As estatísticas de desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira nos últimos anos, especialmente com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atingiram recordes assustadores. O problema despertou preocupação no mundo inteiro diante das mudanças climáticas que atingem o planeta e afetam a vida do ser humano.
Isso o que acontece na nossa floresta impacta diretamente nos outros ecossistemas da Terra. Mas você já parou pra pensar no que aconteceria se toda a Amazônia fosse simplesmente destruída? O Vocativo buscou alguns dos maiores especialistas em clima e meio ambiente do país para obter essa resposta.
Pergunta difícil. Cenários variados
Saber exatamente o que aconteceria se a Amazônia fosse destruída é uma pergunta extremamente difícil de ser respondida. Isso porque a interação entre o nosso bioma e outras regiões do planeta também precisam ser levados em conta, como veremos ao final da matéria. Geralmente os cientistas adotam modelos e cenários que são simplificações da realidade.
“Eu já verifiquei na prática que nos últimos quarenta anos, já temos 20% a menos de chuva no Brasil em virtude das mudanças na Amazônia no período mais seco do ano, que é quando mais precisamos”, explica Luciana Gatti, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). “Dá pra dizer com certeza que estamos acelerando as mudanças climáticas desmatando a Amazônia. Isso eu digo com 100% de certeza”, afirma.
“Entre outros impactos, seria a gota d’água para empurrar o sistema climática global em um efeito estufa incontrolável”, alerta Philip Fearnside, doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus.
“A perda da floresta amazônica implicaria no desaparecimento dos enormes rios e biodiversidade da região, além de acabar com a regulação climática exercida pela floresta. Isso teria um efeito em cascata, com inúmeras consequências negativas para o bem-estar humano”, explica Mariana Vale, professora adjunto no Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em Ecologia pela Duke University (EUA).
Como ficaria a região?
Em 2023 Manaus e outras regiões do país como o litoral Norte de São Paulo têm sofrido com fortes chuvas que trouxeram devastação, destruição de propriedades e morte. Esses eventos extremos climáticos tem relação direta com o desmatamento, que permite que a superfície – sem a proteção das árvores – fique mais quente.
Aí entra em cena a ação do homem. No caso do Brasil, mais especificamente dois homens. “Dá pra afirmar com certeza de que existe relação entre o desmatamento promovido por Bolsonaro e [o ex-ministro do Meio Ambiente] Ricardo Sales e a aceleração dos eventos extremos no Brasil”, afirma categoricamente Luciana Gatti.
Caso a floresta desaparecesse, os problemas iriam muito além do excesso de chuva. “Na própria Amazônia, haveria uma crise hídrica da água, o colapso da produção de agrícola e pesqueira, tornando a vida da população essencialmente inviável. Isso aumentaria enormemente as taxas de mortalidade e movimentos migratórios”, explica Mariana Vale.
Um dos efeitos mais óbvios de uma eventual destruição da Amazônia seria o aumento considerável da temperatura da região. E antes que você pense que dá pra se abrigar no conforto de um ar-condicionado, Liana Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) explica que não é bem assim. “Hoje, a energia elétrica fornecida para os estados da Amazônia tem como origem as hidrelétricas, que não poderiam funcionar sem a água”.
Clima do planeta afetado
Mas quem pensa que as consequências se limitariam aos estados da Amazônia está enganado. O desaparecimento dos rios, por consequência da alteração das chuvas, causaria também uma redução da produção pesqueira nos mares, podendo afetar toda a costa do Brasil, das três Guianas e a Venezuela.
Sem regulação climática, haveria uma drástica redução nas chuvas e aumento de episódios de seca, afetando a produção agrícola em diversos países da América do Sul e até em outras regiões do planeta. “Em resumo, seria uma catástrofe de grandes proporções, não apenas par a biodiversidade, mas também para a humanidade”, afirma Mariana.
“Sabemos que a Amazônia é uma bomba de chuvas que mantém essa água na América do Sul e parte dessa umidade, até pela circulação, acaba pegando o Oceano, subindo até a África e, em alguns anos, até a Europa. Quebrar essa bomba de água significa quebrar todo o regime de chuvas do nosso continente, que ficaria provavelmente muito mais seco”, alerta Liana Anderson.
Segundo Anderson, o carbono preso na floresta, que equivale a 10% daquilo das chamadas emissões de carbono antrópicas (produzidas como resultado da ação humana), iria diretamente para a atmosfera da Terra. O que seria o mesmo que ligar uma panela de pressão na temperatura máxima do planeta. “Iríamos entrar em ebulição”, explica Liana.
Novas pandemias
A perda da floresta amazônica também aumentaria a ocorrência de pandemias como a da Covid-19. “O processo de desmatamento coloca um grande número de pessoas em contato com animais silvestres que carregam vírus desconhecidos”, afirma Mariana Vale. Vale lembrar essa matéria do Vocativo de julho de 2021 mostrando que aqui seria o local perfeito para o surgimento da próxima pandemia.
Rede interligada
E quem mora em outros países também tem de se preocupar com o que acontece na Amazônia. Isso porque recentemente, um estudo realizado por doze pesquisadores do Brasil, Canadá, China, Estados Unidos e Reino Unido publicado na revista internacional “Reviews of Geophysics” mostrou que ecossistemas importantes à vida na Terra, como as camadas de gelo, recifes de corais e, é claro, a floresta amazônica estão sofrendo tantas mudanças que podem causar alterações irreversíveis e catastróficas no mundo todo. E o mais importante: cada um desses ecossistemas exerce influência direta uns sobre os outros.
“A floresta teria esse ponto de não retorno, em que fica pequena o suficiente para não conseguir sustentar sua umidade e vai se transformando em outro tipo de floresta, tendo uma degradação climática, porque não consegue se manter, e não haveria uma forma de voltar ao estado original, ao menos na escala de séculos”, afirma Liana Anderson, que foi coautora do estudo.