Revolta e indignação. Os dois termos caem bem para descrever os sentimentos em relação ao que se vê cotidianamente nas calçadas santistas. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca foi vítima, ou ao menos esteve próximo, de pisar nas fezes não recolhidas de algum cachorrinho cujo tutor levou para passear.
Em Santos (SP), até existe o programa “Cate a Caca de seu Totó”, cujo objetivo é esclarecer a população das implicações ambientais e de saúde pública causadas pela deposição de dejetos animais em vias públicas.
Na prática, porém, o que mais se observa é o contrário, como a situação flagrada na orla. Um rapaz, cruzando o jardim, acompanhado de dois cachorros, apenas esperou-os fazer as necessidades para ir embora.
Pela cidade, a situação é a mesma. A dentista Leila Zuqim tem um consultório na Rua Jurubatuba, na Ponta da Praia, e afirma que se depara constantemente com exemplos de falta de cidadania.“Não há educação. Já vi gente levar animais domésticos para fazer cocô na porta da minha clínica. Certa vez, o portão estava aberto e o jardim que tenho na frente do estabelecimento ganhou um presente”.
A funcionária pública Eliana Masch Naslavski pode ser considerada uma exceção. “Tutelo cachorro e quando vou passear, levo uma sacolinha, pego a caca dele e jogo no lixo de casa”.
Entretanto, ela lamenta que outras pessoas tenham uma conduta diferente. “Certa vez, estava chegando à minha casa quando uma senhora passou e deixou seu cachorro fazer as necessidades em frente ao meu portão. Fui atrás dela, que negou o ato. Em outra ocasião, uma mulher fez a mesma coisa e me disse: na volta eu cato. Claro que isso não aconteceu”.
Falta educação
Entulhos, móveis e, principalmente, fezes de cachorro, onipresentes nos passeios públicos, ultrapassam a mera indignação: são sinais de uma sociedade cada vez mais individualista, que não respeita a si e aos que estão em volta.
Segundo a psicóloga Maria Izabel Calil Stamato, coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Católica de Santos (UniSantos), as situações vividas por Leila e Eliana são exemplos de uma educação voltada para o individualismo. “Há pouca preocupação com as questões coletivas. Os adultos não estão voltados para isso”.
Izabel crê que educação é a base para uma mudança de mentalidade. “As pessoas pensam que o espaço público não é de ninguém, mas é de todos. A conscientização só virá com a massificação de campanhas educativas, eventos e com o trabalho da mídia, dando visibilidade para ações em conjunto”.
Todavia, ela enxerga uma situação melhor para os próximos anos. “As crianças têm mais noção de coletividade em função do que é aplicado nas escolas. Além disso, vemos os pequenos dando lições nos mais velhos, criticando os pais por jogar lixo na rua, passar o sinal vermelho”.
O antropólogo Darrell Champlin ressalta a ausência de condutas mais rígidas. “Há uma complacência generalizada para o mau comportamento. Nunca houve ação para a mudança, com fiscalização e punição, seja na educação de berço ou na atuação do Poder Público, que é completamente tolerante com esse e outros problemas, como atendimento à saúde e trânsito caótico”. Ele descarta que a falta de educação coletiva seja um problema do brasileiro. “Sem dúvida, é algo mais presente nas culturas latinas do que nas saxônicas e europeias. Mas há lugares em que a situação é muito pior, como a Índia, por exemplo”.
Champlin faz ainda uma comparação curiosa para enfatizar como parte da sociedade está atrasada nessa questão, ao lembrar que o nome científico do homem moderno é Homo Sapiens Sapiens (Homem sábio). “Porém, em alguns momentos parecemos os Australopithecus”, diz, fazendo referência a um antepassado humano primitivo, que viveu entre 4 milhões e 1,5 milhão de anos atrás.
Fonte: Jornal A Tribuna