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Vegetarianismo não tem idade

1 de dezembro de 2011
9 min. de leitura
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Por Marcela Godoy (da Redação)

Conheci o Zetti em Curitiba. Ele recitou o poema, de sua autoria, que, sob sua autorização, reproduzo abaixo. Providencial, para essa época de “festas” de fim de ano. Foram poucos minutos de conversa. Mas o suficiente para saber que Zetti é uma dessas pessoas que você tem vontade de ficar perto só para ver se, por osmose, pega um pouquinho de sua sabedoria.

Nesses poucos minutos de prosa, aprendi muitas lições. Entre elas, que nunca é tarde para escolher o vegetarianismo para pautar nossas ações durante nossa existência terrena. Zetti nasceu em plena Segunda Guerra. E tornou-se vegetariano em 1995. Sua juventude é inspiração. E revela-se em suas palavras e atitudes. Obrigada, Zetti, pelo seu exemplo e pelas palavras de libertação animal (humano ou não) contidas em seus contos, prosas e poesias.

Leitão Pururuca

1ª Parte: Na Pele do Porco
Queria ser um porco
Até penso que já sou
Sempre fui.
Sempre fui sua agonia.
Agora mesmo,
Grito eu mesmo,
Morro eu mesmo,
Se preciso.
Facada não é preciso
Amar é preciso.
Não! Não quero ser traiçoeiro:
Nem faca, nem prisão – chiqueiro.
Meu coração é de porca:
Porca mãe das dores sou.
Leitão Pururuca na mesa?
Velório.
Natal – luzes – inocência?
Velório.
Leitão não é homem:
Pega, mata e come!
Porca mãe das dores sou.
Pururuca:
Parece engraçado
Ser tua mamãe.
Engraxado – torresmo.
Assim mesmo
Te abraço – te pego no colo.
Vamos! Me olhe, sorria!
Solte um grunhido
Um gemido – que seja.
Tua mãe é que te chama.
Jogaram-te na chama
Desta nova inquisição.
Porca mãe das dores sou.

2ª Parte: Parem!
Jesus nasce,
Porquinho morre de véspera.
Para Jesus – realeza
Para porquinho – frieza
Cristãos: imagem e semelhança
do Deus Eterno
E também das geleiras eternas.
Cristãos ou não:
Por favor, parem de matar
Ou ao menos,
Parem prá pensar!
Parem!
“Parem o mundo que eu quero descer”
Descer do caminhão entulhado,
Empilhado… de focinhos.
Navio Negreiro moderno!
Para onde vão tantos focinhos?
Para onde, meu Deus, para onde?
Para os verdes campos?
Para as verdes matas?
Sim, irão para os campos…
De concentração.
Da Sadia – da Perdigão.
Sim, irão para as matas.
Muita mata!
Mata! Mata! Mata!
Porca mãe das dores sou.

3ª Parte: A Curva do Rio
Prezado amigo, irmão:
Acorde deste sono milenar!
Pururuca: acorde, que este dormir não é seu.
Saiamos daqui desta festa
Ritual – máscara – horror… velório.
Vamos fuçar lá no rio
Ou te banho neste rio…
De lágrimas.
Não quero tal coisa bizarra,
Grito de dor e farra.
Macabra festança,
e pro túmulo pança,
não quero que vás.
Te faço uma cova – te enterro,
Na curva do rio.
Bem no fundo – do meu coração.
Te envolvo em meu manto
Te cubro de beijos,
Te faço acalanto.
Te aninho em meu ninho,
Materno – fraterno,
Da porca que sou.
Porca mãe das dores sou.

4ª Parte: O Presépio
Meu porco, meu punk:
Rasparam teu pelo,
Cabelo arrepiado.
Safado é mesmo
Quem come torresmo
E prá não te matar
Assina procuração,
Prá Sadia e Perdigão
E em todos os natais,
Tem Jesus e os animais.
Presépio criado e armado
Por um coração bichado
Que foi o Santo de Assis
Cenário lindo:
Menino sorrindo,
mulher dando o seio,
animais no meio.
Que pena! Que pena!
Veja a próxima cena:
Na mesa, com certeza,
Assado, recheado, enfeitado.
É churrasco!
Coincidência ou não, termina em asco
O cheiro é forte
Leitão não tem mesmo sorte.
É a morte, não tem perdão
Assinaram a tal procuração
Assinaram – assassinaram
Segue portanto a festa
Luzes, música, orquestra.
E o que mais me espanto
É esse canto que diz:
Noite feliz, noite feliz
Preferível fosse um hino
Manifesto dos suínos
De revolta, de protesto
Porca mãe das dores sou

