Marimar Jordá-Poblet
[email protected]
A vitória da aldeia catalã
Barcelona liberta touros de tradição nefasta
Todos se lembram da figura de Asterix, pequenino e astucioso, vivendo com simplicidade a política do dia a dia gaulês, entre jantares à luz da lua, com mesa farta e menires.
A simpática aldeia sempre se reunia para decidir em conjunto os problemas que lhe afetavam diretamente, e todos, até Chatotorix, formavam parte desta comunidade alegre e festeira. Este estilo de vida opunha-se, por sua própria essência, ao estilo burocrático e grandioso dos romanos, sempre às voltas com os problemas advindos da pesada máquina estatal.
Como os gauleses, o povo catalão, pequenino e astucioso, através de uma bem organizada iniciativa popular liderada pela plataforma anti- tauromaquia, o PROU ( tradução do catalão:“BASTA”), conseguiu uma surpreendente e dupla vitória: com a abolição das “corridas” de touros – eufemismo utilizado para designar a tortura e assassinato de touros em praça pública- conseguiu a anulação momentânea do que Debord chamou de “sociedade do espetáculo”.
Eis que o mundo parou para observar uma reviravolta do fazer democrático. De repente – e isto ocorre apenas em instantes fulgurantes como nas passagens de cometas por sobre a terra- os deputados catalães foram liberados por seus partidos para votarem de acordo com suas consciências, e, em apertada disputa , esqueceram-se – outra fulgurância – de defender os interesses mesquinhos das “divertolândias” espanholas .
Apostando na certeza de seu julgamento sincero, fizeram ressurgir uma tradição que, embora escassa, é pelo menos tão antiga quanto o fascínio ante a tortura que grande parte dos seres humanos possuem: a tradição da bondade, da compaixão pelos animais e da valentia de derrubar o que é muito errado.
A sociedade do espetáculo, acostumada às inúmeras vitórias da farsa, juntou-se ali em peso, para desmentir-se – alegremente – e provar que um mundo bem melhor pode ser possível se forem utilizadas as mesmas ferramentas espetaculares de maneira invertida, no sentido de investir como os touros, contra os donos do capital financiador da diversão perversa.
Nunca a imprensa esteve em Barcelona em tão grande número (nem nos dias da votação do Estatuto da Autonomia Catalã!), e tudo para acompanhar este movimento baseado na ética (já em si, uma grande novidade), compassivo em relação a outros seres, os touros. Simbolicamente, representou a demolição de mais um pilar do antropocentrismo ocidental que teimava em se manter de pé mas que já apresentava sinais lastimáveis de podridão.
Este histórico movimento deixou dizeres na internet, mostrando que um povo se constitui através da sua história, de seu passado que como uma catapulta o impulsiona para o novo: “agradecemos a todos aqueles que lutaram contra a existência das “corridas” de touros, e infelizmente não estão vivos para poder assistir a este momento mágico. Mas foram todas estas pessoas que , como uma corrente, nos ajudaram a conseguir hoje esta vitória.”