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Polêmica: tratar ou não a leishmaniose

29 de julho de 2013
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De um lado, uma decisão judicial. De outro, as autoridades de saúde. Em meio à polêmica sobre tratar ou matar cães infectados por leishmaniose, clínicas veterinárias de Bauru (SP), em sua maioria, atendem o desejo dos tutores dos animais.

De cinco consultórios contatados anonimamente pelo JC, todos informaram realizar o tratamento de cães doentes. O assunto está no centro de um embate entre o Tribunal Regional Federal (TRF), que autorizou médicos veterinários a cuidar dos animais, e o Ministério da Saúde, que condena a prática.

Em Bauru, a Secretaria Municipal de Saúde informou que continua seguindo as orientações da União. Mas, nas clínicas consultadas pela reportagem, o tratamento vem sendo realizado normalmente, inclusive, com o uso de medicamentos destinados a humanos.

Há ainda a opção pela chamada imunoterapia, em que são aplicadas vacinas duplamente concentradas pelo resto da vida do cão, já que, para eles, a leishmaniose não tem cura. O custo do procedimento no mês inicial, somando a consulta, exame de sorologia para confirmar a doença e primeiras aplicações, pode chegar a R$ 700,00. Um preço que muitos tutores de cães estão dispostos a pagar.

A permissão para o tratamento foi dada por uma decisão do TRF da 3ª Região, em São Paulo, em 16 de janeiro deste ano. O acórdão assinado pelo desembargador federal André Nabarrete, que possui abrangência nacional, considerou ilegal a Portaria Ministerial 1426/2008-MAPA, que até então proibia a utilização de medicamentos de uso humano ou qualquer outro, já que nenhum está registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para o tratamento de cães com esta patologia.

Afronta

A orientação, até então, vinha sendo pela eutanásia dos animais infectados. Mas, no entendimento do desembargador, cabe ao veterinário decidir pela utilização de medicamentos – sejam eles de uso humano ou não – e de materiais para tratar o animal. O sacrifício se tornou ilegal à medida que viola a liberdade de exercício da profissão destes especialistas.

Para o TRF, ao restringir os mecanismos de direito à vida dos cães, a Portaria Ministerial também afrontava a legislação protetiva do meio ambiente e a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, assinada em Bruxelas, em 1978. Desta forma, de acordo com o tribunal, profissionais, empresas ou órgãos que se negarem a oferecer tratamento aos cães doentes ficam sujeitos às penalidades previstas pela Lei de Crimes Ambientais.

Em contraposição, o Conselho Federal de Medicina Veterinária reforçou, após a publicação do acórdão, que o profissional incorrerá em infração ética se medicar qualquer animal, sob risco de ter o direito do exercício profissional cassado. O repúdio ao tratamento é compartilhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo município de Bauru e pelo Ministério da Saúde, que já ingressou com recurso contra a decisão em março deste ano.

“A recomendação, em todos os casos, é pela eutanásia, mas trata-se de um impasse que ainda terá de ser discutido”, resume o titular da Secretaria Municipal de Saúde, Fernando Monti.

Prática condenada pelas autoridades

Como argumento para condenar o tratamento, as autoridades de saúde destacam o fato de a doença não ter cura para cães, que continuam sendo fonte de infecção para o inseto transmissor, o mosquito de palha ou birigui. Se picar o animal infectado, poderá transmitir a doença a humanos, o que representa um grande risco à saúde da população.

Outra preocupação é a possibilidade de o uso indiscriminado dos medicamentos em animais diminuir a eficiência do tratamento para os humanos, já que estudos teriam comprovado que o protozoário Leishmania chagasi, transmitido pelo mosquito palha, pode se tornar resistente às drogas disponíveis. Somente neste ano, 13 pessoas contraíram Leishmaniose Visceral Americana (LVA) em Bauru, sendo que uma morreu. Em 2012, foram totalizados 35 casos da doença e três óbitos.

O que é leishmaniose?

Trata-se de uma doença infectocontagiosa transmitida pela picada do mosquito flebótomo (também conhecido como “birigui” ou “mosquito de palha”) infectado, introduz na circulação do animal ou do homem o protozoário Leishmania chagasi. Pode ser desenvolvida em cães ou homens. Nos cães, os sintomas são: atrofia muscular, falta de apetite, diarreia, lesões oculares, sangramentos, descamação da pele, úlceras e nódulos na pele.

Mesmo infectado, um cão ou homem não transmite a doença para outros animais ou outras pessoas. O mesmo ocorre com humanos. A transmissão do parasita ocorre apenas por meio da picada do mosquito fêmea infectado.

Cão tratado há 4 anos

Antes de a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) autorizar o tratamento de cães infectados por leishmaniose, uma manicure de 53 anos, que preferiu não se identificar, conseguiu tratar seu animal.

O cachorro, da raça poodle, tinha seis anos de idade quando contaminado pela doença, em 2009, quando a Portaria Ministerial 1426/2008-MAPA ainda estava em vigor. “Meu veterinário indicou tratamento com alopurinol e disse que muitos cães conseguiam uma sobrevida de mais cinco anos. A medicação era diária e o meu respondeu bem ao tratamento por dez meses, mas acabou morrendo em consequência da doença”, lembra.

Unesp elaborou estudo sobre tratamento

Estudo realizado pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araçatuba mostrou que um medicamento desenvolvido no Brasil e batizado de P-MAPA melhorou o estado clínico e a imunidade de cães com leishmaniose. Segundo os pesquisadores, a droga poderia ser usada como adjuvante no tratamento convencional.

Para a pesquisa, que contou com apoio da Fapesp, foram selecionados 20 animais que apresentavam pelo menos três sinais característicos da doença. Após a confirmação do diagnóstico, os cães foram separados em dois grupos. Metade foi tratada com injeções intramusculares de P-MAPA (abreviação de agregado polimérico de fosfolinoleato-palmitoleato de magnésio e amônio proteico) durante 45 dias. A outra metade recebeu apenas placebo durante o mesmo período.

“O grupo tratado apresentou uma clara melhora clínica, especialmente relacionada ao ganho de peso e massa muscular, recuperação das lesões cutâneas e crescimento de pelos em áreas de alopecia. Também analisamos uma série de parâmetros para ver se a imunidade celular havia aumentado”, conta Valéria Marçal Felix de Lima, professora da Faculdade de Medicina Veterinária da Unesp e coordenadora da pesquisa.

Fonte: Jornal da Cidade (Bauru/SP)

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