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CONSUMO DESENFREADO

Pecuária é a principal responsável pelo desflorestamento tropical

4 de junho de 2021
Justin Catanoso (Mongabay) | Traduzido por Cibele Garcia
8 min. de leitura
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Em um novo relatório, a ONG Forest Trends realçou que ao menos 69% das florestas tropicais desmatadas para atividades agrícolas, como pecuária e agricultura entre 2013 e 2019, foram feitas em desacordo com as leis e regulamentos nacionais.

Durante esse período, a quantidade real de terra ilegalmente desmatada foi de grandes proporções – 31.7 milhões de hectares, ou uma área aproximadamente do tamanho da Noruega.

O estudo pontua que se as emissões do desmatamento tropical em conjunto com a agricultura comercial fossem um país, estaria em terceiro lugar, atrás da China e EUA.

O presidente da Forest Trends, Michael Jenkins, disse que quando os governos veem as florestas como os indígenas as olham – mais valiosas em pé do que devastadas – é possível uma conservação em escala.

Foto: Ilustração | Pixabay

As florestas tropicais por todo o globo estão sendo dizimadas a um nível alarmante, mesmo em 2020 quando a economia global desacelerou dramaticamente durante a pandemia. Um novo relatório divulgado na última semana mostra uma visão da principal razão para essa desflorestação – e nossa cumplicidade inconsciente como consumidores.

Nesse relatório, Illicit Harvest, Complicit Goods, a ONG Forest Trends apontou que ao menos 69% das florestas tropicais desmatadas para atividades agrícolas, como pecuária e agricultura entre 2013 e 2019, violaram as leis e regulamentos nacionais. A quantidade real de terra ilegalmente desmatada é imensa durante esse período – 31.7 milhões de hectares, ou uma área aproximadamente do tamanho da Noruega.

O relatório revela que o impacto climático dessa agro conversão ilegal é igualmente significante, representando 42% das emissões dos gases de efeito estufa de toda desflorestação tropical. As emissões supracitadas totalizam 2.7 gigatoneladas de CO2 anualmente durante o período de sete anos, são mais que as emissões da Índia de combustíveis fósseis em 2018. O estudo observa que se as emissões do desmatamento tropical em conjunto com a agricultura comercial fossem um país, estaria em terceiro lugar, atrás da China e EUA.

Na 26ª Cúpula do Clima da ONU em Glasgow, em novembro, os líderes mundiais devem completar os detalhes finais necessários para implementar os objetivos do Acordo de Paris de 2015, visando desacelerar o aquecimento global. Descobrir como alimentar a população mundial crescente sem comprometer ainda mais o sistema de mitigação climática mais eficaz que possuímos – florestas tropicais intactas, biodiversas consumidoras de carbono – será a prioridade máxima.

“Nós deveríamos estar atônitos que o desmatamento ilegal para o comércio agrícola é o maior responsável pela desflorestação – e está cada vez mais aumentando”, disse Arthur Blundell, um consultor da Forest Trends que conduziu a pesquisa e é coautor do relatório. “Se não pararmos com esse desmatamento ilícito, não teremos chance de vencer as três crises que a humanidade enfrenta: mudanças climáticas, perda da biodiversidade e pandemias emergentes.”

Conexão do consumidor

Esse é o segundo relatório da Forest Trends desse tipo, o primeiro foi publicado em 2014. Desde então, a ONG estima que o desmatamento ilegal de florestas tropicais para o comércio agrícola – principalmente gado, azeite de dendê, soja e celulose – aumentou em um terço.

“Quando você pensa em desmatamento, 20 anos atrás estávamos falando de exploração de madeira ilegal”, disse Michael Jenkings, presidente e CEO da Forest Trends, ao Mongabay. “Aproximadamente 10 anos atrás identificamos que as causas do desmatamento haviam mudado. A agricultura de commodity ocupou o primeiro lugar com produtos indo para lugares como EUA, China, Reino Unido, Europa.”

“Quando você reflete sobre isso como uma cadeia de valores”, ele acrescentou, “muitos desses produtos acabam em nossos shoppings (como comida, sabonetes, cosméticos). Estamos comprando esses produtos, e como resultado somos coniventes com a destruição ilegal das florestas. Aquilo foi revelador para nós. Começamos a pensar – o que podemos fazer quanto a isso?”

Para Jenkins, o fator determinante foi a quantidade de conversão ilegal de terras na América Latina, sudeste da Ásia e na África. Ele elucidou que países como Brasil, Indonésia e a República Democrática do Congo, entre outros, não estão cumprindo as leis de conservação, ou fazendo o policiamento de suas áreas de proteção e dos territórios indígenas. Eles estavam perdendo receita fiscal. As commodities maculadas então vão para as cadeias de suprimentos de grandes produtoras de alimentos e bens de consumo. E destinos como EUA e União Europeia, ambos defensores da proteção de florestas tropicais para mitigação climática, acabam subsidiando o problema.

“Nós realmente precisamos aguçar nosso entendimento sobre o que está causando o desmatamento e desenvolver respostas necessárias”, disse Jenkins. “Um esforço colossal será necessário, incluindo normas internacionais, certificação de processos e políticas corporativas. Começará comigo e com você como consumidores dizendo que não queremos ser parte do desmatamento ilegal.”

