Até recentemente pesquisadores pensavam que duas das quatro espécies de golfinhos da Amazônia, os botos-vermelhos (Inia boliviensis eI.geoffrensis), tinham como principais limites à sua distribuição a sequência de cachoeiras e corredeiras do alto rio Madeira. Mas para surpresa dos pesquisadores, a espécie pertencente aos rios da Bolívia (pelo menos na teoria), ultrapassa esses limites e se encontra em áreas abaixo das corredeiras.
A constatação foi feita no estudo da doutora em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI), Waleska Gravena, em colaboração com as pesquisadoras do Inpa Maria Nazaré da Silva e Vera da Silva, e os pesquisadores do Laboratório de Evolução e Genética Animal da Universidade Federal da Amazonas (Ufam), Tomas Hrbek e Izeni Farias.
“Foi observado que a espécie Inia boliviensis ocupa não somente os rios da Bolívia, acima das corredeiras, mas também grande parte do rio Madeira, sendo encontrada até no município de Borba (AM), a 870 quilômetros abaixo das corredeiras”, explica Gravena.
O estudo ocorreu nos rios Madeira, Mamoré e Guaporé – estados de Rondônia e Amazonas – onde existia, até recentemente, uma sequência de 18 corredeiras e cachoeiras que por muitos anos foram consideradas barreiras à distribuição das duas espécies.
Essa descoberta preocupa os pesquisadores porque na região foram construídas duas usinas hidroelétricas, nas corredeiras de Santo Antônio e Caldeirão, UHE Santo Antônio e UHE Jirau, respectivamente. Essas modificações, segundo Gravena, podem interferir na conservação dos botos que habitam a região, já que agora as populações de botos da Bolívia e do Brasil ficaram isoladas.
A maioria dos animais estudados foi identificada, a partir de sequências de DNA mitocondrial, como pertencentes à espécie Inia boliviensis. A espécie que teoricamente ocorreria logo abaixo das corredeiras, I. geoffrensis, na verdade, ocorre somente nos últimos 200 km do rio Madeira.
“Ainda não encontramos qual a barreira entre as espécies, já que na localidade onde são encontradas as duas espécies não existem nenhuma barreira física que impeça o encontro delas. Apesar das corredeiras não funcionarem como barreiras efetivas, podemos afirmar que elas funcionavam como uma barreira semipermeável, já que os animais descem, mas não conseguem subir”, complementa Gravena.
Conforme Gravena, a UHE Santo Antônio fechou suas comportas em agosto de 2011 e a UHE Jirau em dezembro de 2012. As duas usinas agora mantêm represadas as águas do rio Madeira, formando reservatórios de aproximadamente 350 quilômetros quadrados e 303 quilômetros quadrados. “Esses reservatórios já submergiram oito das 18 corredeiras existentes nessa região, transformando completamente o ambiente”.
Em termos de conservação, aponta Gravena, a captura acidental ou deliberada parece ser a principal fonte de ameaça aos botos nos vários países amazônicos, mas na região das corredeiras do rio Madeira, a mudança nesses ecossistemas associada à construção de hidroelétricas e barragens tem sido a principal fonte de risco para os golfinhos de água doce, principalmente devido à fragmentação das populações naturais.
A Amazônia possui quatro espécies de golfinhos. Três delas são os botos-vermelhos da família Iniidae (I. geoffrensis, I. boliviensis e I. araguaiaensis) e uma quarta espécie é o tucuxi, boto da família Delphinidae (Sotalia fluviatilis). O I. araguaiaensis foi descoberto recentemente.
Um dos menores golfinhos do mundo, o boto tucuxi alcança no máximo 150 centímetros de comprimento e 53 kg, que é a única exceção da típica família de golfinhos marinhos a viver em água-doce.
Já o boto-vermelho quando nasce é cinza escuro e fica mais claro e rosado à medida que cresce. Os machos são bem maiores e mais robustos do que as fêmeas e chegam a medir 250 cm e pesar 200 kg. As fêmeas raramente ultrapassam 220 cm e 155 kg.
Fonte: acritica.com