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Veganismo na Província

5 de maio de 2010
17 min. de leitura
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Preâmbulo: breves notas sobre o nacionalismo

O nacionalismo é uma das ideologias mais absurdas, ridículas, irracionais, perigosas e desprezíveis do mundo. Não estou sozinho nessa opinião. Atribui-se a Albert Einstein a seguinte frase: “o nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade”. Como se vê, não é só a física quântica que define os gênios.

O tema do nacionalismo me fascina desde a adolescência. Deve ser pelo fato de ser tão difundido entre os brasileiros. Do nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 até o nacional-futebolismo de sempre, passando pelo integralismo protofascista e o nacionalismo de esquerda, parece ser a única ideologia que realmente “pegou” no Brasil. O que certamente diz muito sobre seu povo e sua classe dirigente. E me recorda uma teoria. No filme “As Invasões Bárbaras”, um dos personagens defende que a inteligência é um fenômeno coletivo. Na Florença de 1504, por exemplo, brilhavam Maquiavel na filosofia e política, Michelangelo e Leonardo da Vinci nas artes, tendo Rafael como discípulo. Quando a maioria de um povo partilha uma mesma ideologia, será que isso diz alguma coisa sobre a sua inteligência coletiva?

Embora o presente texto tenha como objetivo discutir o provincianismo e, mais especificamente, uma certa província, algumas notas sobre o nacionalismo talvez ajudem a elucidar o tema.

O nacionalismo tem várias facetas e vertentes e, longe de sinal de vigor e versatilidade, isso aponta para sua incontornável debilidade. O que define uma nação? Ninguém sabe dizer ao certo. Idioma, etnia, religião, concentração geográfica, histórica ligação política. Tudo depende do que as pessoas podem alegar para se definirem uma nação e se sentirem no direito de matar outras pessoas só por serem de outra “nação”. Contudo, o constante contato entre os povos torna seu idioma e cultura dinâmicos, em constante mutação, ao passo que a pureza étnica não passa de uma aspiração falsa, e ainda por cima racista. Nenhum povo tem uma origem única. Na Europa antiga e medieval, seja pelas conquistas militares, seja pelos fluxos comerciais, povos de diferentes origens, diferentes idiomas, diferentes culturas, estavam em contato constante. Os grandes impérios da Europa moderna, como a Áustria, a Prússia e a Rússia, eram uma colcha de retalhos étnica. A miscigenação pode ser mais evidente quando envolve povos de diferentes fenótipos, como nos países da América, mas acreditem-me, suecos, alemães, russos, italianos e britânicos são resultados de tantas misturas quanto qualquer brasileiro.

Pior que a fragilidade da sua conceituação, só mesmo as suas implicações. A presunção de originalidade e de diferença, que rapidamente transmuta-se em presunção de superioridade, ideais de grandeza e aspiração de pureza. Grandeza, superioridade, pureza… soa familiar?

Na cultura, o culto da arte, costumes, valores e idioma nacionais, execrando toda e qualquer influência “estrangeira”, conduz à autocomplacência e à estagnação, pela falta de contato com o diferente, a rejeição do estrangeiro e a reificação da tradição. Na política, justifica e exacerba o militarismo e belicismo. É o nacionalismo a ideologia típica das guerras contemporâneas, desde o século XX, quando os reis e governantes “democráticos” não podiam mais mobilizar seus exércitos por mero capricho. Pensemos no Império Britânico, na Alemanha nazista, no Japão imperial, e nos Estados Unidos do pós-guerra. A Espada e a Bíblia foram os pilares dos grandes impérios ocidentais – a Espanha do século XVI, a Grã-Bretanha do século XIX, os Estados Unidos contemporâneos. Os ideais de conquistar e salvar o mundo, como se vê, andam juntos.

A nação, portanto, não passa de uma grande porção de terra onde uma homogeneidade étnica, cultural, idiomática e, eventualmente, religiosa, foi imposta sobre populações por meio da violência, conquista, humilhação e, claro, alguns expurgos de elementos “desviantes”. Tudo como forma de promover guerras fúteis e injustificáveis. Quanto orgulho! O fato é: a única diferença entre Hitler e o nacionalista médio está na sutileza.

