Sobre a expressão “cruelty free” (livre de crueldade) ainda tenho o que escrever. Aqui antecipo apenas que essa expressão não quer dizer que o produto seja vegan, ou, usando o conceito ético, abolicionista.
Cruelty free está longe de ser um produto sem uso de ingredientes de origem animal, sem exploração do animal, sem morte do animal. Pense bem e profundamente no que isso significa. Esse é outro nó no rolo de arame farpado da luta abolicionista.
Por isso que conceitos bem-estaristas nunca nos levarão à abolição animalista. Se pensamos com meios-termos, temos um resultado pífio, sempre.
E os animais estão cansados de afirmarmos que é melhor que eles tenham nossas migalhas, do que nada. Não se trata de dar migalhas, fazer miseráveis concessões a eles. Eles têm tanto direito ao direito integral à vida e à liberdade que seu tipo específico de vida requer, quanto nós o temos. Há migalhas que não fazem a menor diferença para o resultado final, a derrota, por exemplo. Basta pensar no 7 x 1 da Alemanha contra o Brasil, no último dia 8 de julho 2014. Quem acha que aquele unzinho miserável resulta em algum benefício para a seleção brasileira?
Proibir os mercadores de açoitar os afrodescendentes no Pelourinho jamais levou à libertação desses seres humanos. Não vamos iludir as pessoas de que nossas migalhas para os animais já lhes bastam.
Quem se contenta com migalhas, que as aplique sobre si mesmo, e então me diga se está feliz com a migalha que merece. Os animais não merecem migalhas. Merecem tudo. Como nós. E já nos falta muito perdão com tanta lei faz de conta que consideramos uma “maravilha” para eles.
Queria ver as pessoas no lugar dos animais para medir seu “grau de satisfação” com leis meia-boca, caso elas fossem inventadas por seres com poderes e artimanhas para nos pegar e submeter a testes tóxicos, dolorosos e letais de todo tipo. É muito fácil se achar bonzinho com tamanho cinismo e mesquinharia. Vamos parar de afirmar que é “melhor a migalha” do que “nada”?
Fui outro dia a uma loja famosa, Cruelty Free, cuja proprietária morreu há uns dois anos, de câncer. Bem, ela foi a primeira, se não estou mal informada, a abrir uma linha de produtos cruelty free no mundo: Body shop.
Li os ingredientes de quase todos produtos expostos, buscando algo que fosse vegano. Não encontrei. Tudo ou quase tudo continha derivados de animais. Dizem que o leite de cabra usado é de “cabras felizes”. Queria ver mulheres sendo ordenhadas por uma indústria que usasse o leite delas para fazer cosméticos, e então medir seu “grau de satisfação” com a ordenha “feliz”.
O ser humano aplica conceitos aos animais que não aplicaria para si mesmo. É preciso sair dessa dormência moral, desse “sono em berço esplêndido”… o prejuízo está cada vez maior, 7 x 1 contra os animais. E o 1 está sendo apregoado como “ganho” para os animais. Já escrevi: o bem-estarismo nada mais faz do que manter as pessoas no conforto do seu bem-estar consumista de tudo o que é produzido à custa dos animais, seja com gozo em lhes causar dor (algo que realmente só os psicopatas sentem), seja sem gozo na dor que causam a eles.
Portanto, quase todos os produtos são produzidos sem “crueldade”, porque esse conceito é subjetivo e diz respeito não ao que o animal sofre, mas ao sentimento de quem o machuca.