Mikaela Weisse é a gerente de projetos do Instituto de Recursos Mundiais, responsável pela plataforma de monitoramento da Vigilância Florestal Global, da qual os pesquisadores da Forest Trends obtiveram os números de desmatamento do período 2013-2019. A Vigilância Florestal Global não determina onde os desmatamentos são legais ou ilegais.

“Ir além da desflorestação para mostrar os laços entre comércio e ilegalidade é muito importante”, Weisse disse à Mongabay. “É uma questão complicada de responder e é muito útil que eles tenham tentado resolver isso.”

A questão poderia proporcionar um ponto de convergência para os formuladores de políticas internacionais que estarão em Glasgow, ela afirmou: “Em discussões na Europa e América do Norte sobre como lidar com o desmatamento e a legalidade dos produtos que importamos, esse [relatório] é um passo fundamental para responder esses tipos de questões.”

Calculando a ilegalidade

No que a Forest Trends descreveu como uma avalição imperfeita que provavelmente subestima o escopo de conversão ilegal de terra, aqui a ONG expõe como chegou a esses números:

Pesquisadores avaliaram a mudança do conglomerado de árvores em países tropicais entre 2013-2019, baseando-se em dados da Universidade de Maryland acessados via Vigilância Florestal Global, incluindo todas as florestas com mais de 50% de dossel – florestas primárias, assim como secundárias, e plantações. Aprofundaram-se em dados para avaliar o quanto de floresta devastada foi transformada em agricultura. A Forest Trends completou estudos sobre os 23 países mais afetados pelo desmatamento para obter mais detalhamentos.

O relatório afirma: “a legalidade é enquadrada no contexto do reconhecimento dos direitos soberanos de cada país. ‘Ilegalidade’ é definida, portanto, como a conversão de florestas que ocorre no (em oposição ao) seio legislativo de um país, incluindo suas leis, regulamentos, instruções e demais outros instrumentos legais que penalizam o seu não cumprimento… Para os estudos de cada país a literatura foi revisada para avaliar a conformidade do desmatamento (agro conversão) em relação à estrutura legislativa relevante quando da desflorestação”

A Forest Trends concluiu, a partir de exemplos específicos, que pelo menos 95% do desmatamento brasileiro foi ilegal. A Agência Suprema de Auditoria da Indonésia descobriu que mais de 80% das operações envolvendo azeite de dendê não estavam de acordo com as leis nacionais. Em países com governança e supervisão ambiental fraca, ilustrar ilegalidade é quase impossível.

“Compreender completamente o escopo da ilegalidade é um desafio, uma vez que muitos países não relatam dados a respeito do desmatamento ilegal, e países com dados confiáveis são escassos”, disse Cassie Dummet, coautora do relatório da Forest Trends. “Entretanto, apresentamos evidências claras nesse relatório que o problema é muito grande – e aumenta muito rápido – para ser ignorado.”

Melhor proteção? Direitos indígenas

Jenkins reconheceu que em um mundo com crescimento populacional e afluência, colocar-se-á mais pressão sobre as florestas tropicais para produzir mais comida e commodities de consumo. Se estivermos engajados na mitigação climática, ele disse, esses aumentos devem vir de maiores rendimentos nas terras existentes, restaurando terras degradas, reduzindo o consumo de carne bovina e colocando um fim no desmatamento ilegal.

“Haverá exploração madeireira e desmatamento,” disse Jenkins. “Gostaríamos que fossem legais para ser visíveis, planejados e bem pensados. Se pudermos adotar metas de desmatamento líquido zero, encontra-se aí um ponto de partida importante.”

Forest Trends pontua que nos EUA, por exemplo, novas legislações como a Lacey Act Amendments de 2008, que baniu o comércio ilegal de madeira, poderia servir de modelo para importações agrícolas. O Reino Unido e a União Europeia estão desenvolvendo agora normas como essa.

Os governos também necessitarão da adesão corporativa. A Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, objetivou remover o desflorestamento da cadeia de suprimentos até 2020; tal objetivo fracassou. Segundo análises do Forest 500, um programa comandado pela ONG Global Canopy do Reino Unido, o fracasso se deve principalmente a 43% das 500 empresas e instituições financeiras ligadas à cadeia de suprimentos e empréstimos relacionadas a florestas não terem se comprometido ainda com o fim do desmatamento.

Um lado positivo: a habilidade dos povos indígenas de se protegerem contra o desmatamento ilegal quando têm autoridade e controle sobre suas terras está se tornando bem mais compreendida e promovida.

No decorrer das duas últimas décadas, os governos da latino-americanos implementaram programas e políticas para reforçar os direitos das terras indígenas e aumentar o conhecimento florestal tradicional. Os resultados realçam os benefícios protetivos que as comunidades indígenas proporcionam à floresta, segundo um relatório recente da ONU.

Jenkins sugeriu que quando governos olham para as florestas com o mesmo olhar que os indígenas – mais valiosa em pé do que devastada – a conservação em escala se torna possível.

“Aquele acre de floresta natural é incrivelmente valioso,” ele afirma. “Se calcularmos o carbono naquelas árvores, nós estamos calculando o valor da biodiversidade nesses habitats essenciais – se acertamos a equação financeira, então isso se torna muito mais fácil.”

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