Comparativamente, se pegarmos países com forte tradição de imigração, veremos uma maior abertura ao novo, à diferença, à diversidade, ao mundo. Numa palavra, “cosmopolitismo”. Caso, por exemplo, do Canadá, um país de origem binacional – francesa e inglesa – que até hoje acolhe – e precisa de – imigrantes de todo mundo e, após a virtual aniquilação dos povos indígenas locais, passou a respeitar e proteger suas culturas. Os próprios Estados Unidos devem muito à imigração em massa (voluntária ou forçada) que ajudou a construir não apenas seu poderio econômico, mas também suas idéias e formas de arte mais inovadoras. O jazz, considerado uma das poucas expressões artísticas “genuinamente” norte-americanas, foi criado pelos descendentes de escravos africanos. Nova York, porto de entrada dos imigrantes dos séculos XIX e XX, é ainda hoje uma cidade com forte influência de diferentes culturas e, assim como a Califórnia, mais liberal e progressista que o resto do país, e por isso mesmo vista com extrema desconfiança e até hostilidade pelos norte-americanos do interior. Nova York é, para muitos deles, um enclave estrangeiro dentro da “América”.

A Alemanha Ocidental e Berlim Ocidental, traumatizadas pelo nacionalismo hitlerista, por outro lado, tornaram-se foco de efervescência cultural e política no pós-Guerra. Por lá passaram os Beatles antes da fama, David Bowie em sua fase mais experimental. A Alemanha é, depois da Inglaterra, a segunda “pátria” do rock e do movimento punk, e as bandas locais estão entre as mais originais e inovadoras desse universo, ainda que pouco conhecidas fora de seu país. Lá também floresceram desde muito cedo o movimento ambientalista, antinuclear e pacifista.

Como bom intelectual e historiador, gosto de construir panoramas e contextos históricos. Toda essa reflexão não passa, na verdade, de um longo e talvez desnecessário preâmbulo para o assunto que gostaria de efetivamente debater. Perdoe, portanto, o leitor, essa longa digressão.

Breves notas sobre a província

O cosmopolitismo resultante do cruzamento de diferentes culturas, muito mais original, vivaz e excitante que a pobre mesmice da cultura nacionalista, também pode ser apreciado na maior cidade brasileira, São Paulo. Costumo dizer que São Paulo não é uma cidade brasileira ou, pelo menos, não é apenas uma cidade brasileira. É também uma das poucas metrópoles que pode reclamar com justiça o título de cidade do mundo. Recebeu imigrantes de todos os continentes – e de todo o Brasil – e é, de fato, não apenas uma cidade brasileira cosmopolita, mas uma das cidades mais cosmopolitas do mundo – ainda que, claro, marcada pelos contrastes de um país desigual e subdesenvolvido. Ainda assim, poucas outras cidades são capazes de concentrar, em seu território, influências tão diversas. Alguém já me disse que São Paulo é a cidade com a maior diversidade culinária do mundo, onde podemos encontrar comidas típicas dos países mais exóticos. Não duvido. O paulistano é um “antropófago”, para usar o conceito primeiro cunhado pelos modernistas, depois retomado e popularizado pelos tropicalistas: deglute e assimila muito bem todas as influências externas.

Mas não é de São Paulo que quero falar, não. A província acima referida, tema central da minha reflexão, é a minha cidade, Rio de Janeiro, “cidade maravilhosa”.

Se São Paulo é a referência do cosmopolitismo, da antropofagia tropicalista, o Rio de Janeiro exemplifica a resistência nacionalista e ufanista. O carioca ama sua cidade e tem orgulho dela. Vê-se como um povo com identidade e cultura próprias, e zomba do cosmopolitismo paulistano como, de fato, carência dessas duas virturdes. Considera-se abençoado por viver numa cidade de natureza pródiga, povo acolhedor e riqueza histórica, política e cultural: refúgio da família imperial portuguesa, capital do Império e ex-capital da república; berço do samba e das escolas de samba; palco de grandes manifestações e lutas populares, tais como o levante dos 18 do Forte, a Revolta da Chibata, a Revolta da Vacina, a maior manifestação do Movimento Diretas Já (um milhão e meio de pessoas reunidas no centro da cidade “batendo panelas” e “aplaudindo de pé as tabelas”, como diz a música de Chico Buarque), sem falar no “Fora Collor”. E, claro, não podemos esquecer a controversa figura do malandro, cantada em prosa e verso e motivo extenso debate intelectual.

