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SEM HABITAT

Número de animais silvestres resgatados no meio urbano cresce no Rio de Janeiro

Eles andam aparecendo na cidade e isso tem tudo a ver com a expansão imobiliária desordenada, o desmatamento e as mudanças climáticas

19 de setembro de 2022
5 min. de leitura
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Foto: iStock | Getty Images

Era uma terça-feira, às 5h40. Na Barra da Tijuca, as pessoas se movimentavam rumo ao trabalho ou à escola. Os carros se amontoavam mais do que de costume, já que era dia de greve dos rodoviários e os ônibus estavam fora de operação.

Em meio a esse caos, eis que se desenrola a seguinte cena: no tumultuado Terminal Alvorada, um jacaré-de-papo-­amarelo, de uns 2,5 metros e cerca de 40 quilos, dava um rolé numa passarela da estação. As imagens do réptil naturalmente chamaram atenção nas redes sociais, estampando as manchetes.

O jacaré foi apenas um exemplar da fauna que anda aparecendo em cenários mais do que urbanos. Uma jiboia e uma garça resgatadas em Nova Iguaçu, uma capivara presa em uma galeria pluvial de Bangu, outros jacarés nadando em ruas alagadas após as chuvas de abril; a lista é grande.

Dados da Defesa Civil comprovam que eles estão cada vez mais entre nós: o número de animais silvestres resgatados na cidade bateu o recorde, passando de 2 419 para 3 534 no último ano. Até junho, foram 2 360 salvamentos. Nesse ritmo, espera-se chegar a dezembro com mais de 4 000 ocorrências, uma média de onze por dia.

Gambás, aves, jacarés e cobras estão entre os animais, digamos, mais soltinhos (veja o ranking). “Ocupamos a cada dia o espaço natural desses animais, sem nenhuma coordenação nem preparo”, ressalta Roched Seba, idealizador da ONG Instituto Vida Livre, que desenvolve projetos de reabilitação e conservação da fauna silvestre.

Desde 2015 foram mais de 11 000 animais atendidos das mais variadas espécies, e subindo. Especialistas são unânimes em creditar o fenômeno à expansão imobiliária desordenada, bem como ao desmatamento e às mudanças climáticas.

O aumento da população de animais domésticos é outro fator lembrado para o aparecimento dessa fauna na zona urbana. “As pessoas insistem em levar cães e gatos a cachoeiras ou florestas, o que dispersa os animais silvestres. Eles podem se deslocar para fugir de predadores, descansar ou buscar comida nas casas”, explica Seba.

Foto: SMAC – Patrulha ambiental | CBMERJ – Petrópoles | Reprodução | Reprodução

Com lagoas e espaços verdes exuberantes, além de áreas de conservação, a Zona Oeste é a região onde os animais silvestres mais pipocam. É também a sede do Instituto Jacaré, há quase duas décadas atuando na causa da educação ambiental e agindo em prol dos resgates.

Acionados, os agentes não raro deparam com animais machucados e, por vezes, mutilados, devido à forma precária como passam a viver na selva urbana. É comum ver operações em locais onde há expansão de robustos empreendimentos imobiliários.

“Muitas construtoras, pela falta de um serviço de licenciamento adequado, são conduzidas a acreditar que não há fauna em locais onde passam com maquinário pesado, matando muitos desses animais”, ressalta o biólogo e doutor em ecologia Ricardo Freitas, criador do instituto.

A cena, desoladora, é frequente diante dos olhos de moradores da comunidade 8W, no Recreio. No terreno vizinho, animais que viviam no antigo brejo foram vítimas de aterramento ou precisaram fugir por causa da construção do condomínio Orla Recreio. Há trinta anos residente na 8W, Solange de Pinho relata que já chegou a avistar um jacaré na porta da vizinha, em um dia de temporal.

“Fora as cobras mutiladas por retroescavadeiras, capivaras e outros animais, que pagam pelas ações do animal homem”, exaspera-se ela, gestora de um cinema na cidade. Com a ajuda da ONG Onda Carioca, os moradores encaminharam uma queixa formal ao Ministério Público, munidos de fotos e relatos sobre a situação.

Foto: @institutojacare | Instagram

Para tentar mitigar o problema, a Patrulha Ambiental do município demoliu 235 canteiros de obras irregulares em parques, mangues, restingas e outras áreas ambientais. Em julho, uma dessas ações pôs abaixo uma estrutura erguida sobre o manguezal que integra o complexo lagunar de Jacarepaguá, no Itanhangá, lugar rico em biodiversidade e essencial para a reprodução e a conservação de espécies.

“Todas as casas e empreendimentos devem tirar a licença ambiental, mas, no caso das habitações ilegais, elas não têm sequer um documento formalizando sua existência, são totalmente clandestinas. Hoje a milícia ganha muito dinheiro com essas construções e trabalhamos para pôr todas elas abaixo”, afirma o coordenador de defesa ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, José Maurício Padrone.

Também o tráfico de animais ajuda a explicar o aparecimento deles tão longe de seus hábitats, daí a necessidade de a população colaborar acionando o 1746 ao esbarrar com um animal ferido, em situação de risco para eles próprios ou para os outros.

Nas circunstâncias em que estão apenas de passagem, sem apresentar perigo, o recomendado é respeitar sua presença, sem incomodá-los. “Os animais compõem a cena urbana e é importante preservar esse convívio de forma pacífica”, enfatiza Roched Seba.

Quando o minucioso resgate profissional se faz necessário, os animais têm suas condições físicas avaliadas. E são encaminhados, se necessário, a locais como o Centro de Triagem de Animais Silvestres, em Seropédica, o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres ou o Instituto Vida Livre (com uma unidade na propriedade do músico Ney Matogrosso, um apoiador da causa, em Saquarema).

Nesses casos, recebem os devidos cuidados e se recuperam para voltar à liberdade, em meio à natureza. Preservar a vida silvestre é um desafio para a prefeitura. Em setembro do ano passado foi publicado um decreto com diretrizes para a criação na cidade dos programas de Proteção e Conservação da Fauna Silvestre e Flora Nativas.

O objetivo é elevar o conhecimento, a proteção e o manejo da exuberante biodiversidade carioca, por meio de iniciativas como a inauguração de um centro de triagem municipal e a elaboração de planos de conservação de animais e plantas em extinção. Ainda incipiente, a primeira reunião para alinhar o plano foi realizada em agosto. Eis uma boa notícia. Afinal, preservar é preciso.

 

Fonte: Veja Rio

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