Por Fátima Chuecco* (da Redação)
Quem tem um pouco de conhecimento sobre moda percebeu que na edição de inverno do SPFW 2012, encerrada ontem (dia 24), boa parte dos estilistas se mostrou na contramão das tendências internacionais de produção e consumo, que cada vez mais valorizam a ética e o respeito para com os animais. Peles de chinchila e de raposa, entre outros animais, estavam em várias coleções.
Até a mais nova integrante da realeza inglesa, Kate Middleton, se recusou a participar da tradicional caça à raposa. Enquanto isso, estolas de raposa da coleção de Fause Haten desfilavam nas passarelas aqui do Brasil – um país tropical e sem tradição de casacos de pele. A família Lourenço (Reinaldo, Pedro e Glória Coelho) assumiu a inconsciência de seus talentos e levantou a bandeira em favor da retomada das peles verdadeiras. Já a Ellus, esse ano, quase acertou. Apresentou um jeans resinado com aparência de couro que pode inibir o uso do couro verdadeiro, mas também colocou na coleção um casaco de pele de chinchila que, apesar de falsa, incentiva o uso de peles pq trata a indumentária como uma peça de glamour.
É lamentável que um grupo de estilistas brasileiros defenda a decadente Cruel Fashion Industry que já foi banida de tradicionais passarelas europeias (berço das tendências mundiais). Quem resiste à ideia de banir o uso de peles, além da falta de consciência, continua vivendo no passado ou está apenas querendo se aproveitar da situação vendendo aos brasileiros, mais desinformados, artigos que lá fora já estão encalhados. E os dados econômicos podem confirmar isso:
Segundo o Centro das Indústrias de Couro do Brasil, houve uma redução de 2% nas exportações de 2011. Pode parecer pouco, mas na verdade é um valor bastante significativo levando-se em conta que esse mercado exportou US$ 2,5 bilhões de couro e peles no ano passado. A estimativa é de que as exportações caiam ainda mais. Ou seja, uma das saídas encontradas é escoar o material internamente. Assim, estilistas adquirem o couro e a pele por preços mais baixos (já que a indústria se encontra em declínio no Exterior) e vendem como se fossem artigos de luxo. No entanto, a morte e o sofrimento dos animais não passam despercebidos por quem tem um pouco de conhecimento do assunto.
Não existe pele verdadeira sustentável
Os animais explorados pela cruel indústria de peles têm mortes dolorosas e angustiantes. São eletrocutados, espancados ou têm o pescoço quebrado. São no mínimo quatro minutos de intensa dor e, muitas vezes, a pele deles é arrancada enquanto ainda estão vivos, num cenário de puro horror. Antes da morte passam seus dias insípidos dentro de pequenas gaiolas onde mal se mexem.
No entanto, alguns estilistas chegam a dizer que a pele de animal de cativeiro é “sustentável” num erro de interpretação dos mais grosseiros. Eles argumentam que são sustentáveis porque os animais não são retirados da natureza, mas criados para serem abatidos. Mas e a questão ética? Um animal de cativeiro compartilha a mesma dor e angústia que um que vive na floresta.
Ele não se torna imune ao sofrimento só porque foi mantido numa gaiola desde seu nascimento. Aliás, o sofrimento nesse caso até dobra. Portanto, um animal mantido preso em péssimas condições de vida e abatido de forma cruel jamais fornecerá uma pele “sustentável”. Nenhum comércio envolvendo sofrimento pode ser considerado sustentável. É anti-ético, ultrapassado e desnecessário. E sua permanência no país só tem uma conotação: a moda brasileira está regredindo. Começou bem e atravessou fronteiras, mas atualmente está regredindo.
Alheios a tudo isso, estilistas que usam peles verdadeiras justificam suas crueldades com argumentos surreais. Pedro Lourenço, por exemplo, da nova safra de estilistas brasileiros, deveria apoiar a moda ética que está entre os valores de sua geração. No entanto, numa entrevista à Revista Marie Claire ele se disse apaixonado por peles e que soube que as raposas criadas em cativeiro morrem “dormindo”. “Isso deve ser menos sofrido”, comentou na reportagem. Certamente ele nunca assistiu vídeos de matadouro de chinchilas, raposas e outros animais e, muito menos, se deu ao trabalho de pisar num lugar desses para ver o que de fato acontece.