E é justamente esse vigor e orgulho que marcam a cidade do Rio de Janeiro e seus habitantes que os torna tão incrivelmente provincianos, apesar de seu tamanho – segunda maior cidade do país – e importância econômica.

O provincianismo (às vezes também referido, erroneamente na minha opinião, como “bairrismo”) nada mais é do que o nacionalismo em pequena escala. É o orgulho que alguns ostentam em relação à sua região, à sua cidade, com história, tradição, cultura e sotaque próprios, mesmo que muito semelhantes a seus vizinhos, a quem estão ligados também pela história, tradição, cultura e idioma – e, talvez mais importante, uma constituição. O fato de ser em “menor escala” não quer dizer que não seja menos patético. Apenas que não é capaz de provocar guerras internacionais – no máximo guerras civis.

Como qualquer cidade provinciana, o Rio é um universo fechado em si mesmo, uma cidade egocêntrica (e ególatra). O carioca está muito confortável – e orgulhoso – com a sua própria cultura. Parece que não há vida possível fora do samba, do funk, da malandragem, do carnaval, da praia. O carioca médio acha que tudo que há de bom existe na sua cidade. Não precisa, portanto, de nada que venha de fora. Há uma enorme desconfiança do estrangeiro – a começar pela rivalidade com os paulistas, chegando até o mito de que o carioca é “caloroso” e “hospitaleiro”, enquanto o estrangeiro é “frio”. Um orgulho provincial que resvala inevitavelmente no preconceito.

Perdido no próprio ufanismo, o carioca estacionou em algum tempo remoto da história, convencido da própria superioridade. Esse tempo remoto é a década de 1950. Depois disso, a mudança da capital para Brasília e, nos anos 1970, a perda do “status” de Estado da Guanabara lançaram o Rio num inexorável e aparentemente irreversível declínio. Declínio que, pelo contrário, só se acentua. Há muito a cidade e o estado do Rio já deixaram de ter relevância política e talvez seja só uma questão de tempo para perder também a relevância econômica. Depois de “rebaixada” a capital provincial, o Rio por muito tempo ainda tentou se autopromover como capital cultural do país – mas um olhar desapaixonado me faz deduzir que também nesse ponto já fomos ultrapassados, há muito, por São Paulo, com uma vida cultural mais intensa, mais vibrante e mais diversificada. Em resumo, o carioca assemelha-se ao aristocrata que não se acostumou à sua nova condição de lacaio do burguês; ou uma grande potência rebaixada à condição país periférico. E o “nacionalismo” carioca ajuda a entender essa decadência política, econômica e cultural.

A política carioca e fluminense são retrato fiel de seu atraso e provincianismo. Há décadas o Rio não tem políticos de influência e projeção nacional. Mas isso é apenas a ponta do iceberg. Assim como os estados do nordeste, o Rio de Janeiro também vive até hoje de uma forma de política oligárquica, embora de um tipo diferente. Se lá se fala em “coronelismo”, aqui nós temos o clientelismo.

O clientelismo, diferente do voto de cabresto mais explicitamente violento do coronelismo, troca votos por pequenos favores, ao mesmo tempo mantendo a ordem e hierarquia sociais, evitando mudanças estruturais e enchendo os bolsos das pequenas oligarquias. No Rio também existem as grandes “famílias” que controlam determinadas zonas da cidade, promovendo-se com base em pequenos benefícios – um posto de saúde aqui, uma obra social ali – e, não raramente, com ligações com o crime organizado (caça-níqueis, bingos, jogo do bicho, tráfico de drogas) e/ou as milícias (grupos paramilitares que supostamente “protegem” as comunidades carentes, cobrando contribuições “voluntárias” pela segurança e por prestações de serviços como TV a cabo). Por meio dessas políticas clientelistas, esses oligarcas são eleitos vereadores, deputados estaduais e deputados federais, votando contra – ou simplesmente não votando – projetos de saneamento básico, infraestrutura, verbas para os hospitais, escolas, etc., que, melhorando ou efetivamente implementando serviços públicos, ameaçariam a reeleição desses “benfeitores”, que não teriam mais o que oferecer – nem como chantagear – seus eleitores.

