Diante da falta de ação por parte de líderes e um modelo energético insustentável, o planeta caminha para uma “catástrofe climática”. O alerta está sendo lançado nesta quarta-feira pela ONU que, em um novo informe, apresenta os resultados de levantamentos sobre diferentes indicadores e que revelam que os últimos sete anos foram os mais quentes, desde que existem registros.
A entidade, porém, fez um apelo para que o desmatamento na Amazônia seja encerrado e destacou como tal fenômeno poderá ampliar a crise. “Minha recomendação ao governo do Brasil é que parem o desmatamento e se concentrem até em plantar mais floresta na região”, disse o secretário-geral da OMM (Organização Meteorológica Mundial, uma agência da ONU), Petteri Taalas. “Claro que existem pressões econômicas e pressões locais para continuar a desmatar. Mas, no longo prazo, será muito prejudicial ao país se perder o ecossistema”, disse o especialista, numa coletiva de imprensa nesta quarta-feira em Genebra para lançar o seu novo informe.
A cobrança ocorre num momento em que as taxas de desmatamento no país batem novos recordes, apesar das promessas por parte do governo de Jair Bolsonaro de que haveria uma ação maior de fiscalização na região. Os números desmentem também os compromissos diplomáticos assumidos pelo Brasil na Conferência da ONU sobre o Clima, em Glasgow em 2021.
Em abril, dados revelaram que, no primeiro trimestre de 2022, a Amazônia Legal registrou o maior número acumulado de alertas de desmatamento na história do monitoramento feito pelo Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais). 941,34 km² foram afetados, o maior índice desde 2016. No mesmo período de 2021, a taxa era de 573,29 km². O crescimento,, portanto, foi de mais de 64%.
Taalas, sem hesitar, deixou claro que existe uma preocupação mundial em relação ao Brasil. Ele lembra que, nos últimos informes do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, já ficou constatado que “esse desmatamento na Amazônia tem um impacto maior no clima”. “Parar o desmatamento na Amazônia é um dos grandes desafios do mundo”, insistiu o especialista.
Segundo ele, o desmatamento na região Norte do Brasil está em parte relacionado com a dieta e hábito de consumo de carnes. “O desmatamento está ocorrendo em parte para produzir alimentos para o gado”, disse.
Citando estudos já publicados no Brasil, Taalas destaca como áreas da Amazônia deixaram de ser locais de absorção de CO2 e passaram a ser emissões de gases. “Isso está relacionado com a seca na região e existe um risco importantes que essa área viva uma seca ainda maior e que teria um impacto negativo no ecossistema”, disse.
A pressa da entidade em cobrar soluções não ocorre por acaso. De acordo com o novo estudo, os principais indicadores de mudança climática – concentrações de gases de efeito estufa, elevação do nível do mar, calor oceânico e acidificação oceânica – estabeleceram novos recordes em 2021.Para a Organização Meteorológica Mundial (OMM), este é mais um sinal claro de que as atividades humanas estão causando mudanças em escala planetária em terra, no oceano e na atmosfera, com ramificações prejudiciais e duradouras para o desenvolvimento sustentável e os ecossistemas.
Essa realidade também gerou centenas de bilhões de dólares em perdas econômicas e causou um pesado tributo às vidas humanas e ao bem-estar, além de provar choques para a segurança alimentar e hídrica e migrações que se acentuaram em 2022. Cerca de 800 milhões de pessoas estão em uma situação de penúria alimentar.
Para a entidade, os últimos sete anos foram os sete anos mais quentes de que há registro. 2021 só não bateu um recorde absoluto por conta do La Niña, que teve um efeito temporário de resfriamento, mas não reverteu a tendência geral de aumento das temperaturas. A temperatura média global em 2021 estava cerca de 1,11 °C acima do nível pré-industrial.
No caso brasileiro, o impacto também é evidente. Segundo a ONU, a atividade de incêndios na região amazônica durante a estação alta de agosto e setembro foi menor do que a média de 2019 ou 2020, mas houve uma “extensa atividade de incêndios” em outras partes do Brasil, incluindo o Pantanal.
