia ZN. Foto: Ramana Rech Duarte | UOL

Enquanto o almoço está sendo preparado, dona Olívia Moreira da Cela da Rocha, 64, fica responsável por cuidar e limpar a sede da Autonomia ZN. “Essa semana eu tinha tanta coisa para pagar. Com o dinheiro que eu ganho da sede, eu paguei as contas,” afirma.

Entrar na rede de coletivos foi uma forma de enfrentar um duro período de depressão após a morte de sua filha. Hoje se mantém ocupada com os cursos de costura oferecidos de forma gratuita por meio de uma parceria entre o Sesc Santana e a Autonomia ZN.

“Eu, quando vejo elas [as meninas do coletivo] me dá alegria, dá vontade de viver. Tem dias que eu tô deprimida, elas chegam e pronto. O negócio melhora”, relata.

Os sais de erva de Cassiane

De apenas 17 anos, Cassiane Oliveira Duarte já é apresentada como a futura gestora da rede de coletivos. “Eu participo das reuniões, vou nas feiras de vendas dos produtos, participo de lives, podcast. Tudo o que acontece eu estou envolvida um pouco”, assim ela descreve suas funções na Autonomia ZN.

Também produz sais de ervas, uma mistura de sal do himalaia triturado com manjericão, alfavaca e, claro, ora-pro-nóbis. Com o dinheiro da venda dos sais, Cassiane consegue comprar o que estiver faltando dentro de casa, como arroz e feijão.

Placa pintada por Richard, repórter mirim do Autonomia ZN, que mostra o protetor da floresta, o Curupira. Foto: Ramana Rech Duarte | UOL

Ela conta que aprendeu tudo o que sabe sobre plantas na floresta medicinal da Autonomia ZN. E, montou em casa sua própria farmácia viva com ajuda dos integrantes do projeto. De sua farmácia viva, Cassiane retira a ora-pro-nóbis e o manjericão para produzir seu sais de erva. A alfavaca ela colhe na floresta do de permacultura.

No entanto, nem tudo são flores quando se trata do futuro da Autonomia ZN. Fernanda Suemi diz que, por enquanto, o projeto só tem dinheiro para pagar o aluguel da sede até o fim de 2022.

Além do aluguel é preciso bancar ainda, a água e a energia do terreno no entorno da sede, os almoços de sábado e os serviços prestados pelos membros ao coletivo. A rede de coletivos busca agora uma forma de se institucionalizar e criar um CNPJ a fim de poder participar de editais maiores e continuar a oferecer suporte para as mulheres da comunidade.

Fonte: Ecoa

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