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PRESERVAÇÃO

O que são terras indígenas e qual a importância delas para o meio ambiente

Nos últimos anos, no entanto, os povos indígenas têm sofrido para proteger a biodiversidade no Norte do país

11 de agosto de 2022
Rafael Monteiro
6 min. de leitura
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Kretan Kaigang vive na terra indígena Tupã Nhe`e Kretã e faz parte da coordenação executiva da Apib    Imagem: Arquivo pessoal

As terras ou reservas indígenas são, além de um direito dos povos originários do Brasil, uma questão ambientalista. A prova está nos números. Mais de 98% das terras indígenas se encontram na Amazônia. Desse território, de acordo com números da The Nature Conservancy Brasil, apenas 2,5% foi desmatado ante 52,5% da área ocupada por imóveis rurais na mesma região.

“As terras indígenas são essenciais para manter a vida e a subsistência de 305 povos indígenas brasileiros. A demarcação destas terras significa garantir a diversidade cultural e a preservação dos modos de vida tradicionais, que garantem a proteção do meio ambiente e da biodiversidade”, diz Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Nos últimos anos, no entanto, os povos indígenas têm sofrido para proteger a biodiversidade no Norte do país. Invasores – muito deles vindos do garimpo ilegal – têm provocado a destruição de áreas anteriormente protegidas pelos povos originários, como os territórios Kayapó e Munduruku, no Pará, e o Yanomami, em Roraima e no Amazonas.

Segundo um estudo do MapBiomas divulgado em abril deste ano, a área destruída pelo garimpo ilegal em terra indígena era de 58,4 hectares em 2016. Em 2021, cinco anos depois, o número chegou a alarmantes 2.409 hectares – um número 41 vezes maior. Entenda abaixo o que são as terras indígenas e como elas têm sido ameaçadas no Brasil nos últimos anos.

Devastação próxima a comunidades na Terra Indígena Yanomami      Imagem: Bruno Kelly/HAY

O que é uma terra indígena?

Terras indígenas são, como indicam o nome, terras habitadas pelos povos indígenas do Brasil. De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), eles ocupam uma área de 117 milhões de hectares, quase 14% do território nacional, e falam 274 línguas – cerca de 17,5% da população indígena não se comunica com a língua portuguesa.

Há quatro formas de garantir o direito dos povos indígenas ao território.

1. Terras indígenas tradicionalmente ocupadas: terras indígenas de ocupação tradicional e permanente, tratadas no artigo 231 da Constituição. “São bens da União, no qual os indígenas têm a posse permanente”, explica Tuxá.

2. Reservas indígenas: terras doadas por terceiros – ou adquiridas e desapropriadas pela União. “A reserva é uma figura em desuso e todo território indígena deveria ser revisto e demarcado, visto que pela Constituição Federal toda terra indígena é demarcada pela União”, critica Tuxá. “Elas são aquelas áreas que não são de posse imemorial dos indígenas, mas que o poder público por meio de um decreto do chefe executivo federal destina para os indígenas, que poderão viver e usufruir dos recursos naturais.”

3. Terras dominiais: são as terras de propriedade das comunidades indígenas por compra ou doação.

4. Áreas interditadas: áreas de grupos indígenas isolados pela Funai. “São aquelas áreas que possuem controle de entrada e saída de terceiros em locais onde vivem indígenas isolados”, diz Tuxá

Como são demarcadas as terras indígenas?

A demarcação de terras indígenas é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, expressado principalmente no título VIII, “Da Ordem Social”, e no capítulo VIII, “Dos Índios”. É função da Funai regularizar, monitorar, fiscalizar e proteger as terras indígenas – lembrando que a proteção do meio ambiente e da biodiversidade, promovida pelos territórios, também é um direito constitucional prescrito pelo artigo 225 da Constituição.

“Precisamos e iremos continuar lutando pela demarcação das terras indígenas. Isso é um direito originário dos povos que historicamente habitam o Brasil. Esse processo deve ser conduzido pelo Poder Executivo, no âmbito do órgão indigenista oficial, a Funai. Mas tem sido protelado ao longo dos anos, principalmente no governo Bolsonaro, que tem sucateado o órgão e insistido na tese do Marco Temporal”, critica Tuxá.

O citado Marco Temporal é uma tese jurídica que defende uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil. Defendida pelo governo de Jair Bolsonaro, a proposta, atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), quer que indígenas só possam reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

Desde 2016, nenhum território indígena foi demarcado no Brasil. Enquanto isso, há mais de 300 processos no país à espera de demarcação, segundo números do levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

A violência contra os povos indígenas e o meio ambiente

Sônia Guajajara Imagem: Divulgação / Mídia Ninja

Sônia Guajajara, líder indígena e cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, acredita que o governo Bolsonaro tem deixado os povos indígenas em situação de vulnerabilidade. Ela lembra que o presidente chegou a dizer em conversa com apoiadores, em 2021, que “não é justo querer criminalizar o garimpeiro no Brasil”.

“O garimpo ocorre em territórios indígenas não somente por falta de fiscalização do governo, mas também pelo incentivo que o governo Bolsonaro e tantos outros parlamentares fazem ao garimpo. Não existe política de combate e não existe fiscalização”, diz ela.

“O que existe é um Estado que menospreza os povos indígenas e comunidades tradicionais que vivem e cuidam das riquezas naturais, enquanto enfrentam ameaças de garimpeiros e ainda lidam com as doenças que os invasores levam para as aldeias”, complementa ela.

Guajajara ainda alerta para a situação dos povos indígenas isolados. Em julho deste ano, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou que Bolsonaro e Funai prestem esclarecimentos sobre a proteção dos grupos. Uma ação da Apib pede à Corte para que o governo tome “todas as medidas necessárias para garantir a proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato”.

“Os povos isolados possuem os mesmos direitos que todo mundo e o Estado deve garantir a proteção deles. Infelizmente, o que vemos de 2018 para cá é um desmonte”, diz ela. Guajajara critica, por exemplo, o uso da Restrição de Uso, uma medida de proteção da Funai que suspende todas as atividades econômicas para evitar o contato dos grupos isolados com não-indígenas.

Desde o ano passado, Bolsonaro e a Funai vêm renovando a portaria por apenas seis meses, tempo considerado insuficiente pelos ativistas indígenas.

Após a morte do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira em Tabatinga (AM), segunda cidade com mais inquéritos da Polícia Federal por garimpo ilegal no Brasil, a opinião pública tem olhado mais para o problema das invasões em territórios indígenas. De acordo com Guajajara, os povos indígenas vinham lutando nos últimos dois anos praticamente sozinhos contra o crime.

“Principalmente desde o auge da pandemia da covid-19, organizações e lideranças indígenas têm denunciado o garimpo ilegal em seus territórios para o poder público, para o MPF e para a imprensa. Mas, na prática, o desgoverno não faz nada. Temos nos organizado, vigiado e agido com as nossas próprias mãos”, finaliza Guajajara.

Fonte: Ecoa

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