Chuvas persistentes acima da média no primeiro semestre do ano em partes do norte da América do Sul, particularmente na bacia norte da Amazônia, levaram a inundações significativas e de longa duração na região. “O Rio Negro em Manaus atingiu seu nível mais alto recorde, atingindo um pico de 30,02 m em 20 de junho”, destacou. As inundações mais generalizadas foram relatadas no norte do Brasil, mas Guiana, Venezuela e a Colômbia também foram afetadas.
Ao anunciar os novos dados, a ONU criticou “o fracasso da humanidade em enfrentar a ruptura climática”. Num discurso duro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alertou que “o sistema energético global está falido e nos aproxima cada vez mais da catástrofe climática”.
“Os combustíveis fósseis são um beco sem saída – ambiental e economicamente”, disse. Segundo ele, a guerra na Ucrânia e seus efeitos imediatos sobre os preços da energia é mais uma chamada de atenção. “O único futuro sustentável é um futuro renovável”, disse.
Para ele, o “tempo está se esgotando”. E, mesmo assim, governos de todo o mundo despejam cerca de meio trilhão de dólares para baixar artificialmente o preço dos combustíveis fósseis a cada ano – mais do triplo do que recebem as energias renováveis.
“Enquanto as pessoas sofrem com os altos preços do combustível, a indústria de petróleo e gás está arrecadando bilhões de dólares de um mercado distorcido”, atacou. “Este escândalo deve parar”, insistiu.
Guterres propôs cinco ações críticas para dar início à transição das energias renováveis. Elas incluem um maior acesso à tecnologia e aos suprimentos de energia renovável, uma triplicação dos investimentos privados e públicos em energias renováveis para um total de US$ 4 trilhões por ano e o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis que totalizam cerca de 11 milhões de dólares por minuto.
“As energias renováveis são o único caminho para a verdadeira segurança energética, preços estáveis de energia e oportunidades de emprego sustentável. Se agirmos juntos, a transformação das energias renováveis pode ser o projeto de paz do século 21”, disse Guterres.
“O mundo deve agir nesta década para evitar impactos climáticos cada vez piores e para manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais”, disse ele.
Para o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, “o clima está mudando diante de nossos olhos”. “O calor aprisionado pelos gases de efeito estufa induzidos pelo homem vai aquecer o planeta por muitas gerações futuras. A elevação do nível do mar, o calor oceânico e a acidificação continuarão por centenas de anos, a menos que sejam inventados meios para remover o carbono da atmosfera. Algumas geleiras chegaram ao ponto de não retorno e isto terá repercussões a longo prazo em um mundo em que mais de 2 bilhões de pessoas já sofrem de estresse hídrico”, alertou.
Eis alguns dos principais destaques do novo informe da ONU sobre o clima:
Concentração de gases
As concentrações de gases de efeito estufa alcançaram uma nova alta global em 2020, quando a concentração de dióxido de carbono (CO2) atingiu 413,2 partes por milhão (ppm) globalmente, ou 149% do nível pré-industrial. Dados de locais específicos indicam que eles continuaram a aumentar em 2021 e início de 2022.
Calor
A temperatura média anual global em 2021 foi de cerca de 1,11 °C acima da média pré-industrial de 1850-1900, menos quente do que alguns anos recentes devido às condições de resfriamento La Niña no início e no final do ano. Os sete anos mais recentes, de 2015 a 2021, são os sete anos mais quentes registrados. Apesar do La Niña, ondas de calor excepcionais bateram recordes na parte ocidental da América do Norte e no Mediterrâneo. O Vale da Morte, Califórnia, atingiu 54,4 °C em 9 de julho, igualando um valor semelhante ao de 2020 como o mais alto registrado no mundo desde pelo menos a década de 1930, e Syracuse, na Sicília, atingiu 48,8 °C.
A província canadense da British Columbia atingiu 49,6 °C em 29 de junho, o que contribuiu para mais de 500 mortes relacionadas ao calor e alimentou incêndios devastadores que, por sua vez, agravaram os impactos das enchentes em novembro.
Já o calor oceânico foi recorde e todos os conjuntos de dados concordam que as taxas de aquecimento mostram um aumento particularmente forte nas últimas duas décadas. O calor está penetrando a níveis cada vez mais profundos.
