A poluição foi responsável por 9 milhões de mortes em 2019 — o equivalente a um em cada seis óbitos em todo o mundo —, revela um estudo divulgado por um consórcio internacional de cientistas na última edição da revista The Lancet Commission on Pollution and Health. Segundo os autores, o número permanece inalterado desde a análise anterior feita pelo grupo, em 2017, o que reflete que poucas ações foram tomadas para conter essa crise de saúde pública. No texto, os responsáveis pelo trabalho pedem que medidas sejam tomadas imediatamente no sentido de reverter esse cenário que causa prejuízos globais.
A investigação conduzida por integrantes da Comissão Lancet de Poluição e Saúde tem como base o estudo Global Burden Disease (GBD) — uma publicação anual com estimativas globais relacionadas ao impacto de doenças diversas na população. Os dados analisados em 2017 indicaram a ocorrência de 9 milhões de óbitos precoces em todo o mundo em 2015. O número se repetiu no novo relatório, que teve como referência as informações de 2019 e representa 16% das mortes registradas no mundo.
Além disso, a poluição do ar continua sendo a responsável pelo maior número de óbitos: 6,67 milhões em todo o mundo. Em seguida, vêm poluição química tóxica (1,8 milhão), a poluição da água (1,36 milhão) e os riscos ocupacionais tóxicos (870 mil). Metade da poluição química é atribuída à exposição ao chumbo, e, segundo os autores, é provável que o números de vítimas seja subestimado porque apenas um pequeno número de produtos químicos fabricados no comércio é testada adequadamente quanto à segurança ou à toxicidade.
O documento mais recente também mostra que o número de mortes por fontes de poluição associadas à pobreza extrema — como a presença de poluentes em ambientes fechados — diminuiu, sendo essa redução mais evidente na África, onde ainda é comum a queima de lenha e carvão dentro de casa para fazer comida. Para os autores, isso pode ser explicado por melhorias no abastecimento de água e saneamento e pelo uso de antibióticos e combustíveis mais limpos.
Por outro lado, houve um aumento substancial de óbitos relacionados à exposição a poluentes derivados da atividade industrial, registrados de forma mais evidente no Sudeste Asiático, onde os níveis crescentes de exposição a produtos tóxicos também são somados ao envelhecimento da população.
Faltam ações
Na avaliação dos cientistas, de forma geral, esse cenário mostra que pouco tem sido feito pelas autoridades mundiais para lidar com os efeitos da poluição na vida das pessoas. “Os impactos da poluição na saúde continuam enormes, e os países de baixa e média renda arcam com o peso desse fardo. Apesar de seus enormes impactos também na área social e econômica, a prevenção da poluição é amplamente negligenciada na agenda de desenvolvimento internacional”, critica, em comunicado, Richard Fuller, autor principal do estudo e líder da Comissão Lancet de Poluição e Saúde.
Segundo o também ambientalista da Ong Pure Earth, nos Estados Unidos, a atenção e o financiamento aumentaram “apenas minimamente” desde 2015. Mas estudos têm evidenciado pouco efeito, já que segue o aumento da poluição e de seus efeitos na saúde. Para os autores do estudo, os resultados das últimas análises deixam claro que os poluentes são uma ameaça planetária e que suas consequências transcendem as fronteiras locais. “A poluição não pode ser vista como um problema de apenas uma região. Ela é uma ameaça existencial à saúde humana e compromete a sustentabilidade das sociedades modernas”, enfatizou Philip Landrigan, diretor do Programa de Saúde e Observatório de Poluição Global do Boston College, nos EUA.
Celso Taques Saldanha, coordenador do Departamento Científico de Biodiversidade, Poluição e Alergias da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), chama a atenção para o fato de não haver queda no número de vítimas mesmo com todos os avanços da ciência. “É impressionante que isso aconteça. Temos ferramentas para ajudar a mudar esse retrato, mas, ainda assim, mantemos essas taxas de óbitos com o passar dos anos”, diz. “Vemos que as mortes relacionadas à pobreza e à poluição diminuíram, mas logo em seguida temos o aumento desencadeado pela indústria. Ou seja, seguimos na mesma, sem nenhum ganho.”
Os autores do estudo indicam alguns caminhos para o enfrentar o problema. Entre as recomendações, está a realização de uma conferência independente de ciência para a poluição, semelhante ao estilo do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). “Poluição, mudanças climáticas e perda de biodiversidade estão intimamente ligados. O controle bem-sucedido dessas ameaças conjuntas requer uma interface especializada, um trabalho conjunto e com suporte global”, justifica, em comunicado, Rachael Kupka, coautora do trabalho e diretora executiva da Aliança Global sobre Saúde e Poluição, nos Estados Unidos.
Philip Landrigan ilustra uma indicação do documento voltada para essa combinação de temáticas. “Nosso relatório pede uma transição massiva e rápida de todos os combustíveis fósseis para energia limpa e renovável”, diz. Também faz parte das recomendações dos especialistas o aumento de financiamento de estudos sobre o tema e de ações voltadas para conter os danos ambientais ligados aos poluentes.
Saldanha concorda com as estratégias. “Precisamos seguir essas orientações pedidas no artigo, como um painel para discussão, além de encontrar novas maneiras de informar a população em relação a esse tema, reforçando a sua importância”, diz o integrante da Asbai. “Vemos dados cada dia mais preocupantes relacionados à perda da biodiversidade, como as queimadas, além do aumento de casos de doenças pulmonares, por exemplo, a pneumonia. É necessário uma mudança brusca para que esses dados sejam revertidos.”
Fonte: Correio Braziliense