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Nutrição, política, debates medievalescos e medo de espantalhos

9 de junho de 2013
4 min. de leitura
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Imagem: Ilustração
Imagem: Ilustração

Infelizmente, têm sido recorrentes, nos fóruns e comunidades de discussão sobre veganismo, bate-bocas tendo como motivação de princípio o tema “nutrição vegana”. Tais cabos-de-guerra revelam uma cacofonia de posições: uns impõem que a pessoa vegana só sobrevive com saúde necessariamente através de “suplementação”*; outras bradam que o veganismo necessita só parcialmente ou ocasionalmente de “suplementação”; outras pessoas gritam que vegans não precisam de qualquer “suplementação”, incluindo-se aí a famigerada B12. Eis que a questão “suplementação” ou “não-suplementação” transparece sempre como a questão central nessas discussões de Sísifo… E murro na mesa a cada uma dessas afirmações comprovadamente científicas!

Nesse ínterim, ouve-se alternadamente afirmações “pró-veganas” – cheia de argumentações embasadas – de que a dieta vegana é a correta para o organismo humano e afirmações opositoras de “detratores do veganismo”, que caçoam daquelas – apresentando aí um balaio de argumentos científicos, que comprovariam que o ser humano é onívoro por natureza.

No meio dessa pueril guerra caótica de verdades primeiras e últimas, percebe-se que algo subjaz, ordena e explica o porquê da existência dessa “bagunça”, só na aparência bagunçada: usando como motivações questões nutricionais, o quê ocorre aí de fato é um cabo-de-força criptografado entre forças discursivas que querem atribuir ao veganismo a qualidade de algo “natural” – portanto legítimo e válido – e discursos que imputam que o veganismo é “antinatural” – portanto falacioso e inválido. É sob esta chave decodificadora – a da polarização entre NATURAL x ARTIFICIAL – que a existência dessa cacofonia de posições, a princípios de nutrição vegana, deve ser lida e compreendida.

O enredamento por tais discussões inócuas atuam como estratégia do conservadorismo (carnismo) para obliterar o desenvolvimento de uma perspectiva vegana do mundo, pois trabalha alienando-a de seus reais desafios a enfrentar, desviando atenções para espantalhos sem vida e inúteis. O carnismo (conservadorismo) forja essa dualidade ontológica, essa oposição reificante entre NATURAL x ARTIFICIAL – poderosa teia para imobilizar toda dinâmica de re-empoderamento existencial – e vegans que ainda sofram de infantilidade política-conceitual caem como presas nessas redes, debatendo-se desesperadamente, tentando se livrar desses pressupostos-armadilhas que, de cara, aceitaram como legítimos para se iniciar um debate.

O que deveria ficar claro para toda a dinâmica de libertação animal é que a exigência de “suplementação” para uma pessoa vegana – seja ela “real” ou “imaginária”, “cientificamente comprovada” ou “não-científicamente comprovada” – não deve estigmatizar/preocupar uma dieta vegana por uma pressuposta antinaturalidade – e, assim, pela presunção de sua invalidade/ilegitimidade.

Mas, infelizmente, como eu já disse, não tem sido esse o tom desses debates pueris sobre nutrição vegana – que estão sempre reféns da necessidade vã e falaciosa de provar se o veganismo é NATURAL (não dependeria de “suplementação”) ou ARTIFICIAL (dependeria de “suplementação”).

Cada vez que um vegan cai na ansiosa e forçosa armadilha de provar aos olhos públicos – com exames em mãos ou não, “inventando” ou “dizendo a verdade” – que está “ok com/sem suplementação”, está sem perceber pagando um tributo à falsa dualidade NATURAL x ARTIFICIAL – que tem historicamente servido de instrumento para imobilizar os devires transformadores, para a manutenção da inércia dos hábitos tidos como naturais, logo, para a permanência da hegemonia do carnismo socialmente naturalizado.

E eis meu apelo: até quando nós vegans vamos aceitar como legítimos os parâmetros falaciosos dessas querelas medievalescas, cheias de pressupostos metafísicos aprisionadores – querelas equivalentes à inútil polêmica sobre se o centro do cosmos é a Terra ou o Sol?!

Nesse meu sentido de se recusar a armadilha dos discursos naturalistas, afirmo: a “suplementação” que vier (se vier, quando vier) não deve ser encarada como a evidência de um obstáculo à prática vegan – como quer o carnismo, armadilha que muit@s vegans caem sem perceber – mas sim como uma condição contextual de seu fortalecimento e perpetuação.

Assim, neutralizada a ameaça que os espantalhos dos discursos de “suplementação”/”não-suplementação” espreitavam sob nós, liberamos o caminho para que uma ciência-política nutricional libertária e inovadora possa enfim articular, com tranquilidade e eficiência, os dados captados por seus instrumentos de análise na re-criação das estruturas sociais, culturais e políticas que suportem a libertação animal-humana – dessa vez bem longe de ter que defender, como dogmátic@s, se é o Sol ou a Terra o centro do cosmos…

* Uso o termo “suplementação” entre aspas propositadamente, para atentar o leitor para o vício naturalista-conservador do termo – que me esforço para neutralizar, ao longo do meu texto. O termo “suplementação” pressupõe implicitamente que haja uma alimentação natural-orgânica pré-estabelecida, a qual a “suplementação” artificiosamente se impõe como acréscimo, por falta de natureza.

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