No filme Entre a Luz e as Trevas (The Hour of the Pig, na Inglaterra, The Advocate, nos EUA), já citado na Conjur, o advogado Bartholomew Chassenee foi nomeado para fazer a defesa pro bono de um porco acusado de homicídio, em uma região da França onde, no século XV, os animais eram julgados com base nas mesmas leis que regiam os humanos. É exatamente isso que a organização americana Nonhuman Rights Project (NhRP) quer reviver: a defesa dos direitos animais em juízo, como se fossem humanos.
No início de dezembro, advogados da NhRP protocolaram na Suprema Corte de Nova York um pedido de Habeas Corpus para o chimpanzé Tommy, que poderá ter uma decisão em breve.
Segundo a petição, o chimpanzé está “preso ilegalmente” há anos em uma pequena jaula, em um velho trailer estacionado nas redondezas de Gloversville. O princípio do Habeas Corpus assegura ao prisioneiro a libertação de prisão ilegal – a que foi decretada sem causa ou provas suficientes, conforme se define, em resumo, nos EUA.
Presumivelmente, o Habeas Corpus só se aplica a pessoas. O primeiro ponto discutido na petição é exatamente esse: a condição de pessoa do chimpanzé – uma discussão que pode ser estendida para o bonobo (antes chamado de chimpanzé pigmeu), outros macacos, golfinhos e baleias, confinados por promotores de espetáculos, por exemplo.
Os advogados juntaram à petição declarações juramentadas de primatologistas, atestando que os chimpanzés possuem capacidades cognitivas complexas, como autonomia – a mais importante para determinar a condição de pessoa – e autodeterminação, consciência de si próprio, conhecimento do passado, percepção do futuro e capacidade de fazer escolhas, além de ter emoções complexas, como empatia, alegria e sofrimento. Podem solucionar operações simples da matemática melhor que alguns cidadãos classificados como “homo sapiens”. Enfim, a petição tem quase 30 parágrafos, relatando as capacidades “humanas” dos chimpanzés.
Segundo os advogados, a condição de pessoa do chimpanzé tem amplo apoio da ciência, da história e da lei – mais exatamente, da common law, da qual citam precedentes: os tribunais dos Estados Unidos, incluindo os de Nova York, já admitiram a condição de pessoa a animais domésticos, notadamente gatos, ao decidir que tinham direito à herança ou de serem beneficiários de um fundo de pensão.
Há exemplos mais estranhos de “entes” com condição de pessoa. Em 2010, a Suprema Corte dos EUA decidiu que “corporações são pessoas”, para lhes garantir o direito de gastar quanto queiram em campanhas políticas – um direito que é garantido a pessoas pela Primeira Emenda da Constituição americana. De certa forma, isso não é novidade. A Constituição do país sempre admitiu que, como pessoas, as corporações podem ir à Justiça, para processar e serem processadas.
Outro objetivo da ação da NhRP é tentar mudar o conceito de que os chimpanzés, bem como outros animais da mesma espécie ou não, são “propriedades privadas” de seres humanos. A noção corrente de propriedade inclui tanto matérias inertes quanto seres vivos. Nenhum deles têm direitos defensáveis na Justiça.
Esse é um conceito que tende a mudar. A prova disso é que, na época da escravatura, o país não reconhecia os negros como pessoas. Os escravos eram, legalmente, propriedades de seus donos. Essa parte da história americana é bem retratada no filme Django Livre, de Quentin Tarantino (2012). A trama descreve os esforços de seu protetor, Dr. King Schultz, para garantir a transferência de propriedade do herói e de sua amada, para que eles se libertassem nos conformes da lei.
Na história real, há um caso famoso de um Habeas Corpus concedido ao escravo Dred Scott, antes da Guerra Civil dos EUA. Ele entrou com uma ação em um tribunal federal para garantir sua liberdade e foi bem-sucedido. A decisão de primeiro grau foi mantida por um tribunal de recursos, mas foi revertida pela Suprema Corte do país, que lhe negou a condição de pessoa, mantendo que era uma propriedade.
Esse fato histórico é visto como um caso de injustiça social, mas também um exemplo de petição bem-sucedida de Habeas Corpus, apresentada em favor de uma “propriedade” sem “condição de pessoa”. À luz dessa história lamentável, os advogados da Nonhuman Rights Project apresentam, em sua petição, um argumento criativo: há um precedente legal para petições de Habeas Corpus, que foi concedido a um ser “não pessoa”, que era uma “propriedade”.
A partir dessa ação, a instituição promete lutar na Justiça pela libertação dos macacos, dos golfinhos, das baleias e outros tantos animais com capacidades humanas, mas que estão aprisionados – sem causa, provas e devido processo.
Fonte: Consultor Jurídico