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SÃO PAULO

Mudanças climáticas afetam zonas urbanas e rurais do Alto Tietê

19 de março de 2023
11 min. de leitura
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Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas é celebrado nesta quinta-feira (16). César Pegoraro, da ONG SOS Mata Atlântica, afirma que a conscientização sobre as causas dos desastres naturais é o primeiro passo para reverter este cenário.


Por João Belarmino, Mateus Costa e Caynan Ferreira, Diário TV 1ª Edição

Nesta quinta-feira (16) é celebrado o dia nacional de conscientização sobre as mudanças climáticas. E para quem pensava que os cientistas estavam falando de futuro, os desastres ambientais já deixam claro: é preciso falar do agora.

Os impactos de todos os poluentes que jogamos na atmosfera por séculos estão por todo lado, inclusive aqui, no Alto Tietê. Em Mogi das Cruzes, mais alagamentos na área urbana e prejuízos na produção rural.

Dias depois da chuva, Cecília Macena, que mora no distrito de Jundiapeba, em Mogi das Cruzes, precisa enfrentar um caminho de alagamentos e ruas esburacadas para levar os filhos para a escola. Com a chuvarada que vem desde o começo deste ano, as enchentes chegaram até a sua casa.

“Na verdade, a gente já tem três anos aqui. E aí esse ano foi o primeiro ano de enchente. Foi muito frustrante, porque a gente com criança, eu tava, no meu caso, eu tava operada, tinha acabado de fazer uma laqueadura, e aí você vê a sua casa toda cheia de água. É muito frustrante. Na minha casa eu perdi guarda-roupa, perdi cama. A gente passa com as crianças pra ir pra escola, no meio da água. Voltar da escola, no meio da água”, disse a dona de casa.

A imagem mostra uma moça, cabelo preso e vestindo roupa rosa, empurrando um carrinho de bebê. Atrás dela há um pouco de ver, postes de luz e alguns carros estacionados.
Cecília Macena, que vive em Jundiapeba, teve a casa invadida pela água de enchentes neste ano — Foto: TV Diário/Reprodução

Josenildo Leandro mora na mesma rua que a Cecília. Ele vive no local há mais de 25 anos. O período de chuvas traz também preocupação.

“Quando chove, tá piorando mais, porque cada ano que passa chove mais, né? Fica desse jeito que o senhor tá vendo aí, cheio de lama, buraqueira pra caramba. As crianças vai pra escola e chega com os pés cheios de lama”, explicou o impermeabilizador.

O bairro fica debaixo d’água. Vídeos feitos pelo conferente Cleiton Silva, que vive no local e já se acostumou com essa situação nos primeiros meses do ano, mostram a situação.

“Tá ficando pior. Ano passado não chegou a acontecer isso. Esse ano começou já a piorar tudo. A gente já fica preocupado, aqui na chuva, a gente fica aqui na rua vendo o que tá acontecendo pra já ficar esperto, porque se encher dá tempo de sair. Tem que sair”, disse Cleiton.

“A gente já fica em estado de alerta. A minha geladeira, principalmente, não saiu de cima do bloco, por conta que, a qualquer momento pode encher tudo aqui e a gente perder tudo de novo. Porque eu consegui uma cama nova, mas se chover de novo a gente vai perder de novo”, desabafou Cecília.

Não tem jeito, todos estão sujeitos a essas mudanças do clima e no campo não é diferente. Para os produtores, cada ano é uma surpresa e, ultimamente, não tem sido nada boa. Cerca de 70% da salsinha foi perdida. Além da produção, a chuva também lavou todos os nutrientes do solo, que vão gerar um custo com a reposição. Agora, Josué de Brito vai fazer uma pausa, que não estava programada, no plantio. A próxima colheita só deve acontecer em junho.

“Nos últimos dez anos, a gente vem sofrendo bastante, nós produtores. Por que? Cada ano é uma surpresa do clima, é um clima diferente do que a gente tá acostumado. O ano passado foi uma perda muito grande com o frio, né? Esse ano tá sendo uma perda com muita chuva. Então, a gente fica de mãos atadas, porque nós dependemos do clima da natureza. Aí o clima da natureza tá sempre surpreendendo a gente, pegando a gente de surpresa, né?”, disse o agricultor.

Imagem de uma região cheia de verde, um pouco de mato e terra.
Agricultores de Mogi das Cruzes afirma que sentem os efeitos das mudanças climáticas na produção — Foto: TV Diário/Reprodução

Ele tem um palpite sobre o que tem causado todas essas mudanças no clima. “Sempre vejo na televisão, a televisão falando que é por causa de muito desmatamento que tá tendo. E com isso, o sistema global tá muito afetado. Aí com isso, tá acontecendo o que tá acontecendo. Nós, produtores que tamo no campo, nós viemos tomando uma surra cada ano. A gente se prepara pra um clima, mas o clima vem totalmente diferente. Tipo esse ano, a chuva… Foi muita chuva. É uma época de verão, época de chuva, só que a gente não espera pra que o volume seja tanto”, explicou Josué.

De certa forma, o produtor tem razão. Ricardo Sortorello, geógrafo e professor da Universidade de Mogi das Cruzes, está a frente de alguns estudos que mostram a variação de temperatura na cidade.

