Quando Getúlio Vargas editou a Lei de Proteção Animal em 1934, o Poder Legislativo havia sido extinto e, portanto, era o Chefe do Executivo quem exercia interinamente as funções de legislador. Assim, foi criada, à época, uma espécie normativa chamada Decreto-Lei, uma espécie híbrida, que era editada pelo presidente(portanto, é um decreto), mas com força de lei ordinária (pois o presidente era legislador também), de modo que, na introdução de seu Decreto, Getúlio Vargas utiliza-se da permissão fornecida pela norma que instituiu o governo provisório então vigente. Vamos conferir abaixo:
DECRETO Nº 24.645, de 10 de julho de 1934
“Estabelece medidas de proteção aos animais
O CHEFE DO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA, DOS ESTADOS UNIDOS DO
BRASIL, usando das atribuições que lhe confere o Artigo 1º do Decreto Nº 19.398, de 11 de
novembro de 1930, DECRETA:
Art. 1º – Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. ” (…)
Decreto nº 19.398, de 11 de Novembro de 1930
“Institue o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providencias
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil
DECRETA:
Art. 1º O Governo Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça esta a reorganização constitucional do país;”
Vejam, o decreto 19.398/30 foi a norma que instituiu o governo do qual Getúlio Vargas era o presidente e é nitido, na leitura do artigo 1º, que ele exercia as funções de legislador.
Assim, não há dúvidas de que os Decretos-Lei do ex-ditador eram as Leis da época, tanto que a Constituição Federal do 1988 recepcionou todos os Decretos-Lei compatíveis, adequando -os ao novo sistema jurídico e transformando – os em Lei Ordinária, exemplo mais célebre foi o Código Penal, originalmente concebido como Decreto -Lei.
Pois bem, em 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello editou um Decreto revogando 3.500 outros Decretos, desde 1889 até 1990, dentre os tais, o Decreto-Lei 24.645/34. Ocorre, no entanto, que a norma feita pelo ex-presidente não tem força para revogar Decretos-Lei. vejamos por que.
Primeiramente, o que é um decreto?
O decreto é um ato administrativo emanado pelos chefes do Poder Executivo em assuntos delimitados na legislação ou constituição. Não obedecem o processo legislativo ordinário e não passam pelo crivo do Congresso Nacional. Por isso, apesar de ser uma norma, o decreto está sempre em situação inferior à da lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar, nem tampouco revogar.
Vejam, em um Estado de Direito, um Poder não pode invadir a competência de outro, sob pena de se formar um conflito institucional. Assim, o Poder responsável por fazer Leis é o Legislativo, sendo certo que o Executivo só publicará normas em caráter excepcional, a respeito de assuntos determinados e com menos força legal. Dessa forma, o Decreto 11/91, de autoria do ex-presidente Fernando Collor de Mello, não tem força para revogar nenhum Decreto-Lei. Somente Lei pode revogar Lei e não foi o que ocorreu. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não deixa margem a dúvidas:
“Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” Ou seja, uma Lei é vigente até que outra Lei a revogue. Decretos não servem para retirar leis do ordenamento.
Assim, sendo Decreto -Lei espécie equivalente à Lei Ordinária, é perfeitamente possível defender a tese de que o Decreto -Lei 24.645/34 está plenamente vigente e deve ser utilizado na proteção dos animais sempre que necessário.