É a segunda vez, em menos de dois meses, que um toureiro espanhol encontra-se em “estado grave”, ferido por um touro.
Dessa vez o “Matador” teve o chifre do animal torturado penetrando-lhe pelo pescoço e atravessando a boca e a língua, em Madri. É menos um que, se conseguir viver, jamais voltará bestializado à arena das touradas.
Imaginem que tal apresentação acontecia em comemoração ao Festival de San Isidoro. Não conheço tal santo, mas tenho a certeza de que deve ter atendido os rogos de São Francisco, para que acabasse com a barbaridade imposta ao inocente touro.
Todos nós temos conhecimento dos festivais romanos, onde homens e animais eram colocados na arena, para se enfrentarem mutuamente. Era matar ou morrer. Não havia escapatória. Mas ver tais costumes acontecendo em pleno século XXI é um contrassenso jamais visto nas sociedades primitivas, pois estas matavam animais e humanos como sacrifícios feitos aos deuses, não para satisfazerem a volúpia do bestial prazer.
Contam alguns que, por ocasião da Copa na Espanha, os brasileiros surpreenderam os espanhóis ao torcerem pelo touro e não pelo toureiro. A cada avanço do animal em cima do carrasco, a nossa torcida gritava: – Olé!
Ser nenhum, em sã consciência, pode aceitar que a crueldade para com os animais possa ser vista como uma forma de prazer, a menos que se trate de uma mente doentia e maquiavélica. E, em se tratando de países, podemos dizer que ainda estão atrelados à maldade dos imperadores e da turba da Roma Antiga. Pois a dor infligida a um ser vivo, pelo prazer, nada mais é que o masoquismo levado às raias da loucura.
Eu me pergunto se tal “folguedo” dos países, que exibem as touradas é fruto da fraqueza de vontade, por não saberem fazer o que sabem ser melhor ou se trata de maldade mesmo, enquanto o resto do mundo permanece alienado, como se todos os homens estivessem separados de si mesmos, dos outros, dos animais e da natureza, como um todo?
Que tipo de altruísmo possuem aqueles que pagam ingressos para assistirem a tão lamentável circo de horrores? Eu não lhes confiaria um fio de cabelo.
Quando se critica a Espanha (e países afins) pela crueldade das touradas, seus governantes colocam como contraponto o fato de que o país é autônomo. Mas não nos ensina a filosofia, que ser autônomo é ter capacidade de autogoverno? E, sem dúvida, essa capacidade não deve estar imbuída de sensatez e sabedoria, convergindo para o bem universal? Do contrário, nenhum país poderia enfiar o bedelho na vida do outro. Mais do que realizar o bem, a humanidade precisa estar ciente de que precisa agir em conformidade com o que é correto e humano, indiferente de qual seja a cultura em que nasceu. Caso contrário, o Coliseu ainda estaria em franca atividade.
Faz-se necessário que a humanidade aprenda a questionar o bem humano e o bem das outras formas de vida, uma vez que não somos os únicos visitantes do planeta Terra. Cada vez mais se torna difícil negar que cada ação perpetrada traz consequências iguais ou superiores a ela. Toda ação é consequencialista, por isso já traz latente os frutos do ato, que amadurecerão mais cedo ou mais tarde. Para mim, ser realmente uma pessoa ética é agir fazendo o que é certo, sem a preocupação de fazer permutas com o reino dos Céus. O resto virá por consequência.
Muitos filósofos afirmam que existem direitos individuais e coletivos, assim como direitos dos animais. Nas famigeradas touradas, onde ficam os direitos dos animais? E por que ações ilegais e tão imorais são permitidas? Como um país pode falar em moralidade, quando limita ou ignora os direitos de outras espécies de vida?
Mesmo que a humanidade não tivesse nenhum código de ética, para ser seguido, ainda assim poderia contar com a sensibilidade, o entendimento e a razão, nascidos do conhecimento empírico, para nortear-lhe os passos. Não é preciso ser um intelectual para se ter consciência do mundo em que se vive, com tanta informação à disposição. Nossa percepção dos fatos é uma grande mestra.
Por que não são criadas sanções negativas contra os países que desrespeitam a vida animal? Ou serão os humanos sui generis ou os super-homens do nosso planeta? Peço desculpas pela minha franqueza, mas não nutro nenhuma pena ou simpatia pelos toureiros, já que se colhe o que se planta. E, quanto mais desses brutamontes tombarem nas arenas, mais fácil ficará eliminar a crueldade das touradas.
Observação: A tourada é tradicional em Portugal, Espanha e França, bem como em alguns países da América Latina: México, Colômbia, Peru, Venezuela e Guatemala. O essencial do espetáculo consiste na lide de touros bravos através de técnicas conhecidas como arte tauromáquica. Outro absurdo é a Corrida de Touros à Portuguesa.
Grupos de defesa de direitos animais criticam a prática da tourada, pois a consideram um ato de crueldade sem justificação, que não se insere dentro das tradições humanistas.
Em Portugal, quatro autarquias proibiram a realização de touradas nos seus conselhos: Viana do Castelo, Braga, Cascais e Sintra.
No Brasil até o século XX
Porto Alegre (RS) teve tanto corridas de touros como touradas em praça de touros situada no Campo da Redenção, que hoje abriga parque de mesmo nome. Com cavaleiros, bandarilheiros, forcados e pega, assim como pantomimas tauromáquicas, eram consideradas eventos sociais, recreativos e artísticos, atraindo humildes e abonados.
A informação disponível não permite saber se o animal era sacrificado na apresentação.
Havia praças de touros em São Paulo (SP), Santos (SP), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Salvador (BA) e no Rio de Janeiro (RJ), até então capital nacional. Nela em 1922, dentre as festividades do centenário da independência, realizaram-se touradas com registro cinematográfico.
Foram proibidas em 1934 por Getúlio Vargas, juntamente com as rinhas de galo.
Fonte: Alma Carioca (LuDiasBH)