“A gente tá numa área muito importante, tanto pra biodiversidade quanto para as pessoas. A qualidade de vida aqui em Mogi das Cruzes depende dessa regulamentação e dessa fiscalização. Então, a gente precisa entender que essas áreas florestais são áreas que fornecem um serviço pra todos. Um serviço de regulamentação climática, um serviço de produção de água. E isso é importante pra cidade como um todo e pra Região Metropolitana [de São Paulo], na verdade, como um todo”, disse Sortorello.

Tela de computador onde é possível ver um gráfico.
Mapa de calor revela que áreas com mais árvores têm temperaturas mais baixas em Mogi das Cruzes — Foto: Reprodução/TV Diário

Por exemplo, onde tem menos árvores, o calor predomina. “Nós já podemos ver o efeito da arborização da cidade nesse mapa de calor. Então nós temos aqui, por exemplo, área central muito quente porque tem poucas árvores, tem poucas áreas verdes. Mas alguns bairros mais arborizados, como por exemplo a Vila Oliveira, tem muita árvore, ela já está fora dessa área de calor mais intensa. Então, existem formas de a gente poder remediar esse processo que é justamente pela arborização pela construção de novas áreas verdes. Isso vai atenuar mais as temperaturas e trazer mais conforto climático. Isso é importante num cenário de aquecimento global, em que as coisas devem piorar no futuro”, completou o professor.

Além da implantação de novas áreas verdes, como sugere o professor, a preservação da Mata Atlântica é fundamental.

“Pra evitar problemas de áreas mais secas no campo, falta de água, a gente precisa investir mais na restauração da Mata Atlântica aqui na região. A Mata Atlântica é algo que vai segurar a água no solo e vai manter a umidade maior durante essas secas que o aquecimento global também deve trazer como consequência desse processo”.

Quando o assunto é aquecimento global, parece sempre um assunto macro, grande demais. Até por causa do termo “global”, uma questão geralmente discutida em grandes conferências da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas como a reportagem mostrou, este também é um assunto local.

Segundo a Prefeitura de Mogi, o município tem mais de 6.600 hectares de área preservada, o que corresponde a quase 23% do território.

A administração municipal disse que conta com uma estrutura de fiscalização para evitar ocupações irregulares em áreas de proteção. Em 2021 foi criada a patrulha ambiental da Guarda Municipal para ampliar as ações em conjunto com a Patrulha Rural. Denúncias podem ser feitas pelo telefone 153.

Além disso, segundo a Prefeitura, o setor de fiscalização de obras é responsável por averiguar o surgimento de loteamentos e ocupações irregulares. Denúncias podem ser feitas pelo 156, na ouvidoria.

Mudanças climáticas

César Pegoraro, biólogo e ecoeducador da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que atua na promoção de políticas públicas para a conservação deste bioma, explica que o aquecimento global descontrolado provoca as mudanças climáticas.

“O aquecimento global, na verdade, ele é um fenômeno natural do planeta. Ou seja, a gente tem essa condição atmosférica que garante a vida na terra, é um fenômeno natural. O que tem acontecido desde a Revolução Industrial é que os índices de particulados na atmosfera, de gases, como a gente ouviu falar bastante, do gás carbônico, do metano, do gás sulfídrico, são gases que, se acumulados em maior quantidade na atmosfera, é claro que eles retém mais calor. Isso leva a um outro quadro, que a gente chama de mudanças climáticas ou emergências climáticas”.

O biólogo também afirma que um dos passos para reverter este cenário é a conscientização sobre o que as causas dos desastres naturais que estão cada vez mais frequentes. “É algo que a gente já está bastante atrasado. Esses olhares pra essa mudança que a humanidade tem provocado já a várias décadas nessa concentração de gases na atmosfera é algo que já foi falado na década de 1960 e 1970 no mundo, mostrando essa perspectiva de que algo precisa ser feito desde então. E a gente tem, infelizmente, na cultura humana algo que, tantas vezes, a gente quer pagar pra ver, pra entender o que de fato esses cientistas queriam dizer nessa ocasião. Então a gente tá bastante atrasado, mas obviamente tem algo que a gente possa fazer pra melhorar as condições”.

De acordo com Pergoraro, promover o entendimento de que a sociedade é responsável pelas mudanças climáticas é uma forma de contribuir para às questões ambientais.

“Dá tempo. A gente tá com o tempo, assim, bastante escasso, mas é possível fazer muitas coisas. Acho que a primeira coisa é essa, a gente tem que ter uma conversa franca e realista com todas as pessoas. Essa não é uma responsabilidade do poder público, não é uma responsabilidade das empresas, é uma responsabilidade compartilhada. E aí tem muitas ações, obviamente, que podem ser feitas; Essa questão da manutenção dos nossos biomas, então seja como Mogi das Cruzes, a gente tem a Mata Atlântica, ok? Mas a gente precisa preservar a Amazônia, o Cerrado, os Pampas, a Caatinga, a gente tem que preservar esses biomas com o máximo possível de sua condição. Isso já é um bom começo. E proteger esses biomas depende, obviamente, de todas as pessoas. Da gente fazer denúncias, da gente cobrar o poder público, da gente exigir políticas públicas que tenham ações mais positivas em relação ao meio ambiente”.

Fonte G1

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