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Livro denuncia massacre de 750 mil animais domésticos durante a Segunda Guerra Mundial

24 de maio de 2017
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As filas de pessoas e animais domésticos tomavam conta das ruas de uma maneira tipicamente britânica: calma e ordenada.

Alguns dos animais eram salvos, mas infelizmente outros não tinham a mesma sorte
Foto: State Library Australia

Porém, os tutores de cães, gatos, coelhos e até mesmo de papagaios que visitavam veterinários e instituições de proteção animal em agosto de 1939 escondiam um segredo perturbador.

Nenhuma bomba havia caído, nenhuma invasão era iminente, mas milhares de famílias decidiram, algumas horas depois de o primeiro-ministro Neville Chamberlain declarar guerra contra a Alemanha nazista, matar os animais.

Na semana em que a imprensa condenou a brutalidade do embaixador alemão por ter abandonado seu cão enquanto fugia do país, um crime ainda mais sombrio contra animais era cometido nas ruas da Grã-Bretanha.

Os números são chocantes. Na primeira semana da guerra, entre 400 mil e 750 mil cães e gatos foram mortos apenas em Londres (Inglaterra), o que representa cerca de um em cada quatro indivíduos da população de animal domésticos.

Esta barbaridade é tema do novo livro “O grande massacre do cão e do gato: a história real da tragédia desconhecida da Segunda Guerra Mundial”, escrito por Hilda Kean.

Kean revela que o abrigo de animais Wood Greenno, no norte de Londres, viu filas de pessoas que esperavam para entregar gatos e cães. A RSPCA teve de contratar mais funcionários para trabalhar durante a noite para lidar com essa situação.

A National Canine Defense League (NCDL) ficou sem clorofórmio, tamanha foi a extensão da matança. Antes dos horrores das câmaras de gás nazistas se tornarem conhecidos, a organização descreveu os assassinatos como o “Holocausto de Setembro”.

Os incineradores do People’s Dispensary for Sick Animals  (PDSA) não conseguiram lidar com o grande volume de cadáveres e ofereceram um espaço em seus terrenos em Ilford para servir de cemitério para animais domésticos.

A instituição disse que cerca de 500 mil animais foram enterrados no local, muitos durante a primeira semana da guerra. O mais chocante sobre esses assassinatos em massa e sem precedentes é que nada disso foi necessário. Os tutores tomaram a decisão porque acreditavam que estavam fazendo o melhor pelos animais.

Segundo a reportagem do Express, o tutor de Lulu, um gato persa preto e branco de 11 anos, colocou um obituário para seu companheiro no boletim informativo da Cats Protection League.

Ele disse que era impossível “pensar nele em outras mãos ou exposto aos riscos da guerra” e que isso o deixou com “uma sensação de perda e tristeza mais profundas do que as palavras conseguem expressar”.

Betty Morrell, de Hastings, descreveu em suas memórias como sua mãe tinha matado o gato da família “porque se lembrou do bombardeio da Primeira Guerra Mundial e não queria pensar no gato andando por aí sem um lar e apavorado”.

Outros estavam preocupados em poder alimentar os animais caso houvesse racionamento ou como os animais iriam lidar com os bombardeios. Alguns dos assassinatos não foram realizados por veterinários, mas pelos próprios tutores ou seus amigos.

As mortes eram também traumáticas para as crianças e oferecem um primeiro vislumbre da trágica realidade da guerra. Paul Plumley, agora com 80 anos, lembra-se da morte do cão cuidado por sua família.

“No início da guerra, eu tinha cinco anos e minha mãe me disse para levar o nosso jovem colega galês para os veterinários para ser posto para dormir. Foi  uma longa caminhada para um menino de cinco anos”, relatou.

Enquanto isso, Mayne, do Oeste de Londres, decidira que sua família iria para a costa. No entanto, a coelha branca Minnie, cuidada por suas filhas Alison e Madeleine, não fez a viagem.

Em vez disso, um “amigo da família” a baleou e esfolou. De forma tenebrosa, a coelha foi então transformada em uma torta pela senhora Mayne e servida no jantar.

A brutalidade também ocorria nos zoológicos do país. Em Bristol, os ursos polares foram mortos e os macacos rhesus foram submetidos a experimentos.

Todos os leões explorados pelo Southend Zoo foram mortos e no London Zoo nem mesmo as cobras e peixes foram poupados. As aves foram posteriormente libertadas na natureza.

Felizmente, outros animais tiveram mais sorte. Penny Green foi informada de como seu pai, então com 12 anos de idade, viu pessoas com animais domésticos enquanto caminhava com a mãe.

Fagg e Miss Horsley levando seu cão após bombardeio
Foto: Getty

“Ela lhe disse que os animais seriam mortos para não sofrerem se as bombas começassem a cair”, recorda Penny.

“Havia uma mulher carregando um belo gato. Papai e Gran voltaram para casa com o gato, renomeado Charlie”, completa.

Existem também histórias de grande compaixão por cães. Um funcionário de uma loja em Euston acolheu um pequeno cão chamado Bonnie de uma cliente. “Ele não tinha um lar. Um dia, ela entrou na loja e mostrou-o para mim e ele era tão querido que eu não conseguia pensar nele sendo morto”, ressalta.

Outros conseguiram salvar os animais domésticos, levando-os a centenas de quilômetros de distância quando foram evacuados, enviando-os para amigos e parentes no país ou cuidando deles da melhor maneira possível.

Nina, duquesa de Hamilton, que criou a Animal Defence Society, abrigou centenas de animais em seu refúgio – um aeródromo aquecido próximo a Salisbury – e até mesmo criou canis temporários em sua residência em St John Wood.

Um dos mistérios do massacre é a razão pela qual tantas pessoas que cuidavam de animais tomaram uma decisão tão drástica de matá-los. Muito disso parece ter sido um medo do que o futuro lhes reservaria.

Houve também orientações deploráveis. O Comitê Nacional de Precauções de Incursão Aérea do governo (NARPAC) publicou um panfleto de recomendações antes da guerra, sugerindo que os animais não poderiam ser realocados e dizendo que “é realmente gentil destruí-los”.

No entanto, organizações de proteção animal e veterinários apelaram em vão para o público não prejudicar os animais. Em uma campanha veiculada no rádio, o ator Christopher Stone dizia  aos ouvintes: “Destruir um amigo fiel quando não há necessidade de fazê-lo é outra maneira de deixar a guerra entrar em sua casa”.

Inevitavelmente, muitas pessoas que mataram animais lamentaram a decisão posteriormente. Uma revista relatou que muitas estavam “arrependidas de terem sido tão facilmente influenciadas a matar seus fiéis amigos”, enquanto outras queriam tutelar novos animais.

O massacre mostra o pior momento do relacionamento da Grã-Bretanha com os  animais domésticos.

No ano seguinte, quando 300 mil soldados foram resgatados de Dunquerque, uma das memórias duradouras era de soldados que acolhiam cães que haviam sido abandonados pelos franceses.

O papel dos fiéis e amorosos cães e gatos foi vital para aumentar a moral e manter um senso de normalidade, mesmo nos dias mais difíceis da guerra. O vínculo entre humanos e animais domésticos permanece apesar dos eventos sombrios de 1939.

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