Em visita à São Paulo na tarde de segunda-feira (28), Alok Sharma, presidente da COP 26, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, disse que o ano de 2022 é sobre “entrega”; sobre mostrar os compromissos que os países fizeram em Glasgow, na Escócia, e lembrou que o processo de entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de 38 países com foco no desenvolvimento econômico, tem como um dos critérios os compromissos firmados na conferência.
“A OCDE deixou bem claro que parte dos critérios do processo é garantir que países adotem os compromissos feitos na COP 26, no combate à perda de diversidade, desmatamento, etc.”, lembrou.
Questionado pelo g1 sobre como vê os crescentes índices de desmatamento no Brasil (entenda mais abaixo) frente aos compromissos assumidos pelo país, Sharma disse que entregar as responsabilidades assumidas em Glasgow é de suma importância para todo país que queira atrair investimentos.
“Se você quer ter investimento privado, se você quer garantir o progresso, aqueles compromissos que foram feitos definitivamente precisam ser cumpridos”, destacou o presidente da COP 26.
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Sharma, que está no Brasil para discutir com políticos e empresários brasileiros a neutralização de carbono do sistema financeiro em um evento organizado pela Embaixada Britânica, aponta que o único caminho para zerar a emissão de poluentes é continuar a cobrar o papel dos governos na entrega desses compromissos.
“Queremos garantir que os compromissos se transformem em ações”, disse.
Em Glasgow, o governo brasileiro assumiu o compromisso de zerar o desmatamento ilegal em 2028, reduzindo progressivamente a prática: 15% ao ano até 2024; 40% ao ano em 2025 e em 2026; 50% em 2027; até finalmente, em 2028, desmatamento ilegal zero.
Apesar desse comprometimento, segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o desmatamento na Amazônia em 2021 foi o pior em dez anos.
Já de acordo com números mais recentes, compilados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), os alertas de desmatamento na Amazônia Legal em janeiro e fevereiro foram os maiores já registrados para esses dois meses desde o começo desse monitoramento pelo instituto, em 2016.
No primeiro encontro da vertente brasileira da coalizão financeira Aliança de Glasgow pela Descarbonização dos Serviços Financeiros (GFANZ, na sigla em inglês), entidade que reúne mais de 450 bancos e empresas do setor, o político britânico afirmou também que o acordo de Glasgow foi “histórico”, mas que a chave para o sucesso do pacto é o setor financeiro.
“Os países querem agir, mas o ingrediente principal dessa questão é o financiamento. Sem o capital, os países não têm como entregar todos os comprometimentos firmados. Daí a importância do setor privado”, relembrou.
“Precisamos entregar um mundo net zero porque isso não é importante apenas para o meio ambiente; o futuro de nossos netos depende disso”, acrescentou.
o Brasil, a principal fonte de emissões de gases de efeitos estufa que ameaça esse futuro é o desmatamento.
No ano passado, durante a COP 26, o Brasil foi um dos 127 países signatários da Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, documento que declara o comprometimento coletivo de deter e reverter a perda de florestas até 2030.
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Apesar disso, os números atuais pintam uma realidade diferente daquela divulgada ao mundo pelo governo federal no ano passado e mostram que estamos na contramão do combate à crise climática que o mundo enfrenta.
De acordo com um estudo do Observatório do Clima, que reúne 43 organizações da sociedade civil, o desmatamento das nossas florestas em 2018 foi responsável por 44% do total de emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de Carbono (CO2) e o metano (CH4).
Entre 2003 e 2019, por exemplo, a invasão e o desmatamento, somente no caso de florestas públicas no Brasil, emitiram quase 2 bilhões de toneladas de carbono, conforme divulgado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
No evento desta segunda, Sharma acrescentou que teve diálogos “muito construtivos” com o Brasil na COP 26 e que, na manhã desta segunda-feira, esteve com o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, “fortalecendo esse diálogo”.
À época da conferência, Leite prometeu uma meta mais “ambiciosa” para neutralizar as emissões de carbono do Brasil até 2030: “passando de 43% para 50%”, mas não divulgou os valores absolutos dessa redução e qual seria a base de cálculo da meta, o que foi criticado por especialistas como uma “pedalada climática”.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, os índices de desmatamento vistos no Brasil recentemente preocupam porque, se mantida a tendência de desmate incomum para essa época do ano, o bioma pode superar os 15 mil km² de área desmatada até julho.
“Essa alta é extremamente grave diante da emergência climática que estamos vivendo, já que o desmatamento contribui com o aquecimento global, que por sua vez intensifica as mudanças climáticas que ocasionam os eventos extremos. (…) No Brasil, já tivemos no ano passado chuvas fortes que provocaram mortes e destruições na Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro”, afirma a pesquisadora Larissa Amorim, do Imazon.
Fonte: G1