Da mesma forma, o carioca permitiu-se levar ao limite do (in)suportável a cultura (e o culto) do jeitinho, da malandragem. Consagrada por alguns antropólogos como símbolo da subversão da ordem, na verdade a malandragem e o jeitinho carioca são extremamente nefastos para a transformação social. Ao dar um “jeitinho”, o carioca se exime da necessidade – e da responsabilidade – de questionar a ordem dominante e exigir mudanças estruturais – encontra uma solução individual e setorizada para um problema social generalizado. Sem pressão popular, as classes dominantes continuam se apropriando dos recursos públicos, trocando votos por pequenos favores. A malandragem complementa e reforça o clientelismo. Ela não tem nada de subversiva.

Culturalmente, não consegue se renovar. Depois da bossa nova, o Rio de Janeiro parou no tempo e não ofereceu mais nenhuma grande contribuição ao país. O culto ao samba, ou à sua versão comercial, o pagode, assemelha-se a uma espécie de profissão de fé carioca. A classe média intelectualizada o celebra como ícone da identidade não apenas carioca, mas nacional. Em casos mais extremos, gostar de ritmos musicais estrangeiros é sinal de alienação e entreguismo. O carioca nacionalista (e provinciano) mais radical rejeita inclusive a bossa nova como, no máximo, um filho bastardo – cruzamento entreguista do samba com o jazz, “samba pra inglês ver”, submissão ao “imperialismo”, indigno da “genuína” cultura “nacional” (e carioca). Em todas as classes, entretanto, uma nova forma de música difunde-se, o funk, para desespero dos mais puristas (e os apreciadores da boa música), sendo gradualmente incorporado à identidade local.

E tenho certeza absoluta que esse clima de atraso, estagnação e provincianismo se reflete no veganismo que, como qualquer idéia “estrangeira” e renovadora, não foi muito bem acolhido pelos cariocas. O Rio pode ser a segunda maior cidade do Brasil, mas em termos de veganismo não chegamos mais longe que o quarto ou até quinto lugar.

Enfim: o veganismo na província

Nas minhas andanças pelo país, vi um movimento forte e descentralizado em vários grupos (voltados para diferentes segmentos sociais – jovens, classe média, tribos urbanas) em São Paulo. Um movimento pequeno, mas ativo, em Porto Alegre e Belo Horizonte. Cooperativas veganas em Salvador. Florianópolis ainda não conheço, mas tem fama de cidade acolhedora do veganismo – e alguns dos principais pensadores sobre o tema no Brasil. A oferta de serviços nesses lugares também não é nada ruim: em São Paulo, restaurantes, lanchonetes e lojas para todos os gostos e cada segmento social. Serviços de pronta-entrega, opções em quantidade e variedades impensáveis em outras partes do país. Em Porto Alegre e Belo Horizonte, embora em menor escala, o panorama não é muito diferente.

Certamente não o gueto que é o veganismo no Rio de Janeiro. Restaurantes vegetarianos até existem em boa quantidade, mas a maioria de classe média, todos concentrados no centro ou zona sul da cidade, aliás como a maior parte do ativismo. Também nos falta variedade nos dois aspectos. Não temos lanchonetes nem lojas especializadas em produtos veganos (roupas e sapatos, por exemplo), como em São Paulo e Porto Alegre. Tentaram inaugurar uma pizzaria vegana – faliu em menos de um ano. Qualquer um que se aventure para além da Av. Presidente Vargas (via de acesso ao centro da cidade) enfrentará muitas dificuldades ao tentar falar sobre veganismo (sei que existe um grupo de ativistas na Zona Oeste da cidade, mas não conheço seu trabalho). É um panorama muito triste para a segunda maior cidade do país.

É um círculo vicioso: poucas pessoas têm acesso ao veganismo, e assim temos proporcionalmente poucos veganos, em relação ao tamanho da cidade. As atividades de conscientização são poucas, os ativistas pouco preparados, e assim a mensagem não chega a uma parcela significativa da população e, quando chega, é de forma duvidosa.

Ao mesmo tempo, ainda existe uma impressionante (e irritante, no meu entender) associação entre vegetarianismo/veganismo/defesa dos animais e religião – espíritas, hare krishnas, toda sorte de esoterismo new age e por aí vai. Parece que acreditar em karma, reencarnação, calendário maia e teoria de Gaia (preferencialmente, mas não necessariamente, ao mesmo tempo) são pré-requisitos para parar de comer animais. O contingente de vegetarianos espiritualistas no Rio é alarmante.