5ª Parte: Espírito de Porco
Talvez por esta razão
Sinto estranha mutação:
Compaixão e porco se fundem em mim
Entranhas de porco estão em mim
Sentimento de porco
Focinho de porco
Coração de porco
Uma cara de porco está em mim
Similar a minha infância:
Quando um porquinho morria
Um parente
Gente fria,
Faca fria, reluzente
Penetrava no porco
E no coração do menino

6ª Parte: O Grito
Esguicho de sangue quente
Lágrima quente
Menino aflito
E o grito, quase infinito do porco
Coração do porco para
Coração do menino…dispara
Por favor amigo leitor
Partilhe comigo e o porco esta dor:
Incorpore um espírito de porco
Chore!
Ouça o grito!
Ouça o eco!
Som prá valer que ressoa
Mas se em ti doer, que doa:
Churrasco, asco, asco, asco…
Alcatraz – humano atroz
“Liberdade, liberdade!
Abre as asas sobre nós”
Castro Alves por piedade, seja agora nossa voz
Por tudo o que é sagrado
“Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me voz Senhor Deus
Se é loucura, se é verdade
Tanto horror perante os céus…”
“…Astros, noites, tempestades
Rolai das imensidades,
Varrei os mares tufão!”
Nos ares som estridente
Ouça o eco novamente
Cristão clemente? Mente, mente, mente…
Inclemente predador, dor, dor, dor…
Clamor de amor no salame, ame, ame, ame…
Vitela, prato farto, refinado
Boi que engorda confinado:
Tudo termina em finado
Mesma sina é a feminina:
Mortadela, morte dela, morte dela
Boi no pasto é desmatar, matar, matar, matar…
Das frutas sobra o caroço
Dos bovinos no Mato Grosso, osso, osso, osso…

7ª Parte: Berros
Ditadura em animais
Há tempos imemoriais
Ditadura, dura, dura, dura…
– Ato Institucional!
-AI-5 animal é assim:
Ai! Ai! Ai! Ai! Ai!
Berros a cada segundo
Ecoando pelo mundo
Reverberandoberrandoberrando
E peixe que não berra
Mas sente dor
Literalmente se ferra

8ª Parte: Somos Mãe
Covardia, sacanagem, degradante.
Nada há mais revoltante
Para o menino que chora
E que ainda mora em mim.
Que de tanto querer bem
Mãe da porcada é também
Aquela mesma senhora
De quatro patas – focinho
Que em dezembro 24
Assam o filho porquinho
Festival pleno de horrores
Porca madona das dores
Todo ano – me ufano de ser.
Mil vezes te matam,
Te assam, te comem,
Porca mãe das dores sou.
Honrado me sinto
De ser a mãe porca
De ser mãe cadela
De ser mãe perua
Mãe pata
Mãe vaca
Mãe gata
Mãe cabra
Mãe cobra
Coelha
Ovelha
Mãe d’água, limpa ou suja
Mãe coruja
Mãe de toda passarada
Mãe sardinha enlatada, atum
(Coração de mãe sempre cabe mais um)
Mãe galinha
Abelha rainha
Mãe natureza
Mãe Terra!
Em toda beleza
Que a palavra encerra.
Terra – terráqueos
Humanos – batráqueos
Como se fossem um só
É pau – é pedra – é pó
Camarão
Com barba ou sem barba
Com rabo ou sem rabo
Com teta ou sem teta
É aqui o planeta
Azul Borboleta
Primo – primata – macaco
Bem vindos a este mui lindo barraco
Somos todos farinha do mesmo saco

9ª Parte: Compaixão
Inclusão sem igual – entre iguais
Compaixão
Perfume floral
Pólen de vida,
Infinitesimal
Leveza e graça
Pólen fumaça que o vento levou
Em nossos corações desabrochou.
Porta aberta escancarada
Invasão da bicharada
Arca de Noé – guarida
Paixão pela vida
Assim é que somos:
Voz dos que não tem voz
Humanos – gente
Demasiadamente humanos
Somos nós
Todos nós
Vegetarianos

Outros versos e prosas do Zetti, sobre os animais humanos e não humanos, podem ser lidos em http://www.zettinunes.blogspot.com/ .

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