Acidificação oceânica
O oceano absorve cerca de 23% das emissões anuais de CO2 antropogênico para a atmosfera. Isso reage com a água do mar e leva à acidificação oceânica, que ameaça os organismos e os serviços do ecossistema e, portanto, a segurança alimentar, o turismo e a proteção costeira. A medida que o pH do oceano diminui, sua capacidade de absorver CO2 da atmosfera também diminui. Mas há uma confiança muito alta de que o pH da superfície oceânica é agora o mais baixo em pelo menos 26.000 anos e as taxas atuais de mudança de pH são sem precedentes desde pelo menos esse tempo.
Elevação do mar
O nível médio global do mar atingiu um novo recorde em 2021, após aumentar em média 4,5 mm por ano durante o período de 2013 a 2021. Isso é mais que o dobro da taxa entre 1993 e 2002 e se deve principalmente à perda acelerada da massa de gelo das camadas de gelo. Para a ONU, isso tem grandes implicações para centenas de milhões de habitantes da costa e aumenta a vulnerabilidade aos ciclones tropicais.
Geleiras
Embora o ano glaciológico de 2020-2021 tenha sido menos derretido do que nos últimos anos, há uma clara tendência para uma aceleração da perda de massa. Em média, as geleiras de referência do mundo diminuíram 33,5 metros desde 1950, com 76% deste fenômeno desde 1980. 2021 foi um ano particularmente punitivo para as geleiras no Canadá e no noroeste dos EUA, com perda de massa de gelo recorde como resultado de ondas de calor e incêndios em junho e julho. A Groenlândia experimentou um excepcional evento de derretimento em meados de agosto e o primeiro registro de chuva no ponto mais alto da camada de gelo a uma altitude de 3 216 m.
Inundação e secas
As inundações provocaram perdas econômicas de US$ 17,7 bilhões na província chinesa de Henan, e a Europa Ocidental sofreu algumas de suas mais graves inundações registradas em meados de julho associadas a perdas econômicas na Alemanha que ultrapassaram US$ 20 bilhões. Houve uma grande perda de vidas.
Enquanto isso, a seca afetou muitas partes do mundo, incluindo o Corno da África, Canadá, Estados Unidos ocidental, Irã, Afeganistão, Paquistão e Turquia. Na América do Sul subtropical, a seca causou grandes perdas agrícolas e perturbou a produção de energia e o transporte fluvial. A África Oriental está enfrentando a perspectiva muito real de que as chuvas falharão por uma quarta temporada consecutiva, colocando a Etiópia, o Quênia e a Somália em uma seca de uma duração não experimentada nos últimos 40 anos. As agências humanitárias estão alertando para os impactos devastadores sobre as pessoas e os meios de subsistência na região.
Buraco
O informe também revela que o buraco de ozônio sobre a Antártida foie m 2021 excepcionalmente grande e profundo, atingindo sua área máxima de 24,8 milhões de km2 (o tamanho da África) como resultado de um vórtice polar forte e estável e de condições mais frias do que a média na estratosfera inferior.
Segurança alimentar
De acordo com a ONU, os efeitos de conflitos, eventos climáticos extremos e choques econômicos, exacerbados ainda mais pela pandemia da COVID-19, minaram décadas de progresso no sentido de melhorar a segurança alimentar globalmente.
O agravamento das crises humanitárias em 2021 também levou a um número crescente de países em risco de fome. Do número total de pessoas subnutridas em 2020, mais da metade vive na Ásia (418 milhões) e um terço na África (282 milhões).
Outra constatação é que, diante da mudança no ciclo de chuvas, milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas regiões. Os países com o maior número de deslocamentos registrados em outubro de 2021 foram a China (mais de 1,4 milhões), as Filipinas (mais de 386 000) e o Vietnã (mais de 664 000).
Ecossistemas
A ONU ainda destaca como alguns ecossistemas estão se degradando a um ritmo sem precedentes. Entre 20% e 90% das atuais zonas úmidas costeiras estão em risco de serem perdidas até o final deste século, dependendo da rapidez com que o nível do mar subir. Isso comprometerá ainda mais o fornecimento de alimentos, o turismo e a proteção costeira, entre outros serviços ecossistêmico.
Fonte: UOL