Considero o veganismo algo bem simples. Uma pessoa rejeita a ideia de consumir animais e faz o possível para não tomar parte nesse tipo de exploração. E, se possível, motiva outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas então alguém aponta que isso é uma incoerência porque de algum modo a pessoa ainda continua endossando outras formas de exploração. Ou então aponta que o consumo de carne ainda é muito elevado. Sim, o consumo de carne ainda é elevado, levando em conta que vegetarianos e veganos ainda são minoria, mas isso está longe de significar algo que não seja um ascendente. O próprio CEO da Tyson Foods, uma das maiores “produtoras de carne” do mundo, reconheceu que a proteína vegetal é a proteína do futuro. Ademais, escândalos, crises econômicas, associações de conglomerados e frigoríficos com sonegação, exploração, corrupção e violência têm feito as pessoas refletirem como nunca fizeram antes.
Compare por exemplo com a realidade brasileira da década passada, ou então com a realidade da década de 1990. Pela primeira vez no Brasil qualquer pessoa com acesso à internet tem recebido nem que seja fortuitamente algum tipo de informação revelando mazelas associadas ao consumo de carne, laticínios e ovos. Admito que tenho visto um cenário bastante positivo e propício para a redução do consumo de produtos de origem animal e para o crescimento do vegetarianismo e do veganismo. Não preciso nem mesmo usar gráficos para reforçar isso. A realidade está aí para quem quiser analisá-la.
Gilles Lipovetsky escreveu na década passada que a pós-história seria marcada por um tempo de maior consciência por parcela significativa da população, e tudo isso graças à democratização da informação, que faria, e realmente tem feito, com que as pessoas se preocupem de fato em abandonar hábitos culturais nocivos. E essas pessoas têm condições axiomáticas de motivar outras pessoas.
Mas então alguém pode dizer que é insuficiente, que na realidade o que estamos fazendo é simplesmente substituição de produtos. Ou seja, as pessoas deixarão de consumir alimentos de origem animal, mas o sistema há de perseverar se adaptando a uma nova realidade exploratória. Há quem fale inclusive em um tipo de veganismo que atende aos piores interesses do capitalismo.
Desculpe-me, mas não acredito nisso, porque não vejo como não associar o veganismo com o consumo consciente em algum nível. Claro que temos divergências hoje em dia, como por exemplo a questão do consumo de transgênicos, de produtos da Unilever e de outros conglomerados. Alguns apontam a acessibilidade como vantagem, e outros apontam essa acessibilidade como a perpetuação da manipulação de uma massa consciente, mas ainda incapaz de não cair na capciosidade do mercado. Em situações como essa, recorra a sua consciência, será que estou fazendo tudo que eu poderia fazer? Ou será que eu poderia ir além? E decida por si mesmo.
Parto de uma reflexão bem simples. Empresas precisam de consumidores, e conforme esses consumidores se tornam mais críticos elas são obrigadas a reverem não apenas a elaboração de seus produtos, mas também suas políticas de trabalho, de impacto e de transparência em relação ao consumidor. Como isso pode não ser um avanço? Claro que um cenário ideal seria que não tivéssemos empresas engolindo empresas o tempo todo e se expandindo com dezenas de ramificações sob outros nomes. No entanto, precisamos partir de algum lugar se quisermos de fato alguma mudança. De certo, não será a anuência a essas práticas ou a desconsideração ao veganismo que mudará isso positivamente.
Não me exalto tanto com essas questões pirrônicas em relação ao veganismo porque acredito que o tempo descortinará realidades e trará novas verdades. Me chamem de iludido, mas vejo um futuro promissor. O veganismo tem se desenvolvido bem nos últimos anos e isso tem despertado dúvidas, conflitos e críticas; mas nada disso até hoje fez com que eu olhasse para o veganismo como uma impossibilidade ou uma filosofia de vida falha. Afinal, como se negar a reconhecer que os animais têm direito à vida pode não ser algo positivo? E um caminho para um futuro mais justo?
Como a ideia de querer um animal ao nosso lado e não no nosso prato pode não ser um símbolo alvissareiro? Sim, há um longo caminho a ser trilhado, mas tenho certeza que quanto mais pessoas aderirem ao veganismo maiores serão nossas possibilidades de nos livrarmos dessa miríade de tentáculos que envolve as mais diferentes formas de exploração animal. E à medida que as pessoas questionam uma forma de exploração, acredito que suas mentes, seja hoje, amanhã ou daqui um ano, se abrirão para uma nova consciência.
Fique à vontade para discordar, mas acredito piamente que o veganismo é possível para qualquer pessoa. Sim, conheço de perto a realidade de comunidades pobres e marginalizadas, inclusive pretendo colocar em prática um projeto provando que qualquer pessoa pode ser vegana, não interessando onde ela more, como é a sua rotina ou quanto ganhe. Vejo inclusive as comunidades marginalizadas como as mais vulneráveis levando em conta que estão entre aquelas com pessoas que mais se alimentam mal, e não apenas por limitações financeiras, mas principalmente por falta de instrução e informação. No entanto, quem tem a informação pode contribuir de alguma forma com aqueles que não a têm.
Então alguém pode perguntar: “Mas e o tiozinho que só tem a grana para comprar a linguiça ou o salsichão do almoço?” Então, em vez de incentivá-lo a comer algo que pode debilitar a sua saúde, que tal mostrar que esses alimentos podem ser responsáveis por fazer com que ele desenvolva doenças cardiovasculares ou câncer? Por que não descartar isso? Compensa até mesmo ficar apenas no básico arroz e feijão. Afinal, a tal da “mistura” nada mais é do que um condicionamento cultural.
“Ah, mas tem vegano que compra produtos que não são testados em animais, mas que são de empresas que também fabricam alimentos baseados em laticínios, por exemplo.” Sim, você tem razão, até porque ainda não há tantas empresas veganas no Brasil se considerarmos dimensão territorial e densidade demográfica. Logo realmente a oferta ainda não é proporcional à demanda; e o ideal, claro, seria a redução no consumo de industrializados, ou pelo menos uma grande diversificação, até para não esbarrarmos no problema que é a oferta de produtos por poucas, mas grandes empresas.
Sim, na atualidade, as pessoas acabam considerando suas possibilidades em um contexto de acessibilidade e até mesmo de custo-benefício. Sendo assim, sou da opinião de que só a desaceleração no consumo de produtos de origem animal pode favorecer esse cenário em um primeiro momento, e realmente há que se ter o cuidado com outras esparrelas. Porém, tenho uma perspectiva positiva em relação a isso porque sei que a consciência de hoje já não é a de ontem. E isso deve melhorar.
Enfim, creio que o mais é importante agora é trabalharmos com as ferramentas que temos, disseminar informação e mostrar para as pessoas que todo mundo tem condições de fazer alguma diferença. Até porque não é novidade que onde há exploração animal também há outras formas de impacto negativo em oposição à justiça social. E claro, isso acontece também fora do contexto da exploração animal. Porém, se ainda não podemos abraçar o mundo, podemos pelo menos tentar abraçar aquele que já está ao nosso alcance.