Então cabe aos animais esse espaço de preencher vazios nas tripas e nos tijolos-6-furos da vida, amálgama para casamentos cariados, diversão de final de semana para curtos que arrotam como cultura tudo que é repetição do passado. Pode ser transpassado por um tiro – com a aura mágica de, vejam só, ‘conservação’ – ou por um espeto, mesmo que seja para homenagear São Franciso de Assis – vejam só, senhoras e senhores.
Aos amansados e submissos e fofos, o papel de ursinho de pelúcia que funciona sem pilhas, aos exóticos ficou o papel de, vejam só, ‘televisão de cachorro’ para os humanos, enquanto comem pipoca em frente às jaulas. Para outros, coube o papel de forrar intestinos – para alguns, esse papel começa antes mesmo de ser servido, recheando tripa seca de algum outro animal não humano, para então ser defumado e então, e só então, forrar tripas alheias.
Mais uma vez, a repetição do passado.
A escolha de qual será comido – e qual será amado etc. – já vem desde antes de a pessoa nascer, mas esta acredita, vejam só, estar fazendo uma ‘escolha’. Referendar decisões de terceiros, que um dia apontaram para um quadrúpede e decretaram ‘esse pode ser comido’, ‘aquele pode montar em cima’, ‘aquele outro é sujo’, ‘aquele é para ser pisado’, ‘este aqui é meu xodó do coração, minha Hello Kitty’. Ou algo assim.
E aos animais cabe apenas olhar, e seguir no rumo que os humanos deram a eles, de peça rara ou praga a ser exterminada, e muitas outras opções no escaninho do destino. Em muitos casos, a doma, o adestramento, a corrente, o sarrafo ou o ‘treino’ mantêm esses terráqueos resignados, submissos, presos à ball and chain de quem nasceu Morlock.
Pode ser alvo, pode ser cobaia, pode ser almoço, pode ser matéria-prima, pode ser negócio, pode ser casaco, pode ser ‘amigo’, pode ser marionete, selo raro a ser catalogado, bobo da corte ou depósito das neuroses da vida. Nunca o valor em si, mas a tag aplicada por quem abusa do poder, pavimenta o caminho com a dor alheia, debocha da morte e do aperto em vida, como se algum império tivesse durado para sempre. E essa imposição de vontade pode estar mascarada por lacinhos nas orelhas, feiras ao ar livre ou decisões de indústria.
Mas a leitura disso tudo, vejam só, começa a ser feita por mais gente, que percebe o passado como o Mancha Negra, o inimigo do Mickey.