As pessoas que nasceram até os anos 70 bem sabem que, antigamente, tínhamos estações bem definidas. Nas regiões Sul e Sudeste do país elas manifestavam-se, infalíveis, a cada três meses: primavera (de setembro a novembro), verão (dezembro a fevereiro), outono (março a maio) e inverno (junho a agosto). As estações surgiam silenciosas, vindas não se sabe de onde, ora misturadas ao frescor da manhã, ora trazidas pelos ventos de um fim de tarde. Dessa forma se cumpria, todo ano, o sagrado ritual do tempo e da vida. O período das chuvas despedia-se no dia 20 de março, quando o outono punha-se a soprar as folhas secas. Depois vinham as flores de maio, que se vestiam de vermelho todo quinto mês, para o deleite dos nossos olhos deslumbrados. E quando, enfim, as bailarinas do jardim tornavam a dormir, o frio que caía das estrelas se instalava em nossos corações por muitas e muitas noites, até que de repente, doce milagre da existência, os campos renasciam em cores, aromas e sons.
Eu juro que era assim. Quatro estações que nos ensinavam muito sobre a vida e o tempo. A natureza se expressava em cada uma delas: nas goiabeiras em flor, no canto dos sabiás, no leito dos rios ou no esplendor de um flamboyant. Na época do inverno tínhamos de usar casacos, gorros e cachecol, senão mal conseguiríamos sair de casa. E quando desabrochavam as flores sob o balé de asas multicoloridas, com elas renascia a esperança. Juro pela minha avó que todo ano era assim… Diz a lenda que São Paulo era conhecida como terra da garoa e Porto Alegre um lugar de frio intenso. Ironia ou não, o fato é que este ano, por quarenta dias e quarenta noites, a capital paulista foi literalmente tomada pelas águas, enquanto em alguns rincões gaúchos os termômetros atingiram a marca – até então carioca – dos 40°C. Difícil acreditar, mas é tudo verdade.
Há tempos que muitas regiões brasileiras têm seu ciclo natural invertido. Já não se sabe qual é o mês mais chuvoso e nem se o verão irromperá abrasante no meio de julho. Os paulistanos mais jovens desconhecem o que é primavera e muito menos inverno. Conhecem apenas duas estações ao ano: um outono deslocado (de junho a agosto) e um longo verão (de setembro a maio). Sério, basta conferir os registros das temperaturas computadas nas duas últimas décadas para concluir nesse sentido. Mas para não ser tão taxativo a ponto de excluir de vez a possibilidade do inverno, pode-se dizer que em São Paulo há uma semaninha de frio mais intenso, nada mais do que isso. Quanto à antiga estação florida, hoje o verão chega tão abruptamente que nem temos tempo de perceber as sutilezas do jardim.
Não bastasse a reação do planeta em defesa das matas devastadas, dos animais mortos e dos rios poluídos, o homem insensível – responsável direto por tantos desmandos ambientais – continua a desafiar a natureza com uma outra provocação. Sabem como? Decretando o horário de verão, uma maneira artificial de adequar o tempo a interesses diversos, sobretudo de ordem econômica. Esqueçam o relógio biológico, porque “tempo é dinheiro”. Azar de quem for dormir mais tarde, porque às cinco horas da manhã o despertador soará inapelável. Por quatro meses a cidade quase não descansa, milhares de luzes e chuveiros são ligados de madrugada, o sono desvanece e o cérebro desnorteia. Nesse contexto não interessam as leis naturais, tão somente as leis do mercado. Como se as razões da economia tivessem de prevalecer sobre a sabedoria da natureza, mostrando quem manda e quem obedece. Que coisa mais triste…
Quero de volta as quatro estações. Quero rever a primavera. A praia branca e nua no verão. Quero caminhar no outono. E no inverno simplesmente adormecer. Quero quero tanta coisa. O sol de uma manhã que se perdeu. Quero o lamento do violão noturno. Quero um mundo sem correntes. Quero quero. Quero a luz da primeira estrela. E também um céu salpicado de astros. Quero compreender as vozes da noite. Inventar palavras. Distinguir corpo e alma. Quero um tempo em que se possa sonhar. Quero quero. Belo belo. Eu quero os mais belos versos de Manuel Bandeira:
Belo belo minha bela. Tenho tudo que não quero. Não tenho nada que quero… Quero quero. Quero a solidão dos píncaros. A água da fonte escondida. A rosa que floresceu… Quero quero. Quero dar a volta ao mundo. Só num navio de vela. Quero rever Pernambuco…
– Quero é a delícia de poder sentir as coisas mais simples.