Em setembro passado, cientistas marinhos estudaram a biologia no fundo do oceano ao norte do Golfo do México. Submergiram um robô de pesquisas do governo até 400 metros no solo marinho. Ali, numa escuridão completa e temperaturas próximas do congelamento, as luzes do robô revelaram uma fluorescente colônia de corais, anêmonas, peixes, crustáceos e outras formas de vida marinha que rivalizam com qualquer água superficial do mundo. Os pesquisadores que estavam a bordo ficaram extasiados.
“Nós piramos nas luzes, havia um dos maiores bancos de coral do Golfo do México bem na nossa frente” disse Erik Cordes, biólogo marinho da Universidade Temple e cientista chefe do projeto. Nove meses depois, a emoção da descoberta se transformou em medo. O recife está a 32 quilômetros a nordeste do oleoduto que explodiu. Ainda sim, não é o vazamento que preocupa os cientistas. Eles temem uma ameaça mais incisiva: vastas camadas de óleo dissolvido se espalhando em alto-mar.
Cientistas marinhos não têm uma conclusão definitiva sobre o que acontecerá com os corais, mas cogitam uma catástrofe. “Na pior das hipóteses o petróleo revestirá alguns corais”, disse Cordes. “Basicamente vai sufocá-los.”
A composição e a distribuição dessas camadas de petróleo continuam sendo um mistério, e muitos organismos de pesquisa do governo as estão perseguindo pelo Golfo. Cientistas acreditam que tais camadas não são petróleo puro, mas uma mistura de gotículas de óleo, gás natural e os 794 mil litros de dispersante químico Corexit, que foi misturado ao jato de petróleo que jorrou do solo do oceano.
Essa mistura pode ser altamente tóxica para os recifes. Tanto o óleo quanto o dispersante, que quimicamente se parece com detergente, cortam a habilidade dos corais de se reproduzir. E os efeitos se ampliam quando os dois estão misturados. Estudos sobre os efeitos do óleo e da química nos corais, no entanto, são limitados à água superficial. Nenhuma pesquisa foi conduzida no fundo do mar. O vazamento da plataforma da British Petroleum fez com que os cientistas estudassem a interação da biologia de águas profundas com tais toxinas.
“Todos estão se mexendo”, disse Steve W. Ross, biólogo marinho da Universidade da Carolina do Norte e um especialista em corais profundos. “Ainda tem muita coisa para evoluir.” Mas alguns cientistas acreditam que os estudos sobre o impacto do petróleo com os dispersantes deveriam ter sido feitos muito tempo atrás. “Alguns desses estudos foram propostos há anos, e as agências decidiram não endossá-los”, disse Ross. “Estamos pagando o preço por isso agora.”
O vazamento do poço da BP coincide com um período fértil da exploração do fundo oceânico no Golfo do México. Durante a década passada, o Minerals Management Service, a agência federal criticada pelos legisladores pelo descuido com a indústria de petróleo que opera na costa, financiou uma extensa pesquisa para mapear a vida do fundo do mar.
Em várias viagens, pesquisadores analisaram o solo marítimo em busca de anormalidades e robôs submersos procuraram por vida nas profundezas mais frias. O resultado foi um leque de descobertas em volta do norte do golfo, entre elas recifes submersos do tamanho de campos de futebol ou até maiores. A identificação de novas espécies virou um lugar-comum.
Mas mesmo com tantas descobertas, pouco foi feito para proteger a vida marinha. Uma confirmação do impacto ambiental preparado pela Mineral Management Service em 2007, que cobriu uma vasta área do golfo usada para a extração de petróleo e gás, incluindo a região onde o oleoduto da BP está localizado, concluiu que as perfurações não ofereceriam riscos graves para os recifes. Plataformas de águas profundas foram obrigadas a evitar danos aos corais com âncoras e tubos, porém eram necessárias mais algumas restrições.
O documento, que tem por volta de mil páginas, menciona somente de passagem o potencial de o óleo extraído em alta pressão formar camadas no fundo do mar, sem levar em consideração estudos anteriores que mostravam a grande probabilidade de isso acontecer. O estudo também falhou ao analisar a aplicação dos dispersantes no fundo do mar. Esse uso dos químicos, aprovado pelas autoridades federais, é sem precedentes. Aparentemente reduziu a extensão da mancha de óleo, limitando seu impacto em pântanos, praias e à vida na superfície. Mas oficialmente pouco se sabe sobre o seu impacto na vida submarina. “Os efeitos a longo prazo na vida debaixo d’água ainda são desconhecidos”, disse Lisa Jackson, administradora da Agência de Proteção Ambiental.
A aplicação dos dispersantes já é altamente desencorajada em áreas como Florida Keys por causa do seu conhecido efeito nos corais, disse Billy Causey, diretor regional do programa federal de santuários marinhos. Recifes submarinos têm sua própria biologia: não dependem de fotossíntese para gerar energia, mas sim de comida limpa vinda de colunas de água. Por isso sua sensibilidade para tais poluentes é incerta. Se envolto pelas camadas tóxicas, uma consequência para os corais pode ser a falta de oxigênio, enquanto a bactéria que alimenta os hidrocarbonetos rapidamente se multiplica. Isso poderia matar as algas e os micro-organismos de que o coral precisa para se alimentar.
Pelo menos mil corais submarinos foram atingidos entre as costas do Texas e da Flórida. Outros sequer foram descobertos. “Conhecemos apenas 1% do que existe no fundo do mar”, disse Causey. Existe razão para que se acredite que os corais submarinos mais distantes da explosão escapem de danos graves. As correntes do fundo do mar são mais lentas que as correntes da superfície, limitando a capacidade de camadas mais profundas se espalharem. E o óleo e a química se dispersarão quando migrarem para longe do vazamento. A existência de grandes escoamentos naturais de óleo no Golfo do México, estimados em mais de 3,8 milhões de litros por ano, também sugere que os corais podem ter se adaptado à presença de baixos níveis de concentração de petróleo.
Fonte: Veja