A inconsciência vem do berço. Reinaldo Lourenço, pai de Pedro, dá o péssimo exemplo. Declarou aos jornais essa semana que “a pele foi a primeira indumentária do homem, sem a qual ele não teria sobrevivido”. Ocorre que o homem não está mais no tempo das cavernas e que, nos primórdios de sua existência, também fazia muitas coisas que não precisa mais fazer nos dias de hoje. Por exemplo: ninguém mais faz fogo esfregando um pauzinho no outro.
O “casaco de visom”, objeto de desejo de atrizes internacionais décadas atrás, foi ressuscitado por Fause Haten. O estilista aposta que é tendência essa moda que hoje é duramente combatida por pessoas de bom senso e também de bom gosto em todo o mundo.
O desfile de crueldade não parou aí. A dona da marca Huis Clos, Clô Orozco, reafirmou que gosta de usar peles de animais em suas coleções. E disse, como se a legalidade justificasse a crueldade: “Pago uma anuidade ao Ibama, uso pele certificada, e só de animais criados em cativeiro”. E completou: “Adoro pele natural: lontra, raposa, chinchila e até coelho, que dá para estampar a pele. Queria só ressaltar que são todos animais de cativeiro e essa é uma indústria que gera empregos.”
Na contramão da moda contemporânea temos ainda João Pimenta. O estilista diz que até pensou em usar couro sintético, mas quando viu que polui, preferiu usar o couro natural. E então fica a pergunta: onde está a pesquisa de novos tecidos reciclados, recicláveis e sustentáveis? Parece que usar receitas antigas e obsoletas é mais fácil que “criar” moda de fato.
Tudo evolui. A moda também evolui. Mas no Brasil tem andado pra trás com esses representantes da nossa moda. Infelizmente, temos também no país jornalistas de moda que continuam com os dois pés fincados no passado e elogiam sem parar essas coleções que nem sequer refletem os hábitos de vestimentas dos brasileiros. Casaco de pele? Próximo à linha do Equador? E como fica a questão ética? Não há luxo e nem beleza em peças confeccionadas com sofrimento.
Quase lá
O estilista Alexandre Herchcovitch, vegetariano, diz que é contra o uso de peles de animais. “Não vejo necessidade”, afirmou ele, que usou material sintético em sua apresentação. Indagado sobre a utilização de couro em suas roupas, ele disse que ainda usa por “não ter achado um substituto à altura.” Herchcovitch foi visto circulando na Bienal com um selinho em que estava escrito “No Fur” (Pele Não).
O estilista Samuel Cirnanski não vê necessidade de usar peles. Ele usou um método de desfiar tecidos cuja textura dá a aparência de peles e plumas. “Em tempos em que não se pode usar peles, reutilizo tecidos que trazem o mesmo efeito visual”, explicou.
Moda ética
A estilista Stella McCartney, filha de Paul McCartney, é um dos expoentes da moda livre de crueldade. Ela própria adentrou numa fazenda e filmou às escondidas como as raposas eram mortas. Algumas abanavam o rabinho ao serem retiradas das gaiolas numa inocente tentativa de “fazer amizade” e sair daquele suplício. Mas imediatamente eram mortas na frente de outras do mesmo recinto.
Vários vídeossobre o assunto estão disponíveis no Youtube e em sites que denunciam a indústria da pele.
Apoio da SPFW
A organização da SPFW deveria ser a primeira a incentivar o banimento das peles verdadeiras dos desfiles. Não é questão de censura, mas de ética, pois estamos falando de vidas, de animais que passam terrível aflição e são mortos de forma bárbara. Ao invés de apresentar novas propostas, a SPFW, graças a alguns estilistas, emperrou na estrada da moda.
Evolução
No Brasil houve um avanço em 2011. Numa demonstração de que estão respeitando os animmais e os seus consumidores que se manifestaram contra o uso de peles em seus produtos, a Arezzo, Colcci e Iódice divulgaram um compromisso público de nunca mais usarem em suas coleções peles verdadeiras. A Arezzo foi além e disse que nem pele sintética faria parte de seus produtos. Na época, a marca, de maneira exemplar, recolheu seus artigos com pele de raposa e coelho das lojas.
Convite aos estilistas
A ANDA deixa aqui um convite formal para que estilistas que têm investido em documentário Skin Trade, lançado no CineSESC, em São Paulo, no ano passado. O filme revela os bastidores da abjeta indústria de peles.
A produção foi feita em diversos locais e representa uma das maiores e mais importantes provas sobre as atrocidades praticadas pelo Cruel Fashion Industry. Veja o trailer.
*jornalista, escritora e conselheira do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz do Cades