Poucos animais são tão estigmatizados quanto os morcegos. Associados a doenças e cercados por mitos e preconceitos, esses mamíferos capazes de voar costumam despertar nas pessoas os mais variados sentimentos negativos, sobretudo nos ambientes urbanos. Estudos recentes, no entanto, mostram que a presença desses bichos nas grandes cidades tende a crescer cada vez mais e o melhor a fazer é aprender como conviver com eles.
É isso que trará a Porto Alegre na próxima semana mais de 50 técnicos da área de saúde do Rio Grande do Sul e de outros estados. De 9 a 13 de dezembro, a capital gaúcha vai sediar o curso de Capacitação para Ações de Vigilância e Identificação de Morcegos em Área Urbana, oferecido pelo Ministério da Saúde e organizado pelo Instituto Sauver, uma ONG gaúcha que desenvolve projetos em várias áreas sobre quirópteros.
No curso, os participantes terão aulas teóricas e práticas sobre bioecologia, conservação, saúde, monitoramento e manejo adequado de morcegos. Entre outras coisas, aprenderão que, embora esses animas possam transmitir doenças como a raiva, eles também têm importância econômica e ecológica. Portanto, matá-los não é a melhor solução.
“Morcegos são considerados animais feios, nojentos, um saco de doenças. Para as pessoas em geral, morcego bom é morcego morto. Mas eles são fundamentais para que as cidades sejam sustentáveis e saudáveis”, defende a bióloga Susi Pacheco, doutora em zoologia e especialista em morcegos.
Segundo uma pesquisa publicada em 2010 por especialistas brasileiros nesses mamíferos voadores, pelo menos 47 espécies das 167 conhecidas no Brasil até então podiam ser encontradas em áreas urbanas do país. Forros de edificações, dutos de ventilação e tubulação de chaminés são alguns dos locais que servem de abrigo para os morcegos nas cidades.
Nesses ambientes, os bichos encontram condições de temperatura, umidade e luminosidade semelhantes a de cavernas, frestas em rochas ou copas de árvores, seu habitat natural. A degradação sistemática desses ambientes e a expansão desenfreada das cidades, aliás, foram o que levaram os morcegos para junto dos humanos, dizem os pesquisadores. Postes de iluminação, por exemplo, concentram um grande número de insetos e são atrativos para os morcegos que se alimentam deles.
De acordo com Susi Pacheco, as pessoas não precisam ter medo ao encontrar um morcego, mas não é recomendável tentar manuseá-los, principalmente com a pele desprotegida. Também não é aconselhável usar veneno para espantar os animais, pois corre-se o risco de intoxicar humanos e outros animais. O ideal é pedir auxílio de especialistas nos centro de vigilância em saúde ou em secretarias e patrulhas ambientais.
“Quando há problemas com grandes colônias de morcegos, com muitos indivíduos, é necessário que pessoas que conhecem as espécies auxiliem. Porque cada espécie tem comportamento distinto e formas diferentes de deslocamento. Além disso, as espécies tendem a ser fiéis aos locais em que procuram abrigo”, diz a bióloga.
Morcegos no Rio Grande do Sul
Do total de espécies de morcegos catalogadas no país, 40 ocorrem no Rio Grande do Sul, de acordo com o Instituto Sauver. Não há espécies endêmicas, isto é, que existem apenas no estado, mas algumas como a Anoura geoffroy e a Carollia perspicillata são típicas do bioma Pampa e estão distribuídas em campos do estado, da Argentina e do Uruguai.
Ao contrário da crença popular, apenas três das mais de 1,1 mil espécies catalogadas em todo o mundo são hematófagas, ou seja, se alimentam de sangue. Um dos chamados “morcegos-vampiros”, o Desmodus rotundus, é o único deles que ocorre no estado, com ampla distribuição em todos os municípios. Mas ninguém precisa ficar preocupado a ponto de proteger mais o pescoço, garante Susi.
“No Rio Grande do Sul não há casos de ataque deste morcego a humanos. E os casos de raiva herbívora e urbana são bem controlados e estão dentro dos padrões exigidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”, explica a pesquisadora.
Os morcegos podem ser classificados de acordo com sua alimentação. Do total de espécies conhecidas no Rio Grande do Sul, além da hematófaga, 11 são nectarívoras-polinívoras (se alimentam do néctar e do pólen das plantas) ou frugívoras (frutos), uma é piscívora-insetívora (pequenos peixes e insetos) e 27 são exclusivamente insetívoras (comem apenas insetos, como mosquitos, aranhas, lacraias, escorpiões, entre outros).
Para os pesquisadores, o controle na população de insetos pode ser a maior contribuição dos morcegos para os ecossistemas, além de um possível benefício econômico nas plantações do estado. As espécies insetívoras são responsáveis por se alimentarem de lagartas que atacam culturas como o milho, a soja e o tabaco, além de mariposas, besouros e outras pragas agrícolas. Nas áreas urbanas, eles alimentam-se de mosquitos (inclusive da dengue), cupins, baratas, traças e aranhas.
Em Porto Alegre, há quatro espécies mais comuns: Tadarida brasiliensis, Molossus molossus, Molossus rufus (insetívoras) e Artibeus lituratus (frugívora). Essa última espécie, diz Susi, costuma assustar as pessoas por causa de seus voos rasantes e em bandos, que causam a sensação de uma perseguição antes do ataque.
Em 2010, a equipe do Programa de Monitoramento de Quirópteros do Rio Grande do Sul – formada por Susi Pacheco e as também biólogas Aline Brasil e Soraya Ribeiro, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) – descobriu na capital gaúcha um colônia de morcegos com cerca de 6 mil indivíduos da espécie Tadarida brasiliensis, alguns deles com leucismo, uma anomalia genética semelhante ao albinismo, mas com outras características.
Fonte: G1