Não estou dizendo que não haja exceções. Nem que esses problemas sejam exclusivamente cariocas. Claro que na periferia de São Paulo também há muita gente que nunca ouviu falar em veganismo. Que em Porto Alegre os tradicionalíssimos churrasco e cavalgada ainda são o retrato do gaúcho típico – parece que Porto Alegre tem a maior “frota” de cavalos e burros de carga do país e, pelo menos empiricamente, foi lá que mais observei esse fenômeno. Em Minas Gerais, terra do gado leiteiro, já encontrei leite até em pão integral. E longe de mim afirmar que as demais capitais brasileiras não tenham sua própria forma de provincianismo.

Contudo, há alguma coisa que me inquieta no atraso carioca em termos de veganismo. Depois de muito me perguntar o porquê desse estado lastimável, eu cheguei à conclusão de que não é culpa apenas das deficiências, despreparo, e brigas que assolam os ativistas. É também um problema cultural.

A falta de seriedade e comprometimento, por exemplo, é um problema cultural. O carioca se orgulha de não levar a sério o trabalho e, portanto, também não leva a sério o ativismo. Trabalho voluntário também é trabalho. É voluntário porque se faz voluntariamente, sem a busca de benefícios pessoais, mas deve ser feito com profissionalismo, seriedade e continuidade, da mesma forma que o trabalho remunerado. No Rio não existe essa cultura. O trabalho é voluntário porque se faz quando dá vontade. Choveu? Sem chance, não vou estragar meu penteado. Fez sol? Nem pensar, vou à praia. Feriado? Dá um tempo, vou viajar.

Me defrontei muito com essa falta de compromisso e seriedade quando fazia ativismo. Até mesmo quando tentei criar um revezamento para ninguém deixar de ir à praia ou viajar, a coisa não deu certo. Como não tenho vocação para mártir, nem sou tão afortunado (ou desapegado) para poder dedicar-me inteiramente ao ativismo, abdicando da vida pessoal e profissional (nem gostaria de fazê-lo), agora me limito a atividades esporádicas – um debate aqui, uma palestra ali, na medida das oportunidades.

A difusão do veganismo também esbarra no clima de indiferença e resignação geral. Novamente, sei que não é um caso isolado – mas aqui, parece mais alarmante. O carioca, depois do declínio da cidade, tornou-se tão pouco propenso a grandes questionamentos que a docilidade que, justiça seja feita, não era um de seus traços marcantes, foi incorporada ao seu estilo de vida. Existia uma tradição de lutas políticas no Rio, mas atualmente, apenas dois grandes temas mobilizam o carioca: carnaval e futebol. Nesse ambiente resignado e conservador, sobra pouco espaço para defender e difundir causas e idéias. E é assim que não só o veganismo, mas qualquer visão de mundo alternativa, não encontra acolhida numa cidade como esta.

O bálsamo para o orgulho ferido do carioca é o refúgio num passado glorioso e na exaltação das próprias virtudes. É por isso que ele, em vez de exigir respeito e dignidade, serviços decentes, tarifas justas, transporte eficiente, hospitais e escolas de qualidade, prefere se vangloriar das belezas naturais, das praias, do Cristo Redentor (maravilha do mundo moderno, graças à inclusão digital e à mobilização nacional em torno de um estúpido concurso), do samba, do carnaval, do mito da cidade calorosa e hospitaleira. A decadência, em vez de ferir de morte o ufanismo provinciano, só consegue alimentá-lo.

Breve (e triste) conclusão

Perdida no tempo, enamorada de si mesma, resignada com seu destino e fechada em seu próprio universo, uma sociedade não questiona a si mesma e aliena-se do mundo exterior. Não consegue enxergá-lo, porque nem se dá a esse trabalho. Desse modo, não consegue renovar seus costumes, seus valores. É o prenúncio de uma morte lenta, que só pode ser revertida por um movimento inverso: questionar-se, abrir-se para o mundo, transformar-se.

Assim sendo, não sei mesmo como concluir esse texto com uma nota otimista. Não cabe a mim julgar o provincianismo alheio, por pura ignorância. Certamente ele existe. Mas a explosiva combinação de clientelismo, malandragem, ufanismo, resignação e nostalgia parece arrastar o Rio de Janeiro definitivamente para o abismo. E as dificuldades de se defender e difundir o veganismo são apenas mais um retrato da realidade provinciana e decadente desta minha cidade.

 

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