Segundo Flávio Alóe, neurologista, especialista em Medicina do Sono, do Laboratório do Sono da Faculdade de Medicina da USP, “sonho é uma atividade mental ligada a uma série de ocorrências que se sucedem durante a fase de sono REM dos mamíferos. Obviamente, é um pouco mais difícil estudar o fenômeno nos outros mamíferos que não o homem porque eles não têm como contar sua experiência. Todavia, existem marcadores neurofisiológicos indiretos que tornam possível perceber que o animal está sonhando. Gatos, por exemplo, viram os olhos para o lado como se estivessem vendo uma presa ou algo que desejassem comer. Suas reações, nesse momento, são bem semelhantes às do modelo humano”.
Quem primeiro estudou sistematicamente os sonhos foi o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), que verificou que os sonhos se caracterizam pela ocorrência de movimentos dos olhos, dos lábios e da face, assim como dos membros superiores e inferiores. Segundo Aristóteles, os movimentos refletem o conteúdo dos sonhos, opinião hoje inteiramente confirmada pela ciência. Suas pesquisas sobre o sono e os sonhos são relatadas em seu livro De Somno. A Mitologia, dos próprios gregos, atribui a responsabilidade dos sonhos aos filhos de Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da morte. Entre os filhos de Hypnos estavam Morfeu, que trazia os sonhos aos homens, Icelus, que provocava os sonhos nos animais, e Phantasus, que despertava sonhos nas coisas inanimadas.
Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês, autor da Teoria da Evolução das Espécies, em seu livro A Descendência do Homem, publicado em 1871, faz algumas observações sobre a capacidade de sonhar do ser humano, e sugere que outros animais também sonhem: “Cachorros, gatos, cavalos e provavelmente todos os animais superiores, até mesmo as aves, têm sonhos vívidos, o que é mostrado por seus movimentos e pelos sons que emitem. Por isso devemos admitir que eles têm algum poder de imaginação”.
Atualmente, de acordo com registros eletroencefalográficos dos estados do sono de animais, os cientistas sabem que, praticamente, todos os mamíferos, aves e alguns animais vertebrados têm a capacidade de sonhar. Reptéis não sonham – pelo menos, sonhos como os dos mamíferos. Os sonhos dos mamíferos têm em comum o movimento rápido dos olhos (REM – rapid eyes movement). Este movimento acontece em sono profundo, e é neste estágio do sono que acontecem os sonhos. O sono REM, o “sono dos sonhos”, tem sido registrado na maioria dos mamíferos, por exemplo, entre ratos, gatos, cães, macacos, gambás e elefantes e também em aves. Dos mamíferos, somente a équidna (animal semelhante ao porco-espinho) não apresenta sono REM.
Pelo fato de o sono REM ter sido observado em mamíferos e aves, mas não em répteis, o neurofisiologista francês Michel Jouvet, em 1962, descobriu, a partir de experiências com gatos, que o sono REM pode ser um processo filogenético relacionado aos animais de sangue quente. Quanto a animais abaixo das aves na escala filogenética (répteis, anfíbios, peixes e invertebrados), só há relatos em relação a crocodilos, que aparentemente podem emitir sinais de atividade onírica, mas essa observação ainda requer confirmação de mais pesquisas.
Observando um pet dormir, percebe-se que ele muda as expressões faciais e a tensão muscular – além de fazer movimentos com as patinhas. Outras vezes “chora”, o que pode significar um pesadelo. Praticamente não há diferenças entre nosso cérebro e o dos demais mamíferos. Durante o sono os animais se movem e emitem ruídos, evidenciando atividade cerebral. Mesmo possuindo um sono polifásico (dormem várias vezes durante o dia), cães e gatos possuem (diferentemente dos humanos, que concentram seu episódio de sono geralmente durante à noite) sono REM.
Mas, o que é sono? Sono é definido como um estado natural de repouso físico e mental, em que ocorre um período de inconsciência total ou parcial. Porém, pesquisas recentes têm constatado que animais com sistema nervoso primitivo têm estágios semelhantes ao sono, embora o cérebro deles não produza o tipo de padrões de atividade cerebral que os cientistas usam para definir o sono. O que as pesquisas atuais apontam é que muitos animais podem ter o sono muito diferente do dos seres humanos. Estudos mais aprofundados sobre o sono de répteis, anfíbios, peixes e animais invertebrados levam a especulações sobre o que é, realmente, sono.
Sono com atividade REM existe em mamíferos, aves e alguns vertebrados. E, mesmo entre estes animais, o sono varia muito. A quantidade de sono nos animais é inversamente proporcional ao grau pelo qual as espécies devem lidar com o perigo predatório, ou seja, as espécies vulneráveis a predadores tendem a dormir menos. Por exemplo: a girafa geralmente dorme em pé e só se deita no chão para descansar quando se sente completamente segura. Outros animais, como as aves, tubarões e alguns mamíferos aquáticos (cetáceos, como baleias e golfinhos), são capazes de diminuir o metabolismo, o que leva a um estágio semelhante ao sono. Esse estado de semiconsciência é que evita que as aves relaxem totalmente, a ponto de caírem das árvores durante o sono. É também responsável por não deixar golfinhos e baleias morrerem afogados enquanto dormem, já que precisam estar parcialmente conscientes para subir à superfície e respirar. Alguns animais grandes como os elefantes, vacas, cavalos, jumentos, também dormem pouco.
Portanto, podemos supor que a grande maioria dos animais dorme. E, dormindo, a grande maioria sonha. E será que um dia descobriremos um sentidos para os nossos sonhos e os dos animais?