Lidar com a perda de pessoas queridas é, para os humanos, um caminho tortuoso e bastante singular. Há quem compreenda de antemão o ocorrido, enquanto outros levam meses e até anos para digerir essa ausência. Dentro do círculo familiar, no qual o sofrimento é compartilhado, hábitos e comportamentos tendem a ser alterados, inclusive entre os animais domésticos. Mas, afinal, como eles sentem e interpretam o luto? De que forma ajudá-los nessas situações?
É unânime entre os veterinários a noção da complexidade do assunto, dado que ainda não há consenso científico, tampouco estudos conclusivos sobre a questão. O passo inicial, entretanto, se dá em não antropomorfizar o animal, isto é, não interpretá-lo tendo como parâmetro características humanas. As reações podem ocorrer de formas variadas e ao modo deles. Segundo Joanna Macedo, médica veterinária especializada em etologia clínica, o que se percebe são alterações no comportamento correspondentes ao nível de vínculo que o animal tinha com o ente ou parceiro de quatro patas.
Em muitos casos, os animais estranham a ausência nos primeiros dias, mas logo se adaptam às mudanças decorrentes da perda. “Nos contextos em que a relação entre o animal e o falecido era competitiva, sem tanta harmonia, o animal remanescente modifica seu comportamento positivamente, ficando mais amistoso e melhorando problemas comportamentais, como proteção de recursos (água, comida, brinquedos ou pessoas)”, explica. Assim, latidos excessivos, agitação e irritabilidade tendem a diminuir.
Por outro lado, quando o vínculo é harmonioso e forte, o sentimento de luto é proporcional. Eles podem adoecer emocionalmente, manifestando falta de apetite, apatia, irritabilidade, ansiedade e até depressão. “Nesses casos, a mudança comportamental pode ser bastante semelhante ao luto dos humanos”, pondera Joanna. Em concordância, o médico veterinário comportamentalista Fabiano Borba acrescenta que oscilações nos padrões de sono e de expressão emocional de afeto também são esperadas e podem persistir por horas, dias ou semanas.
Sempre que a perda for previsível, é recomendável oferecer uma consulta para que o profissional avalie as interações e vinculações do animal e, preventivamente, realize uma série de pequenas modificações, de forma gradual, para auxiliar nessa transição. O objetivo é fazer com que a ruptura do óbito não aconteça de uma forma brusca e que o animal consiga se adaptar da forma mais suave possível à nova rotina.
“Quando não é possível prever a perda, e as mudanças de comportamento permanecerem por mais de 12 semanas, impactando significativamente o bem-estar do animal e da sua família, é hora de procurar ajuda especializada”, aconselha Fabiano.
Caso a depressão seja constatada, as prescrições veterinárias acontecem em três frentes, a depender da gravidade: manejo ambiental, no qual são identificadas novas necessidades que podem ser acessadas pela mudança no ambiente; modificação comportamental, que inclui atividades para contornar os problemas de forma lúdica e gentil; e, em alguns casos, a indicação de suplementos alimentares ou psicofármacos (antidepressivos e ansiolíticos).
E os tutores, o que podem fazer?
Os animais que sofrem com a perda de um companheiro, normalmente, desenvolveram ao longo da sua criação muitas habilidades sociais e emocionais. Joanna recomenda que estas sejam mantidas o máximo possível. “Se a pessoa ou o animal que faleceu eram figuras de referência, ele provavelmente escolherá outro membro familiar para se vincular e se adaptar ao vazio que ficou. Não é uma substituição, é uma relação nova.” Carla Machado, terapeuta para animais e enfermeira veterinária, sugere, ainda, o uso de terapias, como florais e aromoterapia, como auxílio.
É muito importante oferecer uma rotina o mais próximo possível da que ele tinha antes e evitar outras grandes mudanças. Ademais, entender que os problemas comportamentais que surgem em resposta à perda não são intencionais, mas, sim, a expressão de necessidades não atendidas, é fundamental. Portanto, esses animais jamais devem ser punidos, sob o risco de agravar intensamente o quadro.
E quando se trata do luto pela morte de um animal, vale adotar outro posteriormente? Bom, a adoção é uma grande mudança na vida de todos da família. O animal que faleceu tinha individualidades, e a vinculação entre os dois companheiros, que foi construída ao longo do tempo, não se repetirá. Além disso, tal decisão envolve muita responsabilidade e não deve ser baseada apenas na necessidade do animal, mas nas disponibilidades e capacidades da família como um todo.
Dito isso, a adoção de um novo animal pode ser positiva ou uma grande furada. Alguns animais se beneficiam; outros. não. E, na tentativa de ajudar, muitas pessoas se arrependem dessa atitude. O ideal é considerar a orientação de um profissional, até para identificar a compatibilidade entre os dois. Para Fabiano, se a família não tiver experienciado todas as fases do luto e superado a separação, comparações serão inevitáveis, gerando um sentimento de frustração.
“Além do mais, se a morte foi a de um animal idoso, é válido lembrar que filhotes dão muito trabalho, até serem educados”, completa. Carla é categórica: “Se você optar por adotar um novo animal, que seja pelo motivo de realmente querer um outro amigo e não para suprir o luto”.
A dor da ausência e a bravura do recomeço
Quando a servidora pública aposentada Cynthia Bertholini recebeu a notícia que o marido havia sido diagnosticado com Alzheimer, em 2017, o clima já era de desalento. Havia perdido há pouco sua cadela SRD Cacau, em decorrência de uma cirrose crônica. Nos anos seguintes, o mesmo sentimento se repetiria com outros quatro cães: Mussum, irmão de Cacau; Grafite, um fox paulistinha; e os irmãos labradores Blecaute e Dama. A relação entre o grupo mantinha-se desde 2009.
Grafite, com quem o casal era mais próximo, o pequeno dormia entre os dois, desenvolveu um comportamento muito interessante com Levy, marido da tutora. Passou a ser uma espécie de guardião, acompanhando-o sempre e só saindo de perto ao perceber que ele estava bem. “A cada técnica nova que entrava para ficar com Levy pelo home care, Grafite simplesmente se colocava ao lado, de prontidão, como quem diz: ‘eu vou tomar conta dele, ok?”, relata.
No início do ano, o fox paulistinha passou por uma insuficiência renal, devido a um câncer de pele. Com quase 14 anos, a família evitava qualquer procedimento cirúrgico e, gradualmente, ele já não comia e estava muito fraco. No dia em que se foi, recebeu do tutor protegido, que já não se locomovia e passava por um processo de demência, um singelo carinho na cabeça. Foi o suficiente, porém, para ir em paz.
Para quem ficou, sobrou a saudade. Lila, a gata parceira de Grafite; Dama, sua amiga de longa data; e a SRD Amora, adotada recentemente, não comeram neste dia. Mussum e Blecaute já haviam falecido. Cynthia acredita que esse fato abalou mais ainda a saúde da labradora, que já estava fragilizada e não conseguia se levantar mais. Dois meses depois da partida de seu companheiro, Dama teve um AVC e também se foi.
Para Amora e Lila, mais um baque. “A casa ficou vazia e foi como se eu tivesse fechado um ciclo com os cães. Iniciei, portanto e aos poucos, uma nova fase”, conta. Chegaram, então, as SRDs filhotes Nena e Gaya. Em agosto, no entanto, a família precisou lidar com mais uma perda, dessa vez, do tutor. “Levy partiu em meus braços. Na véspera, durante um procedimento médico, Amora estava presente e colocou as duas patinhas na beira da cama. Foi como se estivesse se despedindo.”
Para Cynthia, existe, nos animais, um luto que é diferente. “Eles sentem nossa dor, sabem o que está acontecendo, e isso é muito especial”. Depois da morte do Grafite, Lila ficou muito mais agarrada à tutora, dormindo todas as noites colada em seu pescoço. Para a servidora pública, o que segurou a sua sanidade durante todo esse período foi a presença de seus amigos animais. “Os familiares ajudaram, mas meus animais foram imprescindíveis.”
Primeiro, a rivalidade; depois, o estranhamento da saudade
Adotar duas cadelas, filhotes e irmãs, fez a enfermeira aposentada Maria Bernadete Rocha considerar que ambas se tornariam grandes companheiras. De fato, no início, as pequenas estavam sempre juntas e brincavam muito. Com o tempo, porém, a amizade deu lugar ao ciúme: Lola ficou mais próxima dos tutores e não correspondia aos convites de Zuri para se divertirem. Afastaram-se.
A situação se agravou quando Lola desenvolveu glaucoma e ficou quase cega. Sua insegurança, devido às dificuldades que a doença apresentava, fez com que sentisse grande intimidação em relação à irmã. “A qualidade de vida dela ficou muito ruim. Como assustava-se muito ao esbarrar nas coisas, zangava-se com frequência. Por conta desse problema, tivemos que dar mais atenção a ela, tornando Zuri mais reativa”, recorda. Esta última, inclusive, já tinha um temperamento arisco e não gostava, por exemplo, que chegassem muito perto de sua cama e brinquedos.
Há cerca de três meses, Lola, aos seis anos, não resistiu e faleceu. Para a tutora, a perda foi bastante dolorosa; para Zuri, estranha. Isso porque ela manifestou comportamentos diversos e que pareciam indicar um estado de melancolia. Ficava inquieta, ora se isolava, ora pedia carinho. No sofá, confusa, procurava pela irmã.
Em pouco mais de um mês, o vínculo com Maria Bernadete e seu esposo aumentaram e ela passou a se sentir menos desconfiada. “Acredito que ela tem se sentido mais atendida por nós, o que é muito positivo. Estamos muito próximas e, agora, o cuidado é para que a pequena não desenvolva uma ansiedade de separação”, relata.
Fonte: